quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

ICEBERG

Eu me peguei a pensar sobre a espera. Sim, o ato de esperar. Esse ato que nos impõe a vida em tantas ocasiões e aos quais insistimos em não nos acostumarmos a ele. Eu poderia afirmar ser o ato infame da espera o maior causador das gastrites, das úlceras estomacais e, pior, dos cânceres que matam algumas centenas de milhares de pessoas pelo mundo à fora...

 O desejo pela coisa ou pela presença de alguém que não chega na hora ou dia marcado é sentimento infame que parece iceberg estacionado no estômago.

Fiquei pensando que agora, depois que a idade me chega e junto com ela a maturidade, fica mais fácil o ato de esperar. A espera pode ser resignada e quase alheia à concretização do desejo que pode ser satisfeito ou não... A não satisfação implica maior desejo e, portanto, maior sofrimento.

O desejo é apego que gera a ânsia que causa a dor ante a insatisfação. Quem se desapega, conforme manda o princípio budista, sofre menos. 

O desejo seria o que chamarmos de "AMOR". Amor de mãe ou qualquer outro tipo. Amar é desejar estar. Amar é desejar ter. Nada além. Amar é sofrer. É melhor morrer de amor que não amar, entretanto.

Mas, alguns indivíduos, depois certa altura da vida, começam a entender que o tempo é senhor de tudo e que a luta contra ele é hercúlea e perdida. Lutar por amor é, quase e sempre, pura perda de tempo e energia. O ideal é que o amado, seja indivíduo ou objeto, esteja por querer estar com quem o ama. 

O Cosmos sempre conspirar a nosso favor mesmo quando o resultado da espera não nos é favorável e o amado não vem. Nesse caso, cabe a aceitação conformada de que o Universo assim o quis por ser a melhor saída. Se ele não veio foi porque não o quis. Melhor assim, senão, seria verdadeira prisão que levaria ambos à infelicidade certa.

Wanderley Lucena


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A canoa e o caju


A canoa de todo não era ruim. Tinha ela a simplicidade da tábuas devidamente ajuntadas por algum artesão local. Era pequena ante a quantidade de água a atravessar. Levava a mim e a mais três passageiros, fora o canoeiro que, de longe, me lembrou o gondoleiro de Veneza. O homem era franzino e fraco. Tinha mais de quarenta anos e pele morena, queimada pelo sol escaldante da região. 

O banco de areia branca, alva como açúcar refinado, esperava-nos logo a algumas remais adiante. Os poucos bares dispostos em frente à lagoa não passavam de quatro. Embora carentes de equipamentos, percebia-se o cuidado e o zelo de seus proprietários na apresentação. Mesas e cadeiras coloridas se destacavam na brancura da areia. Meninos moços pescavam o que nos seria servido em seguida. Algumas mulheres, com grandes bacias, em conversa animada, lavavam crustáceos que iriam para a panela a transformarem-se em deliciosas receitas locais. 

Quando a canoa encostou na areia, descemos todos e ficamos a explorar, visualmente, toda a extensão de 360º que nos oferecia a paisagem. A água da lagoa sofria a interferência da salinidade marítima. O mar estava logo depois do banco de areia, a apenas 100 metros as ondas quebravam em contraste com as águas calmas  da lagoa. Logo nos veio atender um rapaz simpático que nos preparou, por sugestão dele próprio, uma caipirosca de caju*, fruta típica do nordeste brasileiro e pela qual tenho verdadeiro fascínio. O caju se apresenta em diversas cores e tamanhos. Parece que quanto menor, melhor. As tonalidades vão desde um amarelo desbotado passando pelo alaranjado e chegando na pujança de um vermelho paixão. Come-se o caju de diversas maneiras. É fruto abençoado. Eu adoro comer cortado sobre o prato servido com qualquer tipo de comida durante o almoço. Mas, ele pode ser comido ou chupado. É fruta aquosa e de muita fibra. Trava na boca e faz as glândulas palatais incharem-se em degustação incrível. 

O pé de caju, a árvore, é belíssima e frondosa. A folha é grande, densa e brilhosa e, se esmagada entre os dedos, o cheiro é incomum e maravilhoso. Oferece sombra a quem queira. Mas, agora estava me sendo entregue em copo simples, um drinque que me abriu o desejo antes mesmo de experimentá-lo, Era bonito, sensual. Um das frutas fora cortada e esmagada e, depois, acrescentou-se a vodka, o gelo, e sei lá mais o quê. Saí da Prainha de Barra Nova em Alagoas, pedaço pobre brasileiro, ébrio, porém, com a certeza que voltaria ali muitas vezes, pois, além daquela paisagem incrível, ali havia, a caipirosca de caju que jamais experimentara, sequer ouvira falar. 

* O conto acima é uma ficção. A caipirosca citada tomei sim, porém, numa barraca chamada ALOHA, localizada na Praia do Francês, em Alagoas. A Prainha de Barra Nova existe e, salvo a veia poética deste que a descreve, em muito se parece verdadeiramente.

Wanderley Lucena