terça-feira, 28 de junho de 2016

Vida de Paxá

Eu que nunca gostei de ser servido, confesso: tenho desejos de acordar todos os dias e encontrar a mesa posta por um funcionário que me fosse uma espécie de mordomo e uma empregada ou duas a auxiliá-lo. Queria que ele, o funcionário, me fosse invisível. A casa estaria sempre impecável e a cama eu não teria de arrumar. Ele saberia que gosto de café fresco a cada duas horas e que a falta desse hábito me deixa inquieto e, quanto mais o tempo passa, mais nervoso vou ficando. Ele me admiraria e me serviria com o respeito dos que não possuem a inveja e que quer o mal de quem servem.

Há uma culpa instalada lá no fundo e que me grita a informar que a servilidade é uma escravidão branca ou disfarçada. O escravo trabalhava servilmente pelo prato de ração e para estar vivo. A modernidade impõe salário a quem serve. E sei que todos somos servos-escravos em algum momento ou o tempo todo. Talvez seja a minha moral cristã que me impede. Talvez sejam minhas condições financeiras que não me permitem mesmo. Não sei. Só sei que não gosto nem um pouco de ser servido.

Ter empregados impõe a presença pesada e, por vezes, nefasta de alguém em sua casa o tempo todo a perceber suas intimidades. Eu, daqui de minha solidão, penso que prefiro assim como está. Um ser, mesmo que um desses mordomos que servem sem abrir a boca e mãos pra trás o tempo todo, vêem, pensam, sentem muito além dos cheiros e odores que, nem sempre são agradáveis. Mas, pior, podem sentir ódio e inveja. 

Vivo e faço o que quero. Ando como quero no meu espaço – até pelado. E adoro isso tudo! Fico comigo mesmo e a me servir. Só quando não mais o possa me imporei um ou dois enfermeiros. Minha intimidade e privacidade não a quero dividir nem com quem me esteja invisível e com a mesa posta.

A vida que desejei seria a de um verdadeiro paxá, um rei rei incorrigível e mimado. Fico com a independência que meus músculos me dão. Gosto mesmo de por a mão na massa, de subir escadas e de me exercitar. A vontade de ficar na cama eu, por vezes, me largo em minha preguiça e me levanto só quando o corpo enjoou da cama. Fazer meu café; descer com meu cachorro pra que se alivie de suas necessidades fisiológicas; fazer a cama... é rotina de todos os dias. Depois vem um bom banho quente nesses dias gelados de Brasília. Depois acessar a internet e ver as notícias do dia. Amo tudo isso!

Wanderley Lucena

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Tio Esaú


- E tio Esaú, mãe? A Senhora tem notícias dele?

- Ô Maninho! Parece que as coisas lá não estão boas não. É tanto sofrimento há tanto tempo. Ele não anda mais. Rasteja pelo chão quando quer ir de um canto ao outro. E agora, fiquei sabendo, que já nem rastejando chega a lugar nenhum.

- Pois é, minha mãe. Eu estava falando com um primo de lá. Disse que todos já estão torcendo para que ele se vá de vez. Tá sofrendo muito, dando muito trabalho. Tia Eulina cuida dele dia e noite, parece que tá raquítica de tanto lidar com ele.

Era pouco mais de meio dia quando vi as lágrimas rolaram pela pele enrugada do rosto de minha mãe. O seu irmão mais velho, centenário, já com uma perna amputada há tempos por causa de uma trombose, estava prestes a partir dessa para uma melhor.

Naquele exato momento eu tive a sensação de que ele morria. Cheguei em casa por volta das 15h e vi que meu primo me chamava ao telefone.

- Diga à titia que Tio Esaú acabou de falecer!

Eu chorei! Liguei antes para minha irmã que, zelosa e cuidadora, se dirigiu à ela e lhe deu a notícia.

- Eu já esperava. Foi melhor assim! – respondeu ela com as lágrimas fartas a lhe caírem mais uma vez.

Liguei mais tarde para saber como ela estava e minha irmã me pediu, falando baixinho, que não mais tocasse no assunto e que ela estava bem. Ela estava confortada e conformada.

O que nos faz querer aproveitar cada minuto da vida é a certeza de que vamos morrer. Estou certo de que a morte, por mais que não pareça aceitável, nada mais é que mais um momento da própria vida. E eu acredito mesmo que, não fora a morte, a vida seria verdadeiro inferno.

