domingo, 25 de setembro de 2011

CARTAS CARIOCAS


Brasíla-DF, 25 de Setembro de 2011.


Caro Amigo;


Amanhã estarei no Rio, a cidade maravilhosa. Eu conheço bem o Rio e volto lá sempre que posso. É mesmo uma das cidades mais lindas do mundo, com certeza, a mais bela do Brasil. Tem a violência desorganizada da pobreza dos morros, tem o crime organizado e tem os "filhinhos de papai" que também, muitas vezes, são criminosos.

Quase tudo igual a qualquer outra metrópole não fosse um charme que é só seu. Não sei se é a geografia de tirar o fôlego; se é o sol; se as curvas da garota de Ipanema; se o mar azul; se a floresta atlântica; se o Cristo Redentor ou o Pão de Açúcar. Mas tem a "ginga" do malandro e o chiado charmoso do sotaque carioca. O sol e os desenhos sinuosos da calçada de Copacabana. O samba da Mangueira e  da Portela. É tanta coisa meu amigo, que se fosse te contar, escreveria um jornal e não uma singela carta como esta.

É minha intenção te informar, diariamente, por meio destas cartas, das minhas impressões pessoais da cidade  dos acontecimentos do meu dia na minha interação com essa gente de valor, a gente carioca. Tomara minha intenção não te canse, mas é que para mim és tão importante que preciso, quase que de pé de ouvido, contar-te. Bom seria que estivesses cá comigo para juntos irmos ao Rock in Rio e ver o Cold Play e o Maroon Five. Já que cá não estás, te deixarei informado por meio de minhas cartas diárias desde o Rio.


Um abraço.


Wanderley Lucena
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Rio de Janeiro-RJ, 26 de Setembro de 2011

Caro Amigo;

Chegamos ao Santos Dumont e para não ser, mais uma vez, roubado pelo taxistas que insistem em achar que meu dinheiro é farinha, peguei o “frescão” – e isso, aqui no Rio, é tão somente um ônibus que tem ar-condicionado. Custou-me seis reais e desembarquei, confortavelmente, na Princesa Isabel, a um quarteirão de onde, no Leme, me hospedo sempre que venho por aqui.

Tive de dormir um pouco para recuperar as forças depois da noite mal dormida e do vôo na lata de sardinha. Viajar na classe econômica é viajar enlatado. Sabes que, no momento, não posso dar-me a exageros. A lata de sardinha não chega a matar o cristão, mas é quase desumano o que fizeram com o espaço de um avião doméstico. Como não posso ir de primeira classe... 

Já era meio da tarde quando me dirigi ao Giraffas e almocei. Giraffas, sim senhor! Apesar de bonitinha a comida delivery da rede, de tão pouquinha, faz bem à consciência de quem não quer engordar.  Fiquei sonhando o bife à parmegiana do Beira.

Saí andando e já estava bem pertinho da estação de metrô  General Arcoverde e decidi não ir à pé para Ipanema.  Meu cafezinho já fazia uma falta danada no juízo – sou dependente de cafeína, como sabes – e saí surtado, em crise de abstinência, até que tomei meu cafezinho na Visconde de Pirajá numa charmosa cafeteria. Por pouco não pedi ao atendente que me aplicasse na veia.

Esqueci minha sunga ADIDAS em Brasília e decidi comprar outra. Terminei comprando também uma mochila, da mesma marca, para usar em Paris. As três listrinhas são chiques e não tem como errar. E na minha idade não dá pra arriscar muito. E sabes que vou a Paris já no mês que vem.

Tomei novo cafezinho na Colombo do Forte de Copacabana, já na volta, e fiz compras para o desjejum no Zona Sul – aqui as coisas estão mais baratas que no Pão de Açúcar do Sudoeste. Aproveitei e comprei um estoque de geléias de morango para abastecer a minha despensa em Brasília. Aqui tá pela metade do preço e - detalhe - são polonesas. Isso mesmo: são importadas. Volto com a mala cheia.

Agora estou a te escrever enquanto faço uma boquinha antes de dormir na Sanduicheria Leme Light. Um pão cheio de carne assada. Uma delícia.

Um abraço.

Wanderley Lucena

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Rio de Janeiro-RJ, 27 de Setembro de 2011.

Caro Amigo;

Te escrevo desde o Morro da Urca e, por incrível que pareça, a rede wi-fi é ótima - mas também... depois de pagar cinquenta e três reais pra subir no Bondinho... Embora o bilhete seja caro, vale a pena subir até o Pão de Açúcar pelo bondinho teleférico. A visão da paisagem é única.

