terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Karl, o cão que não ladra

Determinado a adotar um cão, fui à Casa dos Animais de Lisboa, do  outro lado do Parque Monsanto, e fui de bicicleta. Eu já sabia que não escolheria um cão de raça nobre e, quiçá, com pedigree. Eu resgataria mesmo era um a quem ninguém, talvez jamais, escolheria para adotar. 

A Casa de Animais de Lisboa está encravada, discretamente, no alto de um monte coberto de vegetação nativa. Mais de quatrocentos cães estavam à disposição para minha escolha. Todos estavam separados em jaulas frias e húmidas. Havia muito mal cheiro, mas não que o lugar fosse imundo. Ocorre que os animais fazem suas necessidades em horários diversos e a respectiva recolha, ou limpeza, obedece a horários pré-fixados.

Os cães da Casa também não recebem os frequentes banhos que costumamos dar, todas as semanas, naqueles com quem compartilhamos nossas casas.

Já no primeiro corredor de jaulas, um vira-latas de porte médio, de cor branca, de olhar doce e triste, com um defeito congênito que lhe fazia ter uma orelha a apontar para a frente e a outra para trás, chegou até a grade. Estendi-lhe a mão, cuidadosamente, por não saber da sua agressividade. Ele cheirou minha mão e se recolheu tristemente, como se soubesse que suas chances eram mínimas. .

Perguntei ao funcionário sobre aquele cão, sem que ele me desse muita atenção enquanto me levava para outras jaulas e me mostrava cães menores, de raças mais apuradas. 

- Está conosco faz mais de quatro anos e tem cerca de seis anos de idade - disse-me o cuidador.

- Vou levar aquele cão. Já podemos parar de escolher - informei decidido.

- Mas... o senhor tem certeza? Há tantos cães mais bonitos - indagou-me o funcionário, na tentativa de fazer-me mudar de ideia.

- Sim, tenho certeza, é mesmo aquele cão que vou levar!

E assim, com dificuldade de me equilibrar na bicicleta enquanto o segurava por uma corda-coleira improvisada, chegamos a casa e fomos direto para o banheiro, que aqui se diz “casa de banho”, tomar uma “duche”, que no Brasil se conhece por chuveirada ou , simplesmente, banho; afinal importava mesmo era tirar-lhe o forte odor de não sei quanto tempo sem um xampu*.

Decidi escolher um nome curto, de uma sílaba apenas: "Karl". Tudo estaria perfeito, se não tivesse eu de justificar que, nem de longe, seria uma homenagem a Karl Marx**, o filósofo-pai do Comunismo e a quem pouco admiro.

- Não, não é uma homenagem ao Marx, mas ao Laguerfeld - Respondo eu, sempre que alguém o associa ao Marx. Karl Lagerfeld foi aquele designer de moda, também alemão, diretor da Chanel e da Fendi, além de colaborador de diversos projetos de moda e de arte. Figura exótica, de longa cabeleira branca amarrada em rabo de cavalo, cujas criações eram desejadas pelas poderosas que desfilavam em tapetes vermelhos, mundo à fora. Muito mais a ver comigo do que o Marx, com certeza! 

Assim sendo, Karl, meu cão vira-latas, agora goza do conforto burguês da minha casa e pousa a cabeça em minha perna quando paro, ante ao computador, para vos escrever crónicas***. 

Em Portugal, por lei, os cães devem estar sempre presos à guia, porém todo mundo solta seus cães, a depender da docilidade, nos parques públicos. Vez por outra, um ou outro rapagão marombado, cheio de anabolizantes e de “outras substâncias”, igualmente ilegais, repreende-me:

- Se o meu cão estraçalhar o seu, teremos problemas! - avisam-me em alarde tom de ameaça.

Eu sei que meu cão deveria estar na guia e que, se ocorrer de ele ser estraçalhado pelo pitbull de um desses malucos, terei – sim - que assumir a culpa! 

- Com certeza terei que assumir a culpa - concordei!

- O problema aqui, entretanto, não é o seu ou o meu cão, mas os seus proprietários ... E me calo, já a dar-lhe as costas.

