O apartamento para o qual me mudei recentemente, apesar de ser térreo, tem um balcão-varanda um tanto quanto pitoresco, que fica para dentro do quintal de um vizinho.
- ¡Hola! ¿Qué tal?
Cumprimentou-me a vizinha, uma venezuelana a fumar um cigarro atrás do outro.
- Lindo, o seu Buda!
Falei à venezuelana, enquanto lhe apontava o velho e desgastado Buda sobre uma mureta. Aproveitei para mostrar-lhe os três budas que enfeitam a minha sala.
Eu olhava o Buda dela a levar sol e chuva, já descascado pela ação do tempo e pensava: eu te resgatarei!
Pouco tempo depois, ela veio me dizer que estava a se mudar para a Inglaterra e que o velho Buda, caso eu o quisesse, seria meu.
- ¡Un regalo para ti!
O Buda veio até mim dessa maneira. Eu já tinha traçado em minha mente que o pintaria de azul. Azul da cor do mar. Azul da cor do céu. Azul da cor dos teus olhos. Da cor da minha espiritualidade.
Agora o Buda está sobre um aparador e em local que parece que fora projetado para recebê-lo.
Eu, que já fui evangélico por 27 anos, ainda ontem, entrei numa dessas igrejas católicas que aqui há às centenas, cada uma mais linda que a outra. Dobrei os meus joelhos, fiz o sinal da cruz três vezes, rezei três padre-nossos e três ave-marias. Pedi por você, pedi por mim, pedi por Barra do Corda. Pedi pelos famintos do meu Brasil e pela justiça, espada natural e cósmica, àqueles que enfiaram as nossas cabeças nessa sarjeta. Rezei pelas mulheres ensanguentadas, a colocar miolos de pão em suas vaginas por não terem acesso a um absorvente íntimo.
Eu não sou ateu. Eu sou o que você quiser. Eu sou amor. Eu sou espada. Eu sou ambiguidade. Eu sou quem sou. Tudo depende da hora e da maneira como o encontro acontece
Eu não sou budista. Eu não sou cristão. Eu sou gente e porto a minha espiritualidade que independe de religião.
Eu não resgatei o Buda. Ele veio até mim.
Wan Lucena