sexta-feira, 30 de abril de 2021

Uma Crónica de Morte

Considero que não poder ter ciência ou sequer a noção, mesmo que superficial, de como se vai fazer a tal passagem ou quando se dará o último suspiro; fechar os olhos para sempre; implica existir qualquer coisa injusta por parte da natureza ou, segundo os crentes, do próprio deus.


A gente consegue projetar o futuro e, mesmo com todas as agruras, quase sempre, atingimos alguns objetivos. Eu, quando ainda adolescente e sem quase nada na cabeça, tinha uma ideia fixa: livrar-me da pobreza e ter uma velhice digna, com o conforto mínimo para uma boa morte.


Sorte têm os que morrem enquanto dormem, penso eu. Aí me lembro a Tetê, uma amiga de Brasília, com quem, certa feita, curti o carnaval de Olinda, em Pernambuco, faz mais de 10 anos. Subimos e descemos ladeiras a dançar feito loucos, a rirmos e a nos abraçar enquanto tomávamos todas as canas. Quanta energia tinha e que pessoa de astral maravilhoso era ela.


Encontrei-a pela última vez no aeroporto de Recife, prestes a embarcar para
Brasília e ali nos despedimos já que ela embarcaria por outra empresa
aérea.
Já em Brasília, no dia posterior, lá pelo meio da tarde, recebera a
ligação de uma amiga em comum que me informou:
__ Lucena, a Tetê morreu!
__ Tetê? Que Tetê? Não conheço Tetê nenhuma, exceto a nossa amiga, da
qual me despedi ontem em Recife, depois de curtirmos muito loucamente o
carnaval de Olinda. - Respondi-lhe, enquanto o desespero da perda e uma
certa dor invadiam-me o ser.
__ Sim, ela mesma. - Respondeu-me a amiga em comum.
__ Ai, que dor! Como assim? – Perguntei-lhe.
__ Ela chegou de viagem completamente saudável e foi dormir depois de
jantar com o filho com quem morava. No dia seguinte, ele foi para a escola
sem tê-la visto pela casa. Voltou, então já eram 14h, e percebeu que o
almoço não estava pronto. Passou a chamá-la sem que ela lhe respondesse.
Abriu a porta do quarto e percebeu que ela estava deitada,
confortavelmente sob as cobertas; aí a chamou novamente sem obter
qualquer resposta. Ao puxar-lhe pelo pé, percebeu-a fria e dura. Estava
morta a nossa amiga, meu querido.

Ante o funesto relato, senti toda a dor humana de quem perde um
amigo, mas, de imediato, pensei:

- Que morte abençoada! Eu desejo morrer assim, dormindo. Sem dor, sem sofrimento, sem incomodar ninguém. Feliz de quem morre dormindo.


Então o caro leitor, em seu desconforto, pode indagar:

- Mas... por quê? Ou para quê? Poxa, uma crónica que só fala de morte?
 

E eu lhes respondo:

- A morte é só mais um momento da vida; o último átimo dessa nossa jornada, tão insegura e singela, que é a existência. A morte é tão natural quanto o nascimento. Ademais, para morrer basta estar vivo, já nos ensinavam os nossos avós. Mais ainda, a morte é a única certeza desta vida!


Não nos é possível prever como vamos morrer, porém a morte é tão certa quanto a popular expressão matemática: 2 + 2 é igual a 4. Aliás, não fosse a morte, a vida seria um inferno completo. Afirmo, pois, que a morte é uma bênção e que sem ela a vida não teria o valor imensurável que lhe damos.


Diante do exposto, no meu funeral... do meu funeral, contar-lhes-ei numa outra crônica.


Boa morte a todos!


sexta-feira, 23 de abril de 2021

Contato Imediato de Terceiro Grau

 
E se, numa noite escura e silenciosa, na tranquilidade das cobertas, quase a dormir, o amigo leitor abrisse os olhos devagar e percebesse que ali, ao lado da cama, uma figura jamais vista, com cara e corpo humanoides, porém com aspecto de um extraterrestre, estivesse a observá-lo?
 
Não, eu nunca vivi uma experiência dessas. Ocorre que, por vezes, assim como todo leitor dado a fantasiar, fico a imaginar que em qualquer noite dessas daremos de cara com esses seres, dos quais recusamos acreditar na existência. 
 
Eu, precavido que sou, imagino que um contacto imediato do terceiro grau seja amigável e me apresto para não demonstrar surpresa, ou medo. Talvez eu me levante e até chame o ET* para a cozinha, prepare-lhe um café enquanto algumas perguntas eu lhe faça. 
 