Em quase três anos em minha companhia ouvi-o latir uma vez apenas, e um latido rouco e baixo - acho que é mudo - se os cães tivessem cordas vocais - o meu cão. Karl tem sonhos que o fazem delirar todas as noites, e imagino podem ser pesadelos. Peculiarmente, nunca quer brigar com os demais cachorros e nunca avança contra ninguém.

Karl é uma doce criatura que, se pudesse falar, me agradeceria todos os dias por tê-lo adotado. Ele me olha com candura e toca-me com o focinho; aí , não sabe ele, sou eu a agradecer-lhe quando a cabeça lhe acaricio, com carinho. 

- Obrigado por sua existência e companhia, querido Karl!


Wan Lucena


* A forma original inglesa, shampoo, foi recepcionada no português lusitano como champô;

** Karl Heinrich Marx, filósofo, sociólogo, historiador e economista, que bebeu nas fontes da filosofia idealista alemã, no socialismo francês e na política econômica inglesa, antes de vomitar suas teorias revolucionárias no século XIX. Morreu apátrida, em 1883, aos 64, em Londres.

*** a palavra – crônicas - foi grafada com o acento agudo mesmo (crÓnicas ), pois é a atmosfera lusitano-europeia que respiro e em que me inspiro, quando sento-me a vos escrever.




terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O Erva da Discórdia

Acabara de me fixar na Freguesia da Ajuda, em Lisboa, e decidi que iria fazer uma boa e velha “vaca atolada”, um prato típico do Brasil, composto, basicamente, de costela de vaca com mandioca, ou como se diz na Barra do Corda, macaxeira.
Já quase tudo pronto para sair da panela, que fumegava um vapor cheiroso que inundava todo o quarteirão, quando percebi a falta de um ingrediente crucial: o coentro. Há quem afirme que o coentro é a salsinha com o demônio no corpo. Eu acho o contrário, é a salsinha que é o coentro com o demônio no corpo. Adoro o tempero que me lembra os canteiros suspensos, onde minha mãe cultivava cebolinha e coentro, regados com as águas do doce Rio Corda e que também temperava as piabas e os piaus que nós mesmos pescávamos, enquanto ela lavava trouxas de roupa, escanchada numa tábua.
Ante a falta do coentro, saí correndo até o Mercado Municipal da Ajuda, aqui pertinho, só para comprar um maço e voltar às pressas para finalizar o suculento almoço.
Logo na primeira barraca de legumes e verduras, vi o imenso maço da erva e me dirigi ao atendente, um típico português, ali com seus quase 70 anos, camisa aberta até o umbigo e suado tal qual a minha panela de pressão, que eu deixara em casa, com a vaca atolada a me esperar.
- Por favor, um maço de coentros. Pedi.
- Mas... e o que o freguês vai comprar? Perguntou-me ele.
- Um maço de coentros apenas, se faz favor. Respondi.
- Mas... e vais comprar o quê? Repetiu ele enquanto eu me perguntava se estava a falar-lhe em grego ou na língua dos anjos*.
- Meu senhor, eu quero comprar apenas um maço de folhas de coentro, para terminar de fazer o meu almoço. Insisti.
- Mas... é que aqui não vendemos coentro. Respondeu-me ele, certo do que dizia.
Eu pensei que estava ele de chiste ou a se irritar por causa do valor módico da compra.
- Meu senhor, aquele maço de coentros, ali dependurado, não está à venda?
- Não, não está! Respondeu-me ele.
Este cidadão está mesmo com gracejos, a gozar da minha cara, só pode! Pensei eu, porém disposto a ver aonde ia dar aquela prosa toda torta.
- Aqui não vendemos coentro, mas o oferecemos de graça por ser tão barato. Assim sendo, o freguês compra alguma coisa e lhe ofertamos o coentro. Então... o que o freguês vai comprar? Perguntou-me o português, já bastante fulo da vida comigo.
Eu nada queria comprar a não ser o coentro e me mantive na decisão de não comprar nada que não fosse o coentro.
- Meu senhor, eu quero apenas o coentro, se faz favor! Pedi novamente.
Ele, enraivecido, encheu a mão com um maço de coentros, jogou-o por sobre o tabuleiro e me disse que eu podia, então, levar o coentro e nada pagar, pois ele ali não vendia coentros.
Foi quando pensei: ai caramba! Um entreveiro desse por causa de um maço de coentros? Sério? Eu não estava a acreditar.
- Já não quero os seus coentros nem de graça nem pagos. Retruquei !
E já me ia a sair do mercado, quando fui abordado pelo dono da banca ao lado que, muito simpaticamente, fez questão de esclarecer o que o seu colega já me explicara, mas que não me convencera.
É que, nas feiras, o coentro é um agrado, o qual é dado a quem compra outros produtos. Pediu-me que, por favor, aceitasse de si um maço de coentros e que não levasse o mal-entendido em consideração. Comprei o que nem precisava na banca do simpático português, então peguei o maço de coentros e fui-me dali, certo de que quase criara um incidente diplomático.
No Mercado Municipal da Ajuda não botei mais o pé e quando preciso de coentros vou direto aos supermercados adjacentes, onde estão devidamente expostos em prateleiras e com os respectivos valores anunciados em etiquetas.
A vaca atolada ficou uma delícia e, enquanto a saboreava, pensava se o cômico incidente por causa do coentro viraria crônica... e ri a valer!
* Labaxurias labacantas xarababeias