Wanderley Lucena



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Milagres



Meu Deus! Quem me ler desde tão longe? Me pergunto. A tecnologia virtual permite milagres todos os dias. Sou curioso por saber quem me ler e o que pensa a respeito do que escrevo. Vejo o registro em minha página de blog e percebo registros internacionais, inclusive. É mesmo incrível e maravilhoso. No facebook ou em outra rede social qualquer, quase todos os dias, acho e sou achado por gente com quem convivei há anos ou que conheci ainda agora.


É um milagre!

Êxtase

...e a vida segue sem um roteiro rígido. O que tenho são desejos e planos que mudam a todo instante. Meus desejos permanecem intensos. Desejos de viagens; de morar numa vila medieval na Europa; de tomar expresso e ler jornal sem pressa; de conhecer pessoas inteligentes e felizes; de viver o modesto com o conforto de poder pagar o que compro sem grandes aperreios. Mas, a vida impõe o seu ritmo e retarda algumas datas nas quais eu deveria ter estado no embarque internacional rumando para o velho continente. Entretanto, mesmo que com certo retardo, sempre realizo meus desejos. E sei que os realizo sempre porque o universo sempre conspirará em favor do que desejamos intensamente realizar. É que o tempo do universo não obedece aos meus desejos. Só isso! Então, “tudo é uma questão de mante a mente quieta, a espinha ereta e um coração tranquilo”. Até agora o Universo me tem sido por demais generoso. Até agora, mesmo que com limitações, fiz tudo o que desejei e planejei. 

Meu nome é Wanderley Lucena, tenho 51 anos e, sinto-me um adolescente que pula o muro pra encontrar com a amada que namora escondido. Coração batendo acelerado ante o proibido e a ânsia de encontrar o objeto do desejo. Sinto-me o rebelde que sempre me imaginei. Gosto do que me fiz ou do a vida me fez! Sou um deslumbrado pela vida e não perco meu tempo com desgostos. Quando a crise chega a única coisa que quero é que ela termine e que volte ao meu êxtase de felicidade. "Não importa como você começa alguma coisa, mas sim como termina". 

Wanderley Lucena

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Coisas de Mãe

- Mãe, tem almoço ai?
- Claro! Tem almoço sim. Porque?
- Eu vou almoçar ai então, tá certo?
- Ta certo. Só que eu vou para a natação. Você tem as chaves. Eu vou deixar tudo pronto.
- Então tá!
Cheguei em casa e tinha arroz na panela e dois ovos sobre a pia. Morri de rir.

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- Mãe, estou indo ai. Estou muito gripado. Você tem alho, limão e mel ai?
- Claro! Aqui sempre sempre tem alho limão e mel.
- Que bom! Vou passar na farmácia e comprar resfenol pra tomar  junto com um chá que vou fazer ai.
- Não precisa comprar nada! Resfenol tem aqui. Nunca falta resfenol nessa casa. Aqui tem tudo.
- Ótimo! Chego daqui à pouco.
- Estou saindo pra natação. Você tem as chaves. Deixo tudo aqui pra você fazer o chá e, inclusive, o resfenol.
Cheguei em casa e sobre a pia estavam o alho, o limão, o mel e uma caixa de vitamina "C" efervescente. Fui até a farmácia e comprei o resfenol.
Só mesmo a minha mãe!

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- Mãe, estou chegando daqui à pouco por ai. A senhora vai pra natação?
- Não, estou em casa e te espero.
- Tem almoço ai?
- Claro!
Cheguei em casa e quando abri a porta pensei ter errado de apartamento. Três senhoras, todas de cabeça branca igual algodão, mais a filha de uma delas e seu respectivo marido. Eram três irmãs -  Delta, Belinha e outra que não lembro o nome - todas quase da mesma idade de minha mãe e primas dela. As primas, velhas amigas de outrora, faziam visita para matar as saudades.
Botei a cara pra dentro e ficou o silêncio. Senti-me estrela de cinema impacto da chegada. Elas me olhavam admiradas.  A sala minuscula parecia uma cela de cadeia entupida de detentos. 
- Davina! Esse é teu filho? Meu Deus! Que homão! - Exclamou uma mais afoita.
Foi uma festa! Faziam mais barulho que araras chumbadas. O almoço constava de um “rubacão”, arroz cozinhado junto com o feijão bem soltinho e, de acompanhamento um frango assado que compraram pelas redondezas e, mais nada. Minha mãe nunca gostou de comer saladas.

Eu fui embora depois de algumas horas de conversa ante a sala apertada e a pensar: Minha mãe! Só você mesmo! Custava ter avisado que a casa tava cheia de gente? Se tivesse avisado não seria minha mãe.