segunda-feira, 20 de junho de 2022

Prakash, o Indu

Prakash contou-me sua história resumidamenteenquanto me conduzia, dirigindo o seu Uber. Nascido em Moçambique, filho de pais indianos. O pai chegara àquele país, oriundo da Índia, ainda criança. Seu pai casou-se com uma moça moçambicana e, dentre os filhos, tiveram Prakash. Quando Prakash tinha menos de 2 anos, a Índia fincou bandeira nas colônias portuguesas, caso de Goa. Portugal, na pessoa do ditador Salazar, decidiu expulsar de seus territórios, inclusive Moçambique, todos os residentes indianos.

 

A Índia enviou navios para recolher seus nacionais em Portugal e nas colônias. O pai de Prakash se viu obrigado a embarcar sozinho, sem a família, rumo ao seu desconhecido país natal.  Soube-se, cerca de 2 anos depois da sua partida, que morrera de tristeza. O pai dele, de indiano, só tinha a cara. Sequer falava a língua, não praticava a religião nem reconhecia os próprios parentes. Ficou sozinho em meio àmultidão, sem qualquer assistência do governo ou de quem quer que fosse.

 

Prakash viu Moçambique se tornar independente de Portugal. Já casado e com três filhas, desembarcou em Lisboa, tempos idos, e aqui fez a vida e sustenta a família. As três filhas estão casadas com maridos de nacionalidades diferentes. Um canadiense, um chinês e um russo.

 

Prakash diz trazer no peito o peso da mágoa em relação à Índia, país onde jamais pretende pôr os pés. Com razão, considera aquele país responsável pelo seu drama familiar e pela morte do seu pai.

 

Ainda bem que as coisas mudaram, diria algum leitor, menos informadoque não está a acompanhar as atrocidades recém-cometidas na Ucrânia. Famílias inteiras sendo separadas e mães assistindo a seus filhos serem obrigados a entrar em ônibus, rumo à Rússia, mesmo que algemados. Esse, aliásé o menor dos dramas.

 

Temos de encarar a dramática realidade que se nos impõem os presidentes, eleitos ou não, ignorantes, negacionistas, antidemocráticose cruéis, os quais não pensam duas vezes antes de destruir vidas e famílias . Vejam as imagens de Mariupol e de Donetsky.

 

Pôres de Sol

Vejo pôres do sol desde o mirante do Calvário, em fotos postadas por Álvaro Braga, por Jorge Abreu e por tantos outros encantados com as cores da nossa boreal brasílica. Um Corda e um Mearim prateados num horizonte irregular e bucólico. 

 

Depois de tanta luta, regada a muito suor lágrimasde noites sem dormirem plantões infernais de trabalho duro e arriscado, vivo o meu momento a ver pôres do sol, sem culpa. 

 

Já trabalhei demais na vida. Desde que me percebi por gente. Na infância dentro da roça a derrubar, encoivarar roçado, plantar e colher tudo do que precisávamos para a sobrevivência, até na olaria, debaixo de sol a pino, dia após dia. 

 

Migrei para Brasília, adolescente ainda, a deixar para trás todo o meu mundo e família. Apavorado ante a minha premonição de sofrimentos na capital federal, ali,paguei um bocado dos meus pecados.

 

Eu me via, num futuro distante, aposentado e ainda com saúde, a viver aventuras em viagens mundo afora. Eu fui impregnando o meu DNA com meus desejos e sonhos e galgando os degraus da realidade com muita dificuldade. Muitos erros e alguns acertosenquanto sentia-me abençoado pelo Universo. A existência, mesmo com todas suas dores, sempre me foi verdadeiro deslumbre.

 

“Deus ajuda quem cedo madruga”, diz o sábio provérbio popular. Eu precisava de saúdeforça, inteligênciacoragem, disciplina e determinação. Acreditava e acredito no meu potencial, mesmo que com verdadeiras crateras de carência escolar, bem como de vários outros itens de uma relação de valores que sempre podem facilitar a trajetória até o objetivo.

 

 estou a mostrar-lhes pôres do sol, em tons tão vermelho-alaranjados que até parecem pinturas e que me remontam ao Morro do Calvário. A magia do pôr-do-sol em Oia, Santorini, tão inesquecível, é a mesma do Calvário. 

 

Qualquer dia desses, de propósito, vá ver um pôr do sol desde o Calvário equando perceber o privilégio da existência e as cores boreais que estão dentro de si mesmo, agradeça... e peça por si e pelos demais. 

 

 

A Andorinha Ferida

As fitinhas do Senhor do Bonfim tremulavam nas portas do meu armário, quando ouvi um barulhinho não identificado, como se fora de um pequeno roedor a destruir o meu baú. 

 

 Abri a porta da varanda e lá, entre os vasos e plantas, uma andorinha, preta como carvão, se debatia. Uma das asas estava visivelmente machucada e o sangue podia ser visto em pequeninas poças no chão. Meu coração se compadeceu, como se eu pudesse sentir toda a sua dor e desespero. Recolhi-a com cuidado e a protegi entre minhas mãos, sentindo seu pequeno coração quase que a sair do peito. 

 

 -“Pequena andorinha… quantas vezes estive no teu lugar? ” Pensei, enquanto a colocava numa cesta de frutas e a cobria com um tapete.

 

Eu já estava mesmo de saída, para vacinar o meu cão, o Karl. Levei comigo a andorinha  para que fosse lá tratada ou para que os profissionais me fornecessem o número telefônico do SOS ANIMAIS, que aqui em Portugal existe e funciona.

 

Eu não sabia, mas era o feriado do Dia de Portugal. Voltava então para casa com a andorinha ferida. Eu iria localizar o SOS ANIMAIS e aguardaria pelo socorro. Não deu tempo. No meio do caminho da volta, a andorinha conseguiu sair da cesta e, quando percebi, ela voava baixo pela rua. Eu torci para que ela não batesse num imenso musgo ou nos prédios ali ao lado. Ela ziguezagueou e levantou voo, rumo ao céu azul, desaparecendo. 

 

Tantas vezes fui andorinha ferida, cansada, sem poder levantar voo. Não foram poucas as vezes que o Universo me mandou seus anjos a me socorrer. Quando não me apareceram  anjos, veio-me a força de superação . 

 

Quantos agora estão feridos, com fome, com frio, doentes? Enquanto os desprezamos, praticamos a nossa aparofobia. Qual o retorno, segundo as alegadas leis espirituais, a quem pratica tanto desprezo? E Jesus, o “vosso” mestre, como agiria? Um pão, um cobertor... ou de um prato de sopa, todos deveriam dispor. Não esperem por agradecimentos. Quem pratica o bem, à espera de gratidão, melhor que não o faça, porque o bem não está a fazer.

 

A andorinha deve estar agora a voar sobre o Tejo. Eu também!