Sempre considerei que nesse universo infinito, com bilhões de galáxias e de estrelas, seria mesmo muita presunção humana achar que somente aqui, neste planeta azul e lindo - Terra, poderia existir o sopro da vida. Em vida humana noutros planetas, com indivíduos iguaizinhos aos nossos daqui, não creio, mas, em vida diferente, e talvez inteligente, por que não? 
 
Ainda esta semana vi uma matéria sobre “OVNIs”**, em que o Pentágono, órgão máximo das Forças Armadas norte-americanas, por meio do seu porta-voz, informara serem autênticas algumas imagens, fotos e vídeos incríveis, vazados de suas investigações. Divulgadas pelo cineasta Jeremy Corbell, as imagens que foram capturadas por um “Destróier”*** da Marinha Americana mostram objetos voadores não identificados, com formas piramidais, os quais voavam muito perto da frota americana.
 
Existe uma determinada tribo que acredita que num belo dia, de surpresa, os céus se abrirão e todo o olho verá um homem Rei com uma coroa na cabeça e um exército alado a lhe fazer escolta; o qual levará daqui, por arrebatamento, desse planeta lindo, um "cadinho" de gente, para um paraíso de paz e de riquezas, enquanto todo o “resto” da população mundial arderá em chamas. 
 
Eu, com minha imaginação fértil, penso, cá com meus botões, que... bem... o tal evento até poderia vir a acontecer, mas não da forma “Disneylândica” que prevê o livro sagrado da tal tribo. Imaginemos, todavia, que num momento crucial - mais à frente - quando o planeta estivesse prestes a ser implodido, provavelmente por nossas armas atômicas - ou algo que o valha -, vindas de uma galáxia longínqua, naves espaciais alienígenas sobrevoariam o planeta Terra a recolher alguns escolhidos. 
 
Agora, imaginem se o critério de escolha, desses entes escolhidos, humanos superiores ou privilegiados, não for exatamente o religioso, tampouco coincidir com a religião da tribo, que aceitara e professava aquele ou aqueloutro “salvador”. Apenas pense nesta hipótese, que, para mim, é tão improvável quanto a descrita naquele mesmo livro. 
 
Certo é que, se, numa noite dessas, eu arregalar os olhos e avistar à minha frente um ET, perguntar-lhe-ei se a visita é amigável - dizem os “entendidos” que a probabilidade de contato amigável é quase nula - e se, caso a benevolente civilidade se confirmasse, talvez, em seguida, eu prestasse espontânea atenção nas instruções para a viagem: 
 
- A nossa nave está logo aqui acima e você não precisa nem fazer as malas, nem de documentos. Seremos teletransportados para a nave que nos levará para outro planeta a anos-luz daqui. Esta primeira viagem cósmica levará apenas alguns minutos. Naquele outro planeta, todos os demais escolhidos se encontrarão e farão uma transfusão coletiva, na qual todo o seu sangue terrestre será trocado por outro, que lhe imprimirá um novo DNA. Este processo lhes trará essência e consciência novas. Toda a natureza negativa, que em vocês habita, será neutralizada. Depois desse processo, todos embarcarão rumo ao destino final, muitos anos-luz à frente. Neste outro estágio, de perfeita harmonia e equilíbrio, os entes do seu universo serão todos eternos e estarão em completa comunhão com o macrocosmo superior.
 
Eu aceitaria tudo com tranquilidade. Antes da partida, entretanto, tal qual a esposa de Ló, perguntaria ao ET: 
 
- Posso, ao menos, tomar um último cafezinho, nesta subexistência carnal e humana?
Então, quando desse por mim, já estaria eu na “enfermaria”, com um tubo de líquido fosforescente a me entrar pelas veias. 
 
Wan Lucena

terça-feira, 13 de abril de 2021

Mil Faces

 

Eu admiro quem é apenas "um", 24 horas por dia, 365 dias por ano, a vida toda. Admiro quem pensa ser possível conseguir tal façanha. Eu confesso nem acreditar que de fato exista um único ser humano capaz de tal proeza. Seria o mesmo que afirmar jamais ter mentido na vida, nem que fosse por uma única vez. Eu não quero, entretanto, fazer aqui alguma apologia à falsidade, de maneira nenhuma. Aliás, tenho aversão aos falsos. 

Quero afirmar, contudo, que aquele que somos na intimidade, na solidão entre quatro paredes, e de porta trancada, nunca é o mesmo que se apresenta para almoçar à mesa com a família ou aquele que vai ao mercadinho comprar um maço de coentros a mando da esposa que precisa terminar o almoço. 

Aquele pastor evangélico que prega a moral e os bons costumes não é o mesmo que se aproveita de determinadas situações para fazer justamente o contrário de tudo aquilo que costuma pregar, quando vai, de férias, para algum cafundó paradisíaco, onde ninguém o conheça. Tal e qual o padre que reza a missa investido de todas as paramentas ungidas de santidade, mas que eu, se pai o fosse, nunca permitiria a meu filho tornar-se seu "coroinha"; ainda que, sabemos nós, para todas as regras existem exceções.