Wan Lucena

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A Vizinhança

- Oh, vizinho! Diga-me cá uma coisa! Será que aquela sua desafeta aí do seu condomínio não estava apaixonada por si? – pergunta-me a senhora, uma vizinha de janela, com quem desabafei sobre problemas que ando a ter com uma doida daqui. 

Chamo-a de doida porque ela própria assim se denomina e alardeia – não mexa comigo, porque eu tenho atestado de loucura. 

Quando cá cheguei neste apartamento, já no primeiro momento, percebi a curiosidade intromissiva dela. Estava sempre à espreita para ouvir e ver tudo o que acontece na vizinhança. Mora num apartamento bem ao lado da portaria e sabe tudo de todos. Quem entra, quem sai. Quem entrou e não saiu. Quem é de primeira visita e qual a rotina de cada um dos moradores. 

Eu, incauto que fui, permiti que ela adentrasse o meu apartamento, já logo na primeira semana. Ocorre que nem foi bem uma permissão que lhe dei, mas ela que adentrou  sem ser convidada, aproveitando-se que eu estava com a porta aberta. Sentou-se à minha sala e passou a descrever-me a vida de todos. 

A vizinha do andar logo acima do seu, com um filho adolescente era, segundo sua versão, um verdadeiro demônio ao qual eu jamais deveria dirigir a palavra. Que de sua casa a gravava em áudio e vídeo a agredir o filho adolescente e que o marido, um policial, abusava sexualmente do rapaz. 

Hoje, sei que a vizinha a que se referia, há mais de quatro anos, vive a ser infernizada pela louca que, com cabo de vassouras, cutuca e bate na laje, justo onde sabe que está a outra a dormir ou descansar. A doida já chamou-lhe a polícia tantas vezes que já nem lhe atendem mais. Ambas estão com uma pendenga judicial, na qual pede uma indenização por danos morais e materiais por que, apesar de doida, não rasga dinheiro. 

A doida veio parar no meio da minha sala depois de o técnico que montava a cozinha serrar uma tábua, cujo pó descera dois lances de escada. 

Apareceu-me ela com balde, panos e rodos e a gritar que aquilo não era permitido no prédio e que eu só podia ser mesmo um brasileiro sem educação. Pedi-lhe mil desculpas e avisei-lhe que eu mesmo limparia todo o pó, no entanto, sem ser ouvido por ela. Até então, não sabia que se tratava de uma doida e peguei os meus apetrechos de limpeza e passei a ajudá-la, enquanto tentava contornar o desentendido, com reiterados pedidos de desculpas. 

