quarta-feira, 2 de junho de 2021

Um Dodô em Portugal


Como quase todos sabem: vim da roça, sim senhor. Venho da terra das palmeiras do babaçu, cujas folhas cobriam nossas casas e com as quais se confeccionavam cofos, cestos artesanais, que serviam para levar e trazer quase tudo. Eu venho da terra da Lagoa da União, coberta de mururus, que nos dava água fria e que enchia os potes de todas as casas. Nem sei como ninguém morreu, já que a única filtragem ou tratamento daquela água abençoada pelos deuses era passar a água por um pano. No pano ficavam gravetos, girinos e outras impurezas.

Quando nasci já tinha ido quase todo mundo embora e ficou apenas a família de meu avô, o velho Oliveira e os filhos. Alguns casados, outros solteiros, mas todo mundo que era filho do velho Oliveira morava ali, no Centro Velho dos Oliveira, também chamado de Centro dos Protestantes, visto que todo mundo se dizia evangélico. 

A minha mãe é prima legítima de meu pai e isso talvez explique muita coisa dos nossos temperamentos e personalidades excêntricas, para não dizer esquisitas mesmo.

- Mas... alto lá! há tanta gente por aí muito mais esquisita do que nós e que nem filhos de primos são, fala a verdade.

Minha mãe, ainda mocinha, conheceu meu pai num desses encontros de família que acontecia uma vez na vida e outra na morte. O encontro virou culto evangélico, eu acho. Certo é que o tal encontro juntou uma outra parte da família, a dos Lucena, da qual descende minha mãe e que morava na cidade de Pedreiras.

A história desse romance dos dois não sei ao certo, portanto não lhes posso contar. Ela, todavia, era da cidade e ele do interior, da roça. Ambas as famílias eram pobres, pobres de "marré deci". Não sei se as origens diferentes causaram toda a desarmonia em que sempre viveram. Certo é que cá estamos nós todos.  

Ali por perto, num lugarejo bem bonitinho chamado Barreiros, e também pela região da Lagoa do Chico, moravam outros parentes de outro galho da nossa árvore genealógica: os Dodô. Conquanto não tenhamos tido muito intercâmbio com eles, sabíamos que eram parentes próximos e que em nossas veias, por hereditariedade genômica, corria uma ancestralidade consanguínea compartilhada.

Por agora, por estes dias, surpreendo-me com o relato de um parente próximo, muito próximo, a contar de maneira superficial, um pouco da saga dos Dodô.

Os Dodô migraram dos sertões do Ceará, da região de Icó, muito provavelmente, quando da "diáspora regional", derivada de grande seca, a qual os levara para a região do Maranhão, onde nasci e passei meus primeiros anos de vida; de onde guardo muitas, boas e lúdicas, lembranças.

Dodô, na verdade, é um apelido dado aos membros das famílias, Barros, Oliveira e Pinheiro. Meu avô por parte de pai era Oliveira Barros, de sobrenome. Meu pai carrega, por sobrenome, Barros de Oliveira; e minha mãe, Lucena de Oliveira. Eu e meus irmãos somos Lucena de Oliveira, mas há quem aponte erro nos registros de sobrenome que, na verdade, deveria ser Oliveira Barros.

A família dos Dodô, mais conhecida, predomina sobre o povoado do Ipiranga, entretanto estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo a fora, sem sequer se darem conta da história do sangue que lhes corre nas veias. Eu também não vou negar a minha ignorância sobre o assunto.

Daqui, desde Lisboa, no entanto, reconheço-me como um Dodô e  mando o meu abraço a todos da família, aos que se encontram do outro lado do oceano ou algures nesse mundão de meu deus a fora. 

Eu venho das terras morenas do Babaçu, cobertas do dourado dos cachos de arroz. Venho das águas frias da Lagoa da União. Venho do Centro Velho dos Oliveira.

Eu vim de lá! Eu vim de lá!

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