terça-feira, 6 de abril de 2021

Para trás, nem um passo


Ao passar as compras pela caixa do supermercado, aqui perto de casa, o  qual parece ter predileção por contratar brasileiros, perguntei à funcionária de  qual Estado brasileiro era ela oriunda. 

- De Minas Gerais, uai - Respondeu-me assim, enquanto se aproximava o  repositor, também brasileiro.

- Já eu sou do Rio, da cidade do Rio - Disse-me com certa ginga típica. 

- Que bom que é perceber esse Portugal cheio de nós, não é? Pena que  sejamos tão mal afamados. Aqui nós nos adequamos e não fazemos coisas  típicas do cotidiano brasileiro, como, por exemplo, beliscar as mercadorias nas  prateleiras. Considero tal atitude uma das mais difíceis de aqui se ver. - Acrescentei, enquanto esperava que me convencessem do meu eventual  engano, caso o fosse. 

- Aqui, quem tem essas atitudes são os portugueses mesmo. Vivo a repreendê-los, quando metem suas mãos no recipiente que armazena as azeitonas para a  venda à granel. – Apontou ele, então, para a prateleira onde se encontravam as  azeitonas submersas em calda. 

- Não acredito que metem a mão ali! Não pensam nos demais? 

- Pois é, meu amigo. Aqui quem age que nem os brasileiros no Brasil são os  portugueses. -Informou-me acerca de sua constatação. 

Há quem me acoime da "síndrome de vira-latas", aquela velha expressão  tão conhecida por nós brasileiros, que foi criada pelo dramaturgo e escritor  brasileiro, Nelson Rodrigues, que adjetivou a derrota da seleção brasileira de  futebol, quando, em 1950, foi derrotada na final da Copa do Mundo, pela seleção  uruguaia. A Seleção Brasileira de Futebol ficara com a autoestima tão rasa que  só a recuperou depois de conquistar sua primeira copa mundial, em 1958. 

O "vira-latismo" qualifica o indivíduo que se sente inferior ao resto do  mundo por causa da nacionalidade brasileira. Sem traumas nem falta de  autoestima, frise-se, entretanto, eu sou um "vira-latas" assumido. O meu "vira latismo", porém, não se estabelece sem uma sólida base de conhecimentos e reconhecimentos, diante das múltiplas realidades dos países - poucos países - os quais tive o prazer de conhecer. 

É claro que conclusões comparativas entre distintas realidades, diversos países, a partir de viagens turísticas, representam sempre um risco de  subjetividade extremada, ou quiçá, sejam equivocadas todas elas, conforme  variem as contingências ou circunstâncias envolvidas. Além das minhas viagens  turísticas pelo estrangeiro, vale registrar, também viajei um bocado pelo Brasil.  Ademais, agora, já lá se vão 4 anos que moro em Lisboa, capital portuguesa, e Portugal é dos países mais pobres da União Europeia, ressalte-se.


Quando cheguei a Brasília, nos idos anos 80, fui morar na casa de um tio  na periférica Guariroba, um bairro de Ceilândia, DF. O local era já bastante digno  e dispunha de todas as ruas asfaltadas, bom comércio local e servido de  transporte público. Eu, entretanto, mesmo que ainda muito jovem, sempre  pensava: daqui desta rua para o Plano Piloto - centro da capital - para trás, nem  uma única rua! 

Não sei se por força de vontade ou por pura sorte, algum tempo depois  estava em Taguatinga e depois fui para o Cruzeiro. Acusaram-me de ser "metido  a besta". A exemplificar pergunto: quem sairia do Plano Piloto para a digna  Águas Lindas, nos arredores do DF, feliz da vida e a cantar vitória? 

Hoje estou a viver em Lisboa e todos os dias vivo uma espécie de frenesi  de alegria que me faz duvidar se mereço tanto. Voltar a morar no Brasil é uma  possibilidade que existe, mas que não a desejo. Se, entretanto, me ocorrer de  voltar, não será por vontade própria, mas porque a vida tem as próprias regras  e pode ser que, eventualmente, nos obrigue a todos, algum dia, ao acaso, seguir  para rumos não planejados ou não desejados. 

"Vira-latismo", diriam alguns que talvez, ainda, não tenham posto os pés  por aqui e, portanto, nem podem medir a verdadeira diferença de realidades. Sei  que a dignidade também é moradora das comunidades carentes, porém, na  verdade, cada um tem suas preferências e há, sim, quem prefira viver numa 

digna favela pendurada num morro qualquer, a viver no Leblon, mas, nessa  questão de gostos, estou no grupo dos que, se fosse apenas por gostos e  preferências, viveria no Leblon. 


No Mercado aqui do bairro, que prefere contratar brasileiros, pergunto qual deles pretende voltar a viver no Brasil, e a unanimidade se impõe.  

- Todos amamos o Brasil e, não fosse a questão da violência, da pobreza, impostas pelos políticos profissionais e por salafrários que ocupam o poder,  voltar ao Brasil - sim, sempre que possível, porém só para matar a saudade, não para morar, mas... quem sabe um dia! Ou se a vida nos obrigar, dizemos todos  nós por aqui e, quem quiser discordar, sugiro vir passar uma temporada, mesmo  que pequena, por aqui. 

Wan Lucena

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