Ainda na minha sala, contou-me que o Zé, o dono da pastelaria da rua - um simpático português que já não tem espaço para tanta clientela - nada valia. E que, se eu um dia qualquer fosse por lá, jamais deveria dizer que a conhecia, pois não suportava a ideia de ter seu nome esparramado na medina, pois era o Zé um grande fofoqueiro do bairro. 

Além do Zé, danou a falar de todos da rua e do bairro. Com ninguém se dava. Eu, então, decidi que faria de tudo para não entrar na mira da doida. Disse-me odiar cães e adorar gatos. No seu  apartamento, criava três gatunos. Nada tenho contra os gatunos, senão os seus donos que, desleixados, nem se preocupam em limpar a casa que fica empestiada com o cheiro do xixi deles e, diga-se de passagem, é o caso da dita cuja. 

Ao abrir a porta do elevador, certa feita, e esta bateu no tapete de piaçava postado à frente da porta dela. Ato simultâneo, ela abriu a porta e passou a destratar-me; perguntou-me se eu pretendia derrubar a sua casa. Fiquei bastante assustado e concluí, então, que já entrara na mira da doida. 

Dito e feito! 

Deixou ela de responder aos meus cumprimentos de bom dia e, desde então, vira-me a cara todas as vezes que por mim passa. Eu, que também sou doido, ainda que sem atestado médico, faço questão de cumprimentá-la todas as vezes; assim como abro-lhe a portaria quando, por coincidência, nos encontramos. Ela, entretanto, recusa-se a passar e mesmo assim faço questão de permanecer segurando a porta por algum tempo, até que desisto e me vou. Confesso que morro de rir. Agora ando tendo ideias de colocar-lhe flores à janela. Não pensem, porém, que me apaixonei pela doida ou que ainda nutro a esperança de alguma amizade futura.

 - "Existem mulheres que não são correspondidas em suas expectativas em relação ao algum gajo; coitado dele!" – Concluiu minha vizinha de janela. 

- E se forem doidas, então...! – pensei eu com convicção. 

Comprei belíssimas orquídeas e as presenteei, não à doida, mas à minha vizinha de janela, tão simpática quanto bem-casada e certo de que seu marido não seria outro doido a pensar que estou a dar em cima de  sua esposa, uma senhora que parece ter quase 70 anos. 

Wan Lucena

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O 18 - O Bondinho Lisboeta

- Bom dia – dizem ao maquinista, portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, sã- tomenses, goêses e timorenses, todos usuários do Elétrico 18, o bondinho lisboeta que passa em frente à minha casa e que tenho tanto prazer em também usar.


O 18 é o Elétrico que sai desde o Cais do Sodré, às margens do Tejo e vai até ao Cemitério da Ajuda. Entrar num Elétrico, bondinho no Brasil, é adentrar uma cápsula mágica, transportar-se para o mundo multidimensional e voltar ao século XIX; basta-nos um pouco de imaginação. Os trilhos centenários que dão rumo à nossa cápsula-bonde são os mesmos de séculos atrás. A decoração interna e a tecnologia usadas também permanecem inalteradas . As pessoas é que se modernizaram e poucos são os cavalheiros de chapéus e as damas com sombrinhas-fru-frus.

Já na primeira “paragem” – parada é o termo no Brasil – sobem várias pessoas, quase todas a falar línguas diferentes. Nessa paragem recebe os turistas que atravessaram o Tejo e os demais que estavam no Mercado da Ribeira, o “Time-out” , logo do outro lado da avenida. O imponente mercado fora apenas um belo edifício até ser ocupado pelos chefs da gastronomia local que o transformaram numa imensa meca gastronômica, onde é obrigatório, a todo turista que passar por ali, comer não só o famoso pastel de nata, mas tudo o que de bom se serve na boa cozinha portuguesa.

O Elétrico segue pela avenida, ladeada à esquerda pelos trilhos de comboios – que no Brasil se diz trens - que vêm desde Cascais e que, com certeza, o afortunado usuário do 18 terá a sorte de vê-los a passar em sentido contrário, rumo à estação final, o Cais do Sodré.

