quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

NÃO VALE QUANTO PESA

Dinheiro é papel 
O prazer da compra é efêmero. 
O peso das tranqueiras se acumula na mala que insistimos em carregar com dificuldade e apego. 
Não perdeste teu dinheiro. Ele não foi jogado fora. 
Adquiriste o conhecimento - e esse não te pesará durante a tua viagem,
pelo contrário, quanto mais conhecimento, mais leve será a jornada.
E ainda ficaram todas as lembranças e as experiências trocadas com os outros seres.
O prazer da troca é superior ao da compra.
E há troca... mesmo quando do ato da compra.
Só precisamos está atentos e mantermos atitude positiva sempre.
Bom humor pode ser apenas uma questão de escolha.
Se a compra é mesmo mera satisfação ao ego
É preciosa a interação 
O lucro é a emoção.

Wanderley Lucena

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A ESTÓRIA DE UM MILAGRE


A estória que passo a contar-vos aconteceu comigo mesmo, há muitos anos, quando eu tinha apenas 19 anos. Alguns não acreditarão  que ela foi verídica e outros podem dizer que trata-se de mero acaso. Só contarei os fatos que me aconteceram e nada além disso. 

Eu estava morando no quartel, de "laranjeira". O termo era usado ao recruta que precisava de alojamento. Alguns por não terem família na cidade, outros por não terem condições de locomoção até seu lar. No meu caso era uma mistura das duas coisas. Eu tinha parentes que me deram hospedagem quando cheguei do nordeste "com uma mão na frente e outra atrás". Mas, tão logo passei no concurso da Polícia Militar do DF e me apresentei no quartel para o recrutamento, me inscrevi para ser um  ""laranjeira".

A vida era muito difícil. Os tempos eram outros. O recruta ganhava uma "merreca", metade de um salário mínimo à época. Eu ganhava a tal "merreca" e tirava a metade dela para mandar para meus familiares que passavam "maus pedaços" no Maranhão". A pequena quantia que me sobrava eu comprava de gêneros de primeiríssima necessidade: creme dental, sabonete, papel higiênico, biscoitos de água e sal, suco granulado, etc... 

Num determinado mês não pude comprar os tais gêneros. É que eu tive de pagar uma dívida e mandei o resto para os meus familiares. Estava consciente que deveria economizar ao máximo o que me restava dos gêneros. Mas, mesmo com toda a economia, na metade do mês, acabou-se o estoque. Nada me restava. Fiquei na penúria total. 

Olhei para o interior do pequeno armário de campana e percebi que me faltava o sabonete, o papel higiênico, tudo enfim... Fechei os olhos e passei, em silêncio, a fazer uma oração. Eu era rapaz novo, quase impúbere, mas muito dedicado á leitura das escrituras ditas sagradas. Crente de igreja evangélica, diga-se, tradicional. Acreditava em tudo o que me foi ensinado e nunca duvidei poder do Todo Poderoso, embora, até aquele momento, jamais tivesse percebido qualquer milagre em minha vida.

Orei e pedi a Deus que operasse um milagre. Declarei em meu coração que, se ocorresse o milagre, jamais duvidaria da existência D'ele e que tal milagre me seria sinal de vitória ante as adversidades que me  viriam até que trouxesse toda a minha família para Brasília. Embora não estivessem a passar fome, meus familiares vivam verdadeira penúria. A casa era humilde e, sequer, tinha vaso sanitário e minha mãe comprava "fiado", o pacote de café, do mais barato, na vendinha da rua.

Mas, enquanto fazia a minha oração silenciosa, percebi uma atmosfera vibrante que me envolvia e fez tremer. Ouvi voz intuitiva dentro da minha cabeça e que me dizia: "Eu vou realizar um milagre". Não titubeei e, mentalmente, declarei que faria tudo o que Ele me mandasse. Ouvi as instruções que me recomendavam: "Não duvide em momento algum", "vá ao mercado e leve papel e caneta".

