Ao passar as compras pela caixa do supermercado, aqui perto de casa, o qual parece ter predileção por contratar brasileiros, perguntei à funcionária de qual Estado brasileiro era ela oriunda.
- De Minas Gerais, uai - Respondeu-me assim, enquanto se aproximava o repositor, também brasileiro.
- Já eu sou do Rio, da cidade do Rio - Disse-me com certa ginga típica.
- Que bom que é perceber esse Portugal cheio de nós, não é? Pena que sejamos tão mal afamados. Aqui nós nos adequamos e não fazemos coisas típicas do cotidiano brasileiro, como, por exemplo, beliscar as mercadorias nas prateleiras. Considero tal atitude uma das mais difíceis de aqui se ver. - Acrescentei, enquanto esperava que me convencessem do meu eventual engano, caso o fosse.
- Aqui, quem tem essas atitudes são os portugueses mesmo. Vivo a repreendê-los, quando metem suas mãos no recipiente que armazena as azeitonas para a venda à granel. – Apontou ele, então, para a prateleira onde se encontravam as azeitonas submersas em calda.
- Não acredito que metem a mão ali! Não pensam nos demais?
- Pois é, meu amigo. Aqui quem age que nem os brasileiros no Brasil são os portugueses. -Informou-me acerca de sua constatação.
Há quem me acoime da "síndrome de vira-latas", aquela velha expressão tão conhecida por nós brasileiros, que foi criada pelo dramaturgo e escritor brasileiro, Nelson Rodrigues, que adjetivou a derrota da seleção brasileira de futebol, quando, em 1950, foi derrotada na final da Copa do Mundo, pela seleção uruguaia. A Seleção Brasileira de Futebol ficara com a autoestima tão rasa que só a recuperou depois de conquistar sua primeira copa mundial, em 1958.
O "vira-latismo" qualifica o indivíduo que se sente inferior ao resto do mundo por causa da nacionalidade brasileira. Sem traumas nem falta de autoestima, frise-se, entretanto, eu sou um "vira-latas" assumido. O meu "vira latismo", porém, não se estabelece sem uma sólida base de conhecimentos e reconhecimentos, diante das múltiplas realidades dos países - poucos países - os quais tive o prazer de conhecer.
É claro que conclusões comparativas entre distintas realidades, diversos países, a partir de viagens turísticas, representam sempre um risco de subjetividade extremada, ou quiçá, sejam equivocadas todas elas, conforme variem as contingências ou circunstâncias envolvidas. Além das minhas viagens turísticas pelo estrangeiro, vale registrar, também viajei um bocado pelo Brasil. Ademais, agora, já lá se vão 4 anos que moro em Lisboa, capital portuguesa, e Portugal é dos países mais pobres da União Europeia, ressalte-se.
Quando cheguei a Brasília, nos idos anos 80, fui morar na casa de um tio na periférica Guariroba, um bairro de Ceilândia, DF. O local era já bastante digno e dispunha de todas as ruas asfaltadas, bom comércio local e servido de transporte público. Eu, entretanto, mesmo que ainda muito jovem, sempre pensava: daqui desta rua para o Plano Piloto - centro da capital - para trás, nem uma única rua!
Não sei se por força de vontade ou por pura sorte, algum tempo depois estava em Taguatinga e depois fui para o Cruzeiro. Acusaram-me de ser "metido a besta". A exemplificar pergunto: quem sairia do Plano Piloto para a digna Águas Lindas, nos arredores do DF, feliz da vida e a cantar vitória?
Hoje estou a viver em Lisboa e todos os dias vivo uma espécie de frenesi de alegria que me faz duvidar se mereço tanto. Voltar a morar no Brasil é uma possibilidade que existe, mas que não a desejo. Se, entretanto, me ocorrer de voltar, não será por vontade própria, mas porque a vida tem as próprias regras e pode ser que, eventualmente, nos obrigue a todos, algum dia, ao acaso, seguir para rumos não planejados ou não desejados.
"Vira-latismo", diriam alguns que talvez, ainda, não tenham posto os pés por aqui e, portanto, nem podem medir a verdadeira diferença de realidades. Sei que a dignidade também é moradora das comunidades carentes, porém, na verdade, cada um tem suas preferências e há, sim, quem prefira viver numa
digna favela pendurada num morro qualquer, a viver no Leblon, mas, nessa questão de gostos, estou no grupo dos que, se fosse apenas por gostos e preferências, viveria no Leblon.
No Mercado aqui do bairro, que prefere contratar brasileiros, pergunto qual deles pretende voltar a viver no Brasil, e a unanimidade se impõe.
- Todos amamos o Brasil e, não fosse a questão da violência, da pobreza, impostas pelos políticos profissionais e por salafrários que ocupam o poder, voltar ao Brasil - sim, sempre que possível, porém só para matar a saudade, não para morar, mas... quem sabe um dia! Ou se a vida nos obrigar, dizemos todos nós por aqui e, quem quiser discordar, sugiro vir passar uma temporada, mesmo que pequena, por aqui.
Wan Lucena
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