Já o sábio Salomão, todavia, do alto de sua riqueza e vaidade, segundo a bíblia, já dizia: “olhei o mundo e tudo o que vi foi vaidade”. 

É nesta fogueira das vaidades, cotidianamente, que cada um põe a sua máscara e fantasia e sai pelas ruas a tentar convencer, ao máximo, que é mesmo aquilo que se apresenta.

 Eu me assumo, como em meus muitos papéis, e o faço por educação ou por obrigação mesmo. Por vezes, fica difícil manter a máscara e não dizer o que eu realmente gostaria, pois isto ou aquilo talvez choque a plateia pudica. Este é um dos momentos mais periclitantes da minha cena. O autocontrole é essencial a quem deseje que o reboco grosso da máscara, na cara, não se derreta. 

Daí, então, lembro-me de Fernando Pessoa, com seus muitos heterônimos, nos quais assumia personalidades tão distintas, sem que o identificassem e, por meio dos quais, dizia o que jamais diria em seu próprio nome. 

 Lembro também o caso daquele, ou daquela, no interior do Goiás, não sei ao certo, mas saiu em tudo que foi jornal, que fora casado por mais 40 anos com uma senhora, cujos filhos ajudara a criar e que, além de bom pai, também tinha sido um bom marido e, surpreendentemente, apenas depois de morto é que foram descobrir que era “ele” do sexo feminino. 

Vestir-se de pessoa educada e não fazer, à frente dos demais, aquilo que fazemos desleixadamente na nossa intimidade pode ser sinônimo de muito boa educação ou, simplesmente, de falsidade. Só depende da situação e do indivíduo. 

A autenticidade pode ficar em segundo plano, desde que a sociedade e sua cena sejam preservadas. Quem pouco se disfarça legitima-se por ser autêntico e isto incomoda muita gente. Quando a autenticidade, entretanto, for demasiada, aí vai ser considerado apenas um louco. Cite-se, por oportuno, se não me engano, o Erasmo de Roterdã, cerca de 500 anos atrás, em seu livro, O Elogio da Loucura, já satirizava que a loucura podia ser uma benção e nela se podia viver a verdadeira liberdade. Quem sou eu para discordar? 

Nesta mesma linha de raciocínio, lembro a Balada do Louco, tão bem interpretada por Ney Matogrosso, o mestre dos mil disfarces, o nosso camaleão tupiniquim, talvez o mais autêntico dos brasileiros: 

 Dizem que sou louco por pensar assim 

Se eu sou muito louco por eu ser feliz 

Mas louco é quem me diz 

E não é feliz, não é feliz 

Se eles são bonitos, sou Alain Delon 

Se eles são famosos, sou Napoleão 

Mas louco é quem me diz 

E não é feliz, não é feliz 

Eu juro que é melhor 

Não ser o normal 

Se eu posso pensar que Deus sou eu 

Existem os que muito bem se disfarçam, à luz da filosofia ou sob a sombra da hipocrisia, e assim se aproximam ou se afastam da sua essência. Permitam-me lhes afiançar que não importam a estratégia nem o disfarce utilizados, se educado ou apenas louco; o fato é que – ninguém - nunca conseguirá agradar a todo mundo. Repito, enfim, o que Sartre declarou: “o inferno são os outros”; e como se diz no marketing midiático: “falem mal, mas falem de mim”. 

No dia em que os outros nos esquecerem e de nós nada falarem é porque já teremos morrido; e se morre muitas vezes sem que, no entanto, se esteja sepultado. É a morte em vida! Esta é sempre a pior das opções, ao menos para mim. 

Busquemos o equilíbrio. Aristóteles já ensinava que "o equilíbrio está no meio". Veja-se a balança de pratos. Quem não usa as suas máscaras suicida-se, igualmente a quem – sempre - as use. 

Quem sou verdadeiramente? Talvez este “eu” que se assume ser vários! 

Wan Lucena

terça-feira, 6 de abril de 2021

Para trás, nem um passo


Ao passar as compras pela caixa do supermercado, aqui perto de casa, o  qual parece ter predileção por contratar brasileiros, perguntei à funcionária de  qual Estado brasileiro era ela oriunda. 

- De Minas Gerais, uai - Respondeu-me assim, enquanto se aproximava o  repositor, também brasileiro.

- Já eu sou do Rio, da cidade do Rio - Disse-me com certa ginga típica. 

