segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Sonhar é de Graça

 

Ouço Jorge Benjor e tomo umas taças. Leio minhas próprias crônicas num ato antropofágico. Fico feliz em comer-me e saboreio-me com gosto, tal quem come um bom, belo e suculento bife. Penso que leio exatamente o que gostaria de ler numa leitura alheia. É isso! Ficou mesmo bom este negócio! 


Eu me amo e peço perdão pelo suicídio narcisista. 


Um dia vou publicar um livro. Vou sim! Meu desejo me faz voar e imaginar que ele fará tanto sucesso que virará um best-seller. 


Perdoem-me os pobres de espírito e os invejosos, mas sei ler o futuro.


Se você vier comigo vai ser um prazer ainda maior. Ter você por vizinho de cobertura e ouvir a sua festa ao lado. Você ouvir a minha. Juntos olharemos o Tejo e pensaremos: olhe bem aonde chegamos! 


Falaremos saudosos das águas cristalinas do Rio Corda e olharemos as pernas em busca do massapê que nos une e nos impregna, enquanto tomamos um vinho português, antes de decidirmos a quem salvaremos a seguir.


Sonhar é de graça e a riqueza mesquinha, que serve apenas para a mediocridade da ostentação, é pobreza ainda maior que a carência no prato.


Wan Lucena

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

NAMASTÊ

 - Namastê! - eu te saúdo


Essa já não é a primeira vez que escrevo sobre a saudação utilizada principalmente na Índia e no Nepal, pelos adeptos do budismo e do jainismo. A palavra tem origem no sânscrito - sânscrito é o idioma das escrituras clássicas das religiões dos países citados - e revela grande respeito a diferentes crenças que cada um de nós portamos. 

 

Quando eu ouvi pela primeira vez esta palavra "namastê", senti o impacto, o bom impacto. Não bastasse a sonoridade da palavra a qual eu poderia ficar o dia todo a repetir, como se fosse um pequeno mantra, há ainda uma rara beleza de significado: "o deus que há em mim saúda o deus que há em você". Existe coisa mais linda que se possa ouvir ou dizer?  

 

A saudação do Namastê é feita com as mãos em posição de prece e com um leve curvar do corpo e demonstra ampla, total e irrestrita reverência ao ser que ocupa o corpo do semelhante e a tudo o que ele acredita. 

 

O Namastê é a manifestação de mais intenso respeito às diferenças de credos que o ser humano já inventou.

 

- Namastê, caro leitor! 


Wan Lucena


Esta crónica foi publicada originalmente na revista eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos: 

https://www.facebook.com/jornalturmadabarra/posts/2041355372696508


quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Araras, Jandais, Maracanãs e Zepelins

Quando me dirigi ao Parque Eduardo VII, em Lisboa, eu sabia muito bem o que deveria fazer. Eu fui a 91ª Feira do Livro de Lisboa. Fui comprar o livro Liberdade - Antologia da Literatura Livre. Fiquei sabendo que, na dita antologia, constavam versos de um dos meus poetas prediletos, o barra-condense Jorge Abreu. Dei com os burros n’água, já que os versos deste nobre poeta integram antologia diversa, similar, da mesma editora - Chiado Books; só que na versão brasileira, e disponível, portanto, apenas em território nacional.

 

A presente edição da Feira já é considerada a maior de todas. São ao menos uns três quilômetros de muitas, muitas bancas, e um número quase infinito de títulos. O calor estava insuportável. Cheguei por volta das 2h da tarde e fui dos primeiros a entrar. Para amenizar o calor, um chuvisco artificial caia de mangueiras finas, instaladas por sobre o parque e refrescava os visitantes.

 

Bateu-me alguma frustração que logo passou, ante meu devaneio com um bando de araras a grasnar como doidas nas árvores ao lado do parque. Sei que por aqui existem jandaias, mas não são abundantes como no Brasil. Elas estavam a fazer uma verdadeira festa.Transportaram-me para Barra do Corda em um Zeppelin dourado. De longe vi a clareira onde eu queria pousar: a velha olaria à frente da casa do Manoel Dodô, na Rua do Sítio dos ingleses. Passei boa parte da minha infância e adolescência com os pés fincados na massa liguenta e pesada do barro que amassávamos para fazer tijolos.

 

No Zeppelin levava uma pesada carga de bombas: livros de todos os tamanhos, cores, temas e autores. Alguns eu deixaria cair levemente amarrados em balões e com destinos certos. Outros, aqueles bem pesados e volumosos, atiraria do meu canhão, com toda força, contra a ignorância, o preconceito, a intolerância, o atraso econômico, social e tecnológico.

 

As jandaias maracanãs, araras e periquitos de todas as cores que me fizeram a guarda, durante todo o trajeto desde Lisboa até Barra do Corda, enfileiradas, recebem, cada uma, encomendas a serem entregues em endereços certos, a meninos e meninas, senhoras e senhores, de todas as classes sociais, principalmente a dos excluídos, que têm seus rostos iluminados pelo conteúdo das encomendas. Livros para todos os gostos, dos clássicos da literatura ao mais desconhecido dos autores. Livros coloridos e cheios de fotos, com paisagens e desenhos que contam histórias fascinantes.

 

O Zeppelin parte com o seu capitão sem que seja notado, uma vez que todos os que lêem seus livros não querem se distrair com objetos voadores imaginários, os quais, na verdade, estão dentro dos livros que lêem.

 

Fui-me da Feira do Livro de Lisboa, com a imagem do Zeppelin na cabeça. Não comprei antologia nenhuma, mas, “Pensamentos Vadios”, de Vanessa Pires Rodrigues, levei-o debaixo do braço, porque, pelo título, bem que podia ser um livro de Jorge Abreu.

 

Wan Lucena

 

 
Esta crónica foi publicada originalmente na revista eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos: 

https://www.facebook.com/jornalturmadabarra/posts/2036025509896161

 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

A Escada

 Lisboa, 10 de Setembro de 2021

 

Carissima Dora;


Quantas vezes tivemos de ser levados ao inferno e não por vontade própria, não é mesmo? Mas a gente quer é o paraíso. E ao paraíso somente se chega subindo os degraus da escada. Por vezes nos empurram escada abaixo e voltamos ao primeiro degrau. Temos de refazer toda ela. Mas todas as vezes que refazemos a subida, parece que estamos mais fortes. Não é fácil. Eu tive que subir do abismo pelos penhascos. Acho que eu estava bem abaixo do primeiro degrau. Quando cheguei ao primeiro degrau eu estava com as mãos esfoladas da escalada e a alma em frangalhos. Mas, em lágrimas, respeirei fundo e acreditava que agora já eram degraus a subir e não mais o penhasco. Eu cheguei aqui depois de muitos recomeços e com muitas marcas e dores. Nem sei se todas estão cicatrizadas. Mas olho no espelho e sinto um orgulho danado. Percebo a minha luz que se manifesta na minha felicidade e no meu sorriso largo e sincero. Somos guerreiros sobreviventes de uma guerra do tamanho das nossas vidas. Já estamos sentados na sala comodamente, mas a nossa armadura e espada continuam por nós deixadas em local estratégico e se preciso, vamos a guerra!

Tenha um bom dia!


Wan Lucena