À direita, toda a imponência desta velha Lisboa, com seus armazéns e prédios históricos. Aliás, há que se ser rápido ao olhar para todos os lados, para que tudo se veja e, mesmo assim, muita coisa deixará de ser vista.
Quinze minutos depois, algumas paragens, donde desceram e onde subiram usuários plurais, estamos no Largo do Calvário. Sobem passageiros que, pela cor de pele, provavelmente são indianos ou de algum país asiático naquelas vizinhanças. O local é repleto de restaurantes com pegada asiática, sem falar das lojas de chineses que vendem de tudo o que o leitor possa, ou não, imaginar. 

Ali também se encontra a turistada oriunda do LX FAXTORY, logo ali do lado. O que foi a casa da imprensa do ditador Salazar virou um ambiente descolado, cheio de atrações culturais, que vão desde studios de arquitetos a livrarias que parece terem saído do filme de Harry Potter e que vive apinhado de turistas do mundo inteiro, até porque muitos são os restaurante e bares lounge que ali se fixaram.

- Bonjour – diz o grupo de jovens franceses, com suas peles sedosas e sorrisos que parecem gentis e educados.

- Good Morning – diz o casal de idosos que me faz deduzir serem ingleses .

E o manobrista vai lhes respondendo a todos com muita discrição, e no idioma em que for cumprimentado.

- Buenos días – diz o jovem de cabelos degringolados e que me parece ser um vizinho espanhol.

E o Elétrico já dobra à direita, a subir uma ladeira e a passar por baixo da megaestrutura da ponte 25 de Abril. Estamos, agora, em Alcântara, apenas mais uma charmosa freguesia, que corresponde, grosso modo, à palavra bairro, de Lisboa. Tão histórica e tantas estórias se vão vendo e poderia contá-las aqui, mas não por ora , pois receio ser barrada a minha publicação nesta revista, Turma da Barra, na qual se pede o obséquio de escrever com parcimônia de caracteres.

Já estamos em Santo Amaro, e dentro de um túnel de jacarandás que, quando florido, fica surreal. Desde aqui se vê todo o Tejo e a magnifica 25 de Abril. Passamos, a seguir, pelos fundos majestáticos do Pestana Palace Hotel, um palacete riquíssimo, onde morou, até mesmo , a diva Madonna, famosa pop star .

Ainda na Calçada da Tapada, os trilhos do 18 fazem um “S” e começam a descer pela Rua da Aliança Operária e, no Largo do Rio Seco, dou sinal para descer da minha cápsula do tempo. Volto ao século XXI e, depois de atravessar a rua, já estou à portaria do meu condomínio.

O 18 continua a sua viagem mágica, passa pelo Largo da Boa Hora e sobe uma ladeira sinuosa; passa entre a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, à direita, e o Mercado Municipal. Desse mercado, tenho tantas estórias para vos contar..., mas ficam para outra crónica.

A cápsula-bonde do tempo segue apinhada de gentes encantadas por agora poderem ver o magnífico Palácio Nacional da Ajuda. É ali , nesse régio paço, que nasceu Dom João VI, aquele que foi, de mala e cuia, para o Brasil varonil, a fugir das tropas napoleônicas. Depois de passar pelos fundos do referido palácio, um descampado e os trilhos seguem numa linha reta e, então, já chegamos à paragem final, aos pés do muro do Cemitério da Ajuda. Desde aqui se pode descer à pé até Belém e ao Mosteiro dos Jerónimos, só para comer os famosos e patenteados pastéis de Belém. A iguaria foi inventada pelos monges e, de tão deliciosa, tanto arrecadaram dinheiro que construíram o mosteiro – uma obra megalómana.

Os amigos leitores cordenses talvez tentem imaginar o sabor do pastel de Belém, mas não precisam se apoquentar tanto. É que aí nós temos tantas delícias que cá não existem, que eu trocaria os pastéis de cá pelos pastéis de feira daí; ou pelas pamonhas de milho que cá não se veem nem de longe.

 Buon giorno e grazie – é o que diz um italiano, simpático e sem a cara de mafioso, ao descer na parada final do 18.

E veio a pandemia... e já já tudo voltará a ser como dantes.

Wan Lucena