Foi o que fiz em seguida. Sai do quartel debaixo do sol de agosto quando, na capital federal, vivemos o ápice da seca. Eu suava, embora, sentisse sensação inversa. Era um frio que me fazia tremer. Nada falei a ninguém, em momento algum. Foi assim, "possuído", que entrei no mercado. Ouvi a "voz" que me recomendava anotar os preços de tudo o que eu necessitava. Anotei tudo e somei. Cinquenta cruzeiros. A quantia da soma era exata assim mesmo. Cinquenta cruzeiros: a moeda à época.

- E agora? Que faço? Ponho tudo no carrinho do mercado e me dirijo ao caixa? - Perguntei eu no meu íntimo e esperando que a resposta fosse positiva.

- Você foi sorteado numa promoção "X" - Imaginei que seria o que gerente iria dizer no exato momento do pagamento.

- Coitado! Deixe que eu pago - Talvez seria o que diria algum estranho, logo atrás de mim, na fila, esperando sua vez de ser atendido no caixa e ao perceber que eu estava sem dinheiro.

- Nada disso! Não coloque nada no carrinho! Volte para o quartel! - Em tom imperativo foram as ordens que recebi no meu íntimo. Surpreso, me lembrei: "Não duvide!" foi a instrução recebida ainda no quartel. E foi o que fiz: rumei para o quartel sentido a mesma sensação de frio debaixo do sol escaldante.

- Se ocorre como você imaginou, bastam dois anos para que você se convença que tudo foi mero acaso. O que você quer é milagre, é prova, portanto, é milagre que você terá. Até que você chegue no quartel, você estará com seu milagre - foi o que ouvi no meu íntimo.

- Agora... ao invés de você  ir para o alojamento, passando pelo campo de futebol... vá pelo caminho entre os eucaliptos - foi a ordem dada e imediatamente obedecida.

- Você verá um pequeno pé de eucalipto dentre os demais. Lá debaixo você encontrará uma nota de Cinquenta Cruzeiros - foi o que ouvi.

De longe, há cerca de cem metros, vi o pequeno pé de eucalipto.

- É aquele! - Pensei eu ao escolher um pequeno pé de eucalipto dentre os muitos outros.

Fui me aproximando e já bem mais perto, vi a nota de dinheiro que balançava com o vento, debaixo do pequeno pé de eucalipto, presa não sei como. Eu a peguei numa emoção que não consigo descrever. Agradeci enormemente a Deus e com o coração explodindo me fui para o alojamento na certeza de que existe uma força que não sei descrevê-la nem explicá-la, mas, que muitos a denominam "Deus". 

Toda a minha família se encontra na capital federal. Todos estudaram e estão com seus empregos e suas casas que dispõem de toda a tecnologia moderna das casas de classe "c" ou "b". Meus pais moram em casa que jamais sonharam e podem ter sua velhice digna com direito a plano de saúde e qualidade de vida.

É isso! Milagres acontecem! Eu posso afirmar isso! Não sei se o milagre acontece por fé de quem crer, se por decisão e escolha do "Ser supremo"... Mas, há algo inexplicável. Se está dentro de cada ser e cabe a este ser fazê-lo mover-se a seu favor; se está no cosmos e de lá move os elementos a favor do ser... não o sei. Mas, fui agraciado com este milagre e com vários outros. Não posso negá-los. Não posso negar: existe algo inexplicável.

Não posso negar que já não sou mais o jovem quase impúbere que viveu o milagre que acabei de relatar; não posso negar que mudei e que minha crença mudou; não posso negar que prefiro a razão à fé; não posso negar que "a fé move montanhas", todavia. Não posso negar que "Ele" de alguma forma, de forma milagrosa se manifestou e se manifesta. 

Que Ele seja sempre misericordioso para com todos nós! Que continue a ter compaixão deste que, apesar de crescido, continua crente n'Ele. Não sei o que me reserva o amanhã, mas, das poucas certezas que tenho: não posso negá-Lo.

Wanderley Lucena

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O IMPACTO DO VAZIO


Passando os dedos nos títulos da minha estante
Buscava algo para entreter-me
Vi o livro que me presenteaste há tanto tempo
Folheei-o na busca de uma dedicatória
De um recado escondido
Algo que precisasse ser decifrado
Páginas dobradas marcavam o livro
"Cabe pois no vagão
toda a nossa viagem"
Do Carlos Drumond
Não sei se tu querias que eu lesse
Nem se tu que marcaras em páginas dobradas
Algum enigma a ser decifrado.
E apesar do tempo
Não consigo esquecer tudo.
Se pudesse voltar
Nada nos teria acontecido.
Mal não me fizeste
Mas não consigo querer perdoar-te
Por não me quereres
Se te perdoo, perco-te
Quero continuar magoado
Assim permaneces e, quiçá, eu permaneça.
Todavia, já não mais te quero
Queda-te afogado nas águas turvas do ressentimento
Na minha humanidade latente
No coração ferido
Na dor da lembrança eterna de quem não quis esquecer-te.
Todavia, não te dignaste
Nada havia que não as poesias do Drumond
Eu as trocaria todas por uma linha escrita por teu punho
Numa dedicatória calorosa
Que nem precisava ser de amor.
Preferiste o impacto do vazio
Da indiferença
Do quase desprezo
O "nada" de quem quer ser esquecido
De quem não quer causar dor
Que não quis deixar marcas
Deixaste  vazia a página branca
O papel, por si só,  merecia a tua dedicatória
Só pra não ficar vazio.
O trem segue levando os vagões
O meu não seguirá vazio
Vai comigo o Drumond.

Wanderley Lucena

sábado, 14 de janeiro de 2012

APENAS PALAVRAS


Palavras são palavras. Podem até ser verdadeiras, mas, são só palavras. Verdade falada que pode servir apenas na hora em que é dita. E como faz bem ouvir verdades descompromissadas sussurradas ao ouvido. Não levo muito a sério o que me dizem. Contudo, levo mais a sério a ações dos indivíduos. É que as palavras se perdem ao vento tão logo são ditas. E é verdade que as ações refletem o interior, o caráter, a consideração ao objeto ou para com o próximo.

É o seguinte: se me disseres que me amas eu acreditarei que me falas verdadeiramente, porém, estarei certo de que trata-se de verdade efêmera motivada pelas emoções do momento, de pele, de tesão. Tuas palavras podem ser apenas bajulação.

Entretanto, se protegeres com veemência dos comentários maldosos que te chegarem; se me acudires no momento da dor; se de teus olhos caírem lágrimas quando choro; se me preparares o café da manhã e me levares à cama; se me ofereceres a mão; se comigo dividires alegrias, dores e dissabores e etc.. e tal. Se não te tornares servil. Se não considerares que isto te sejas pesado e que o fazes com prazer e nunca irás cobrar-me por tua atitudes para comigo... acreditarei que me amas verdadeiramente.

São tantas condicionantes que implicam a atitude que as águas turvas da dissimulação não serão capazes de esconder a verdade. E se me disseres: "eu te amo" ou "eu te odeio", não te levarei a sério de qualquer forma. Mas, se tuas palavras são doces, mas se o teu sorriso é o do escárnio e a tua postura a do desdém... o desprezo do "dá de costas" e retirar-se. A verdade não se encontra nas tuas doces palavras mas no teu ato reprovável.

E saibas que, mesmo que me ames, és livre para te ires mim. Porque, como bem sabes, o amor não aprisiona.

Eu te amo!

Wanderley Lucena

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ACASO DIVINO

Realidade... real... será? 
Providência divina... providência... será? 
Não sei. 
A realidade não é palpável e a providência pode ser simplesmente um acaso. 
Mas sabe... vale a pena sempre. 
É com a alma cheia, explodindo de amor, que poderemos gritar: valeu muito a pena! 
Sempre valerá! 
Que Deus - ou o acaso - nos seja generoso
E, nos abençoe a todos com uma realidade branda, 
suave como o vento que nos acaricia a pele num dia de verão.

Wanderley Lucena

domingo, 8 de janeiro de 2012

O COMPLEMENTO ESSENCIAL

Eu, porém, vos digo: a expectativa é o que nos move rumo ao sucesso, ao amor e - porque não? - à derrota. Tudo depende da programação íntima de cada indivíduo. É lei: "seremos tudo aquilo que quisermos firmemente".

Criar expectativas em relação ao outro é normal. Daí a achar que ele nos trará felicidade para o resto da vida; que nunca nos decepcionará; que será nosso amor eterno... é pensar por demais infantil. Ocorre que o outro é complemento essencial. Não precisamos de possuir o outro para que possamos ser felizes. O outro nunca, nem de longe, deveria ser a razão de viver de quem quer que seja. Eu me recuso a ser a razão de viver de quem quer que seja. 

O foco da expectativa tem de ser você mesmo... e não confunda isso com egoismo. Egoísmo é concentrar no outro a sua expectativa e querer que ele corresponda a tudo o que você espera dele. Eu valorizo quem me valoriza. O foco deve ser você mesmo e seu poder de persuasão, de conquista, de tesão etc... No fim, "tudo valerá a pena de a alma não foi pequena".

E nem tudo depende do ponto de vista particular de quem olha. É que existem verdades que são universais e valem tanto aqui como na China. O outro é essencial em qualquer convivência e deve ser respeitado com os seus limites e vontades próprias, inclusive, o fato de não querer corresponder a expectativas de quem quer que seja. 

A vida prática deve ser reprogramada e assim, depois de percebermos que o outro é mesmo complementar à nossa existência... mesmo que ele se vá para longe e nunca mais nos mande notícias, permaneceremos com a certeza, no íntimo, de que somos felizes, muito felizes. E se o outro "se me foi é porque se me nunca pertenceu". Isso é Saint Exuperry? No lo sé.

Wanderley Lucena


sábado, 7 de janeiro de 2012

IRONIA MORTAL

Toda ironia traz em si uma carga que, na maioria das vezes, é negativa. A tentativa de se fazer entender nas entrelinhas é por demais desgastante. Geralmente quem fala por ironia quer mesmo ser desagradável. Quer ser compreendido, mas, não de imediato, porém, depois de algum tempo. Depois do ouvinte digerir o que lhe foi dito e interpretá-lo na exata medida ou superdimensionada aquilo que lhe foi dito. 

O problema é que, muitas vezes, o ouvinte mais relaxado não consegue entender que o que lhe é falado é pura ironia. O irônico tem de fazer novas invertidas, cada vez mais objetivas. E como aborrece a indiferença! As vezes nem é indiferença, é burrice mesmo. E se tem algo que aborrece profundamente ao irônico é a burrice, a lerdeza de raciocínio.

Quando o ironizado também é irônico as coisas ficam ainda piores. É muita energia gasta. O irônico ironizado vai se digladiar com seu oponente em luta sem fim e sem sentido. Sairá frustrado, provavelmente. Os dois sairão com a sensação de que poderiam de dito ainda mais. Que as ironias não foram irônicas o bastante. 

A ironia é a linguagem do desdém e do desprezo. A linguagem dos que, na sua empáfia, se consideram melhores. É a linguagem maldita da crítica covarde que não pode e não quer, ser dita com todas as letras. Tanto que, geralmente, o irônico dá de costas e se vai embora tão logo destila o seu veneno deixando o ironizado mudo, estupefacto, paralisado, ante o ataque desmedido e despropositado. 

E se falo de tal assunto é porque sou por demais irônico. É bem verdade que tenho me esforçado no sentido de ser menos agressivo nas minhas ironias. É verdade que tenho tido algum sucesso, mas me é trabalho quase hercúleo. E minha terapeuta me disse que a ironia é linguagem de pessoas inteligentes, acima da média - creia-me, ela me disse isso. E minha inteligência não está acima de média nenhuma. Aliás, minha memória está indo pro espaço e me sinto um ignorante ante qualquer assunto. Mas eu entendi o ponto de vista, diga-se, profissional dela.

Mas é certo que ironia faz mal. Faz mal a quem ouve e entende como à quem foi irônico. É veneno que permanece no corpo, no coração e na alma e fica empapuçando o indivíduo por horas, às vezes, dias. A ironia é mesmo uma m...! Haja terapia!

Wanderley Lucena

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

MENINOS OLEIROS


Sobe e desce ladeira com a canga de latas aos ombros
Latas descem vazias e voltam cheias
Águas do Rio Corda
Jogadas sobre o massapê
Depois de cortado no barranco
Agora barro amontoado
Molhado depois de muitas cangas de suor
Pernas infantis em corpos impúberes
Marcham forçadas por músculos cansados
Não podem se dá ao luxo da exaustão
De tão amassado vira liga pesada
 Barro liguento gruda nas pernas nele enterradas
Depois de muito pisar pode ser jogado da forma
Sol a pino quer derreter muleiras
Juízo trabalha a mil
Inconformada realidade
Futuro incerto 
Miséria quase certa
Revolta que arde no peito 
Não sai de lá
Conta com a sorte que insiste em lhe ser sisuda
Leva barro molhado no peito
Massa que viraria bela cerâmica
Mas os meninos são oleiros
Não são artesãos
Lança na forma e molda com as mãos rasgadas
Às centenas de milhares tijolos postos a secar
Quadrados sem graça vão virar parede 
Depois de secos são colocados em calheiras
Lenha que se acende queima o barro empilhado
Queimado fica pronto
Jogados um a um sobre carroceria de caminhão velho
Esfola dedos em carne viva
Merreca recebida vai direto para mãos maternas
Mãos que lavam de trouxa de madame
Rosto altivo de guerreira
Ensina que não se desiste da luta
Só a morte tira o sonho
Ela que se apresente muito depois 
Em novas terras
Somente depois de saborear o que lhes pertence
O conforto e a bonança
Pobreza é lembrança
O barro é cerâmica rica que enfeita casa de madame
Madame que se orgulha dos filhos de passado oleiro.

Wanderley Lucena


domingo, 1 de janeiro de 2012

A JOIA


Sentado na cadeira do jardim e vendo os fogos a explodir e a ouvir a contagem regressiva que anunciava a entrada no novo ano na confortável casa de um amigo aos arredores da cidade, ouvi a curiosa estória de um dos participantes da festa. 

Gabriel chegou sem a camiseta branca, bordada de azul celeste, que todos usavam. Justificou-se alegando falta de tempo. É acabara de chegar da cidade de Rondón, no interior do Pará, cidade na qual é o Juiz de Direito local.

Mas surpreendeu-me o otimismo do jovem juiz ao contar-nos de suas agruras, venturas e desventuras pelos rincóns deste país continental. Embora tenha de andar em carro blindado; de está ameaçado de morte por aqueles que pôs na cadeia e da perseguição de alguns poderosos políticos locais que o tem por "pedra no sapato" ao não permitir-lhes o enriquecimento ilícito às custas do mandato. O jovem juiz mantém, não só a ética rígida, mas o otimismo ante a esperança de que a sociedade pode ser melhor. Seu rosto se irradiou ao falar-nos de seus projetos sociais com os estudantes do município. 

Mas a estória que me contou e que passo a contar-vos, não se passou em Rondón, mas aqui mesmo na capital federal.  Gabriel enamorou-se de um belíssimo relógio que vira na vitrine de uma joalheria, diga-se, das mais caras. Não só a joalheria era das mais caras, mas o relógio... de tão caro, compraria, facilmente, uma casa confortável ou um carro que não fosse de modelo popular. Entrou na loja e comprou o bem que foi parcelado em seis vezes. Cada parcela ultrapassava o meu salário mensal - e nem acho que ganho mal.

O relógio impressionava. Cravado de pedras preciosas que iam desde diamantes, jades, ágatas e outras. Ele o usava, garboso, em ocasiões especiais. E era mesmo envaidecido que declarava o valor da joia. E foi assim que foi invejado por alguns pobres de espírito. Outros, invejavam não só o bem, mas o cargo que dava a Gabriel tal poder de compra.

Mas, ele tinha um amigo de muitos anos que, depois de saber da sua aquisição e aproveitando-se da morte de  ente querido, fez-lhe uma visita alegando confortá-lo naquele momento de dor. O amigo não compareceu sozinho. Fez-se acompanhar de um desconhecido que lhe foi apresentado naquele momento. A joia estava muito bem guardada, porém, em local ao qual o amigo já sabia. Depois de muito insistir para que saíssem a se divertir, Gabriel se deixou convencer e aceitou a sugestão. Entretanto, teria de tomar banho antes de saírem.

Já tinha se arrumado todo quando decidiu colocar a joia no pulso. O local estava vazio. Alguém havia furtado a joia e só podia ter sido um dos dois que ali se encontravam, quiçá, os dois de conluio - concluiu Gabriel. Depois de insistir que lhe devolvessem o bem e ante as insistentes negativas, decidiu que faria uma revista aos dois se não quisessem que o fato fosse comunicado à polícia. Ambos aceitaram passar pelo constrangimento e, surpreso, Gabriel não encontrou a joia com eles.

Se passaram alguns dias e Gabriel continuava encafifado com o desaparecimento da joia e, segundo suas conjecturas, não podia ter sido mais ninguém a não um dos dois ou os dois, de coluio, como já dissemos. A empregada da casa seria a primeira suspeita, conforme lhe informou o amigo ofendido ante a insistência de Gabriel em achar que ele estaria envolvido no sumiço da joia.

O maior suspeito de Gabriel era o rapaz amigo de seu amigo. Decidiu insistir com ele e o convidou para um jantar. Durante o jantar deixou claro que era o rapaz o maior suspeito e que, naquele momento exato, se o rapaz não quisesse continuar por suspeito, deveria se submeter a nova revista. Embora o constrangimento evidente, o rapaz se dirigiu ao banheiro do restaurante e tirou todas as peças para que não restasse dúvidas de que não estava de posse da joia. 

Mas, o rapaz informou que, enquanto Gabriel foi tomar banho, seu amigo de anos havia entrado ao seu quarto e que após isso, foi ao carro estacionado na frente da casa, alegando ter esquecido algo. Agora a desconfiança de Gabriel de deslocava totalmente para o velho amigo. Embora fosse difícil acreditar, não lhe restava alternativa. Mas o amigo era odontologista bem estabelecido - pensava. Será?

Foram várias as tentativas e argumentos que pressionavam o velho amigo a devolver a joia furtada. O amigo insistia em  negar e a jogar a culpa sobre a empregada. Mas, dado momento, depois de ouvir argumento poderoso, decidiu o velho amigo, assumir o furto. Entretanto, estabeleceu condição para a devolução da joia.  Uma quantia em dinheiro foi depositada a conta do dentista ladrão e a joia foi entregue ao seu proprietário que já se encontrava no estado do Pará e não pode enfiar a mão nos dentes do dentista.

Ao retornar à capital federal, compareceu a uma instituição de caridade das mais conceituadas e doou a joia foi rifada e serviu para alimentar, por longo tempo, as crianças soropositivas da casa filantropa. O velho amigo agora era só um ladrão no conceito de Gabriel e não recebeu a sua visita costumeira. A joia, segundo me esclareceu, lhe trouxera aflição e perdas, mas, a doação dela faria, finalmente, o bem. Gabriel voltou para casa feliz com a doação e livre do peso da negatividade da joia. 

Só não me falou o nome do dentista ladrão, embora eu o tenho perguntado. Minha curiosidade se explica: jamais me sentaria da cadeira do dentista ladrão.

Wanderley Lucena