No Pão de Acúcar, quem se prende apenas à paisagem, não sabe o que perde se não explorar a trilhas sinuosas e encantadas por dentro da floresta morro abaixo. Tudo muito bem calçado, com mesinhas de concreto e para-peitos para a proteção e conforto dos turistas. É só descer pelas escadas abaixo e pronto. Uma floresta encantada está a seus pés. O preço pode até ser alto, mas, se voce quiser subir a Eiffel, visitar o Louvre, não é menos caro. Não é que seja caro, nós é que ganhamos mal, meu amigo.

Para me inspirar, tomo uma caipirosca de lima no restaurante encima do Morro da Urca. Você não sabe o que é isso. Aqui se ouvem várias línguas. Turistas do mundo todo você pode ver aqui. Fiquei vendo o macaco "soin", lindo, clicado pela minha câmera, sem ter que fazer o zoom, de tão perto que o bicho estava da gente. Impressionante como estes bichos estão acostumados aos humanos e recebem alimentos de suas mãos.

Vou passar no ap e botar a minha Adidas que comprei. Vou mostrar as pelancas em Ipanema. E o faço sem constrangimentos. Tem muita gente linda aqui, globais aos montes, mas... o que tem de gente feia. Então, me sinto em casa.

Um abraço e até amanhã.

Wanderley Lucena

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Rio de Janeiro-RJ, 28 de Setembro de 2011.




Caro Amigo;

Nunca senti tanto frio no Rio - na verdade, já sim - não tive coragem de entrar no mar até o momento. Tomara que a temperatura suba e que o sol dê a cara com gosto. Fazem 19 graus agora. E só são 4 horas da tarde. A previsão é que a temperatura despenque ainda mais.

Mas enfrentei o frio com bravura e subi o Corcovado a bordo do velho trem vermelho que vai ladeira arriba cortando a Floresta da Tijuca. Apesar do dia nublado consegui ver perfeitamente a geografia estonteante desta cidade. O mar azul e a ilhas pingadas nele, além da silhueta sex da cidade a chamar a todos ao deleite. Por um lado Lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema e Copacabana. Por outro, a ponte Rio-Niterói, o Santos Dumont. As barcas, pequeninas de tão longe que as vi, a fazerem a travessia, via mar, para a terra de Araribóia.

No mesmo bairro, peguei um ônibus que me levou para o Jardim Botânico. Além de belíssimo, é uma aula história. Imaginar que D. Pedro, nosso Imperador bigodudo foi quem plantou aquilo tudo. Que a Marquesa de Santos dava seus passeios de fim de tarde pelas alamedas de palmeiras imperiais plantadas pelo seu amante, o mesmo bigodudo.

Tinha a intenção de dar um pulo no Parque Lage mas, cansado que estava, desisti. O Parque Lage era a residência da mesma Marquesa. Um beleza de parque com muitas estátuas espalhadas a céu aberto, córregos e lagos artificiais. O belíssimo palacete que foi a residência da Marquesa é hoje uma escola de arte. Modelos vivos, nus em pelo, podem ser vistos pelas vidraças das janelas, a serem pintados pelos alunos. Mas, estava por demais cansado e desisti. Fui para casa e dormi um pouco e proteger-me do frio intenso que me incomodava.

Queira Deus, vá se embora esta frente fria que me dói até os ossos e possa eu entrar nas águas abençoadas e salgadas deste mares.

Um abraço e até amanhã.

Wanderley Lucena


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Rio de Janeiro-RJ, 29 de Setembro de 2011.

Caro Amigo;

Hoje, finalmente, fez sol como eu desejei. A praia estava mesmo uma beleza. Acomodei-me numa cadeira alugada de um barraqueiro e pedi uma cerveja porque ninguém é de ferro. Uma cerveja em frente ao mar de Ipanema tem sabor inigualável, como você bem sabe.

Chamou-me a atenção a quantidade de maconheiros fumando abertamente, à luz do dia, orgulhosamente. E não vou aqui fazer discurso moralista, não mesmo. Mas as coisas mudaram muito desde a nossa época. Ninguém sente vergonha de puxar a erva e, muitos deles, sentem mesmo é orgulho. Talvez estejam mesmo a revolucionar os conceitos. Ademais, com o advento do crack, quem dera, nossos viciados fossem todos, tão somente, maconheiros.

Os morenos que serviam às barracas fazendo as vezes de garçom, se sentaram, comodamente, em círculo e ascenderam seu “baseado” e esqueceram das obrigações que, talvez, nunca as tiveram. Pedi a um deles, já fumado, com os olhos mais vermelhos que os de um dragão, que trouxesse uma prévia da conta. Ele me respondeu, debochado, dizendo que eu mesmo poderia fazer a prévia, já que tudo o que eu consumira tinha seu preço anotado na conta que estava em meu poder. Ora veja! Pois, pois!

De longe, vi uma moça de formas por demais arredondadas. Os seios pareciam dois melões e a bunda estava, por demais, empinada. A moça tirou a parte de cima do biquíni e, sem qualquer desfaçatez, mostrou os melões a quem os quisesse ver e aquém não os quisesse também, debruçou-se sobre eles e empinou o bundão rumo ao por do sol, num top lesse básico. O que ela menos queria era bronzear-se. Queria mesmo era chamar a atenção. A minha, pelo menos, ela conseguiu. Mas, notei mais. Os gestos exagerados, artificiais, e... o queixo. Acho que foi o queixo que a entregou. Os melões lhe foram ali implantados por algum Pitangui do Morro da Rocinha e a bunda, idem. Tratava-se de um travesti. Isso mesmo, um traveco – e isso é apenas o registro do que vi e vai sem preconceitos. Travecos e outros tipos não são exclusividade do Rio e na nossa cidade tem aos montes.

Peguei um “bronze” e me fui, a pé mesmo, e almocei no New Natural. Um restaurante onde se come muito bem e, totalmente, natural. Tudo leva selo verde, sem agrotóxico e, como um pouco de sorte, você pode dá de cara com alguns globais almoçando na mesa ao lado da sua.

Um café e fui pra casa passando pela pedra do Arpoador que se encontrava lotada de gente a ver o por do sol. Mais uma vez, uma quantidade muito, mas muito maior, de gente a fumar maconha. A pedra virou um enorme cachimbo de pajé. Até eu saí de lá “chapado” com a maresia que respirei sem ter para onde correr.

Um abraço e... até amanhã.

Wanderley Lucena

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Brasília-DF, 01 de           Outubro de 2011.


Caro Amigo;


É claro que preferia o conforto de um bom hotel ao apartamento alugado para a temporada aqui no Rio. Sai bem mais barato e vale à pena se você não for dos mais exigentes. Em compensação você é que tem de manter a higiene ou pagar uma faxineira. O café da manhã você mesmo terá de fazer.  Eu até gosto de alguns dos afazeres domésticos, entretanto, confesso, sou avesso às outros.

Fui, ontem a um bar da moda,  à noite, em Ipanema. O ambiente era moderninho e a rapaziada também. Mas eu não estava na mesma energia que meus pares. Eles se divertiram por demais e, hoje, tinham estórias mil a contarem-se uns aos outros. Achei o lugar caro e contive-me dos gastos exagerados.

O sol deu as caras com tudo novamente e me fui com todos os protetores solares já passados, rumo à praia de Ipanema. Os gringos gastavam seus ricos dólares e se excitavam ante a pouca roupa de nossas lindas mulatas. Vendedores de abacaxi, sacolé, empadas, sanduiches, guará viton, salada de frutas e etc... e tal, empesteavam a praia nas suas idas e vindas, aos berros a anunciar  o seu produto. A temperatura da água do mar estava uma delícia e adorei ficar de molho por um tempo, a boiar relaxado sobre ela.

Já era fim de tarde quando fiz o caminho volta, a pé. Olhei o contraste dos prédios com a favela encravada no morro do Cantagalo. Fiquei com inveja dos favelados e sua visão do alto do morro rumo ao mar de Ipanema e Copacabana. Uma visão paradisíaca.

Um dia sol mas sem grandes emoções ou expectativas. Amanhã, ao contrário, é o dia em que estarei com todas as energias voltadas para a cidade do rock. Economizar a energia hoje para descarregar amanhã. Essa é a ordem!

Um abraço

Wanderley Lucena
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Rio de Janeiro-RJ, 02 de Outubro de 2011.

Caro Amigo;

Uma emoção botar os pés na cidade do Rock. Muita coisa pra ver. Sem falar nos shows, um logo depois do outro. Dois palcos, um deles, do tamanho de um prédio de dez andares. A maior expectativa era com o Cold Play, mas a banda Manah, do México e o grupo Maroon Five, que antecedeu ao grande show, já valia o ingresso que me custou uma baba. Quando o Cold Play subiu ao palco... Jesus! Fogos, luzes demais, raios lazer, chuvas de papel laminado, efeitos especiais na tela de LED. Foi lindo, meu amigo! Pena que você não estava aqui.

Cheguei em casa com a certeza de que entrei na terceira idade mesmo. Meus pés em frangalhos, mas, o pior era a coluna  que parecia que ter sido esmagada por um carro tanque. Tomei um banho com muita dificuldade e me joguei na cama. Acordei por volta do meio-dia de hoje. Ainda estou ressaquiado. Mas valeu muito a pena.

Hoje ainda fui à praia, aqui no Leme mesmo, bem em frente ao prédio. O tempo, aberto de início, foi fechando .ao longo da tarde. Mas entrei no mar em despedida nostálgica. É que amanhã volto pra Brasília. Tomara que a seca daí já se tenha ido. Tão log eu chegue, espero sua visita pra um café literário, ou um papo frugal para falarmos dos outros.

Um abraço!

Wanderley Lucena
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Rio de Janeiro-RJ, 03 de Outubro de 2011.

Caro Amigo;

Eu e minhas trapalhadas. Achei que hoje já era 4 de outubro, dia do meu embarque. Me levantei de madrugada, saí correndo para o aeroporto e, depois de fazer check in, quando já embarcava as malas, quando descobriram que eu estava antecipado em um dia.

Voltei frustrado para o apt ao qual já estava sem as chaves que havia jogado por debaixo da porta. Tentei, pelejei até... puxar a chave com um arame que encontrei, mas... nada. A danada foi parar do outro lado da sala e nao tinha vara que a alcançasse. Tive de chamar o chaveiro e foi ele quem conseguiu abrir a danada. Paguei uma baba pelo serviço do profissional, sem falar no táxi de ida e volta para o aeroporto.

Enfim, coisas de Lucena. Minhas trapalhadas às quais você já está é acostumado. Mas são essas trapalhadas que me rendem essas estórias que, depois vou lê-las e rio até. Espero que você também.

Amanhã nos vemos em Brasília. Um abraço e até amanhã.

Wanderley Lucena

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

ABDUZIDO POR UM E. T. PASSARINHO


Almocei sozinho e fui pagar a conta. Saquei a carteira do bolso e quando a olhei de perto não reconheci. Não era minha a carteira que estava em meu bolso. A carteira era de meu amigo que se encontrava, naquele momento, em minha casa a usar, de favor, a minha internet.

Peguei o cartão de crédito dele e entreguei à moça do caixa, certo de que, depois de explicar ao meu amigo a situação, ele não se importaria de eu ter usado seu cartão de crédito naquela emergência. Tudo bem se o caixa não tivesse me mandado digitar a senha do cartão na maquina. O cartão era de chip e precisava, obrigatoriamente, de uso da senha. Retirei o cartão e pedi um tempo.

Peguei meu celular no bolso da bermuda e liguei para meu amigo que, com certeza me passaria a sua senha. Senti vibrar o outro bolso da bermuda e um celular a tocar. O celular do meu amigo também estava comigo. Fiquei espantado e encrencado, sem saber como pagar a conta. Onde estaria a minha carteira? Com sorte, na minha casa. Não me restou alternativa a não ser chamar o gerente e explicar-lhe a situação. Deixei nome e telefone para que a conta pudesse ficar pendurada e eu pagá-la depois. 

Já saia com meu carro da garagem a céu aberto e empurrei o cartão do estacionamento na maquininha que libera a cancela quando, sobre ela, pousou um passarinho todo faceiro, olhando para um lado e para o outro, cantando feito um louco, na altura da minha mão, a menos de meio metro de mim, sem medo algum. Ele ignorava totalmente fato de eu ser predador natural, o meu tamanho ante o seu, o barulho do carro ou a cancela a se levantar. Eu poderia tocá-lo com minha mão tranquilamente. Fiquei ali parado a observá-lo por uns minutos e acelerei o carro em seguida, deixando-o ali, sobre a maquininha, a cantar, como se rindo da minha cara. Olhei o céu limpo e azul do planalto central esperando ver alguma nave espacial. Nem uma nuvem sequer. Tudo azul.

Pensei, ainda no restaurante, que tinha sido abduzido. afinal, a carteira do meu amigo em nada se parece com a minha e o celular muito menos. Quando vi o passarinho, tive certeza ser ele o E. T. que estava ali naquela forma alada, a gozar de minha cara.

A minha carteira eu tinha mesmo esquecido em casa. Não fumei nada. Aliás, não fumo nada. Mas se tivesse fumado, a danada tava estragada. Mas o juízo é que não achei até agora.

Wanderley Lucena

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

UMA REFLEXÃO SOBRE FÁBULAS



Do alto de seu púlpito, falando para um público cauterizado pela ignorância, aos berros, com total empáfia e demonstrando desrespeito para com a religião alheia, o pastor contava aos incautos ouvintes a estória de Lord Ganesha, deus do riquíssimo panteão indu. Eu já estava a me retirar, não só porque já conhecia a estória desse deus, mas, também por desprezar a forma como aquele pastor ridicularizava o lord Ganesha e todos os que nele acreditam. Mas eu fiquei curioso para saber o desfecho daquele discurso insano e me preguei no banco duro de madeira. 

Lord Ganesha, segundo a fábula, já estava concebido no ventre da esposa de um guerreiro que saíra para a guerra desconhecendo que a deixara grávida. Ao retornar para sua casa, sete anos depois, encontrou a brincar o menino de seis anos de idade. O guerreiro concluiu que sua esposa o havia traído quando de sua ausência e, enfurecido, sacou da espada e degolou a cabeça do menino. A mãe em desespero saiu à procura de um animal qualquer ao qual pudesse cortar-lhe a cabeça para grudar no corpo de seu filho desfalecido. O primeiro animal que lhe apareceu foi um elefante. Ela lhe cortou a cabeça e grudou no corpo do menino que virou, desde então, Lord Ganesha, deus destruidor dos obstáculos. 

O pastor peguntava aos presentes como alguém podia acreditar numa estória tão infantil, ingênua e ridícula, dentre outros adjetivos nada respeitosos. Todos riam do que o pastor dizia. Menos eu que, indignado, procurei o pastor, por pura prudência, depois do culto, para perguntar-lhe se ele acreditava que uma serpente falara, em voz audível, com a Eva no paraíso. Se ele acreditava que tudo havia sido criado em seis dias, do nada, e que seu deus, todo poderoso, cansou-se a ponto de decretar feriado no sétimo dia. Se ele acreditava que Jonas havia sido engolido por uma baleia que, depois de alguns dias, empanzinada com a indigesta presa,  o vomitara vivo. Que um jumento falara com quem o surrava. Que Jesus um dia virá, montado num cavalo branco sobre nuvens, com todo o seu exército, flutuando sobre elas como se nem peso de algodão tivesse, etc... etc... etc...

O pior é que a sua resposta foi afirmativa, embora, seus olhos demonstrassem total insegurança. Eu lhe informei que tais estórias, contadas todas no "livro da verdade", a bíblia, eram tão fantasiosas, ingênuas e infantis quanto a deus Ganesha. 

É que o macaco senta encima do rabo e dana a falar do pitoco do coelho. O telhado é de vidro mas... vamos jogar pedra no telhado dos outros. Me retirei do ambiente certo de que ali não mais voltarei. Só não foi tempo totalmente perdido porque deixei no pastor a insegurança e, queira Deus, a reflexão. 

Wanderley Lucena

domingo, 18 de setembro de 2011

Janela Indiscreta

Fazia tempos que via desde uma de minhas sacadas - e nem são tantas assim - duas moçoilas e uma septuagenária, nuas em pêlo, a desfilarem pelos cômodos de seu apartamento. As moças enfiavam as mãos nas suas cavidades íntimas, como que a se coçarem por causa de algum cricri, enquanto conversavam umas com as outras, descontraidamente. 

Talvez não soubessem que os vidros fumês de suas janelas as protege dos olhares externos apenas durante o dia e que, à noite, de luzes acesas... de fora para dentro tudo se vê e que, ao contrário, quem está de dentro, nada vê a fora. Inverte-se o efeito fumê das vidraças.

As moçoilas jamais poderiam posar nuas para qualquer revista masculina e a septuagenária... Embora não gostasse do que via, permanecia hipnotizado a olhar a intimidades das moças.  Mas comprei uma lanterna neon e, numa noite em que se encontravam mais à vontade do que a Eva no Paraíso, danei a piscar o neon na direção delas. Muito tempo depois elas me perceberam e, assustadas, cobriram-se em toalhas de emergência.

Do outro lado do meu ap, noutra sacada, há tempos atrás, um rapaz, andava para lá e para cá, todas as noites, segurando um telefone com os