quarta-feira, 9 de junho de 2021

Uma Grito de Indignação


- Amor, eu fui a cada porto quando tinha, no máximo, 6 anos. Desci desde o Sujapé até à Barra, nadando. Fiz esse percurso também de "avuadeira", como dizia minha mãe. Digo-lhe mais, não fosse a nascente do rio, longe e intocada, ele já estaria totalmente condenado. Não temos mais matas ciliares nem ripárias*. O povo da nossa cidade cerca e constrói até dentro d ́água. Isso mata a vegetação e, em consequência, temos a erosão que espalha e muda o seu curso natural. Isso muda tudo, até a temperatura da água; muda o bioma e afeta a fauna e a flora. 

 

- Pois é, Lu. Eu me lembro de que ali no Sítio Maranata, não sei se você lembra, a Igreja Cristã Evangélica de Barra do Corda, na qual cresci e onde recebi parte da minha educação humanitária, decidiu fazer uma espécie de balneário evangélico naquele local. Na beira do rio, havia uma mata que talvez fosse a mata mais fechada de toda a circunvizinhança. Muitos cipós que subiam e desciam pelas árvores; aguapés e árvores centenárias. Era mesmo uma mata muito fechada, porém linda e exuberante. Então, Juntou-se todo mundo da igreja num mutirão com tarefas predefinidas pelo sexo. Ou seja, os homens derrubariam tudo e as mulheres fariam a "boia". Eu era um pré-adolescente, mas também estava lá a ajudar. Nós derrubamos toda aquela mata e deixamos apenas alguns poucos arbustos. Ficou uma cena deserta e um vazio enorme que ia muito para além da paisagem devastada,ia para dentro de mim. Eu era ainda um menino impúbere** que nunca tinha ouvido falar em educação ambiental. Não tinha, tampouco, a percepção de que ali estávamos a cometer um crime contra a natureza. Vi aquilo tudo ser destruído, vir por terra, ser queimado etc. ... e eu não pensava se aquilo estava certo, mas sentia um enorme desconforto que se misturava com um dó imenso. 

E continuei: 

- Mas, depois, passei a me incomodar com as margens do rio, nos fundos das casas, todas virando degraus de cimento. Minha mãe era lavadeira de roupa e também mandou fazer os tais degraus no pedaço de rio dela, pois aquilo facilitou muito o seu trabalho. Os nossos degraus, a meu ver, eram os mais feios, mas a gente tem a tendência de achar que a galinha do vizinho é sempre a mais gorda, não é verdade? Hoje, entretanto, já com consciência ambientalista formada, percebo o mal gosto e o egoísmo de quem se apropria do rio que é de todos. Acho que falta eficácia às leis que visam à proteção das matas ciliares, assim como às normas para o usufruto particular do rio. 

E disse mais:

- Nós não temos um vereador, em Barra do Corda, que proponha uma lei específica e atual, que possa contribuir para a preservação do meio ambiente municipal, com suas águas, as matas e os animais. Em“compensação”, acabamos de dar um título de cidadão honorário a quem sequer jamais ouviu falar de Barra do Corda. Eu não consigo conceber, nem entender, muito menos aceitar, que consigamos, tão rapidamente, criar uma lei boba e burra, aprovada por unanimidade, concedendo o título de cidadania honorária a um indivíduo que, além de estar longe de ser unanimidade para o bem, sendo até odiado por grande parte da população brasileira, nada fez em benefício da cidade que pudesse justificar ahomenagem. Registro que, para este escriba, não passa de um genocida. Por outro lado, as demandas sociais, muito mais próximas, necessárias e importantes, da população cordense, permanecem esquecidas. Eles se sentiram orgulhosos de oferecer o tal título. Os lacaios se recusam a perceber o óbvio e ainda enchem os peitos de orgulho servil. O que sinto? Sinto Vergonha!

Em tempo: Achei tão pertinente o comentário de uma migo,que leu de antemão a presente crônica, que decidi incluí-lo neste meu texto de repúdio: 

- "Reis e presidentes costumam receber o tal título , geralmente acompanhado da chave da cidade. Vale lembrar que, em Brasília, Pelé foi barrado no baile, deixando de receber a honraria por ter se negado a reconhecer a paternidade de uma filha. Interessante também é citar o fato de que o maior corrupto do planeta, o Lularápio, recebeu o referido título da cidade de Paris, em 2019. Vai entender uma coisa dessa!"

 

Wan Lucena

 

*Impúbere: diz-se do menor, com menos de 16 anos, que ainda não atingiu a puberdade.

** Ripárias: vegetação existente ao longo das margens de um curso de água.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja honesto e autentico no seu comentário. Agradeço muito sua colaboração.