- Que bom que é perceber esse Portugal cheio de nós, não é? Pena que  sejamos tão mal afamados. Aqui nós nos adequamos e não fazemos coisas  típicas do cotidiano brasileiro, como, por exemplo, beliscar as mercadorias nas  prateleiras. Considero tal atitude uma das mais difíceis de aqui se ver. - Acrescentei, enquanto esperava que me convencessem do meu eventual  engano, caso o fosse. 

- Aqui, quem tem essas atitudes são os portugueses mesmo. Vivo a repreendê-los, quando metem suas mãos no recipiente que armazena as azeitonas para a  venda à granel. – Apontou ele, então, para a prateleira onde se encontravam as  azeitonas submersas em calda. 

- Não acredito que metem a mão ali! Não pensam nos demais? 

- Pois é, meu amigo. Aqui quem age que nem os brasileiros no Brasil são os  portugueses. -Informou-me acerca de sua constatação. 

Há quem me acoime da "síndrome de vira-latas", aquela velha expressão  tão conhecida por nós brasileiros, que foi criada pelo dramaturgo e escritor  brasileiro, Nelson Rodrigues, que adjetivou a derrota da seleção brasileira de  futebol, quando, em 1950, foi derrotada na final da Copa do Mundo, pela seleção  uruguaia. A Seleção Brasileira de Futebol ficara com a autoestima tão rasa que  só a recuperou depois de conquistar sua primeira copa mundial, em 1958. 

O "vira-latismo" qualifica o indivíduo que se sente inferior ao resto do  mundo por causa da nacionalidade brasileira. Sem traumas nem falta de  autoestima, frise-se, entretanto, eu sou um "vira-latas" assumido. O meu "vira latismo", porém, não se estabelece sem uma sólida base de conhecimentos e reconhecimentos, diante das múltiplas realidades dos países - poucos países - os quais tive o prazer de conhecer. 

É claro que conclusões comparativas entre distintas realidades, diversos países, a partir de viagens turísticas, representam sempre um risco de  subjetividade extremada, ou quiçá, sejam equivocadas todas elas, conforme  variem as contingências ou circunstâncias envolvidas. Além das minhas viagens  turísticas pelo estrangeiro, vale registrar, também viajei um bocado pelo Brasil.  Ademais, agora, já lá se vão 4 anos que moro em Lisboa, capital portuguesa, e Portugal é dos países mais pobres da União Europeia, ressalte-se.


Quando cheguei a Brasília, nos idos anos 80, fui morar na casa de um tio  na periférica Guariroba, um bairro de Ceilândia, DF. O local era já bastante digno  e dispunha de todas as ruas asfaltadas, bom comércio local e servido de  transporte público. Eu, entretanto, mesmo que ainda muito jovem, sempre  pensava: daqui desta rua para o Plano Piloto - centro da capital - para trás, nem  uma única rua! 

Não sei se por força de vontade ou por pura sorte, algum tempo depois  estava em Taguatinga e depois fui para o Cruzeiro. Acusaram-me de ser "metido  a besta". A exemplificar pergunto: quem sairia do Plano Piloto para a digna  Águas Lindas, nos arredores do DF, feliz da vida e a cantar vitória? 

Hoje estou a viver em Lisboa e todos os dias vivo uma espécie de frenesi  de alegria que me faz duvidar se mereço tanto. Voltar a morar no Brasil é uma  possibilidade que existe, mas que não a desejo. Se, entretanto, me ocorrer de  voltar, não será por vontade própria, mas porque a vida tem as próprias regras  e pode ser que, eventualmente, nos obrigue a todos, algum dia, ao acaso, seguir  para rumos não planejados ou não desejados. 

"Vira-latismo", diriam alguns que talvez, ainda, não tenham posto os pés  por aqui e, portanto, nem podem medir a verdadeira diferença de realidades. Sei  que a dignidade também é moradora das comunidades carentes, porém, na  verdade, cada um tem suas preferências e há, sim, quem prefira viver numa 

digna favela pendurada num morro qualquer, a viver no Leblon, mas, nessa  questão de gostos, estou no grupo dos que, se fosse apenas por gostos e  preferências, viveria no Leblon. 


No Mercado aqui do bairro, que prefere contratar brasileiros, pergunto qual deles pretende voltar a viver no Brasil, e a unanimidade se impõe.  

- Todos amamos o Brasil e, não fosse a questão da violência, da pobreza, impostas pelos políticos profissionais e por salafrários que ocupam o poder,  voltar ao Brasil - sim, sempre que possível, porém só para matar a saudade, não para morar, mas... quem sabe um dia! Ou se a vida nos obrigar, dizemos todos  nós por aqui e, quem quiser discordar, sugiro vir passar uma temporada, mesmo  que pequena, por aqui. 

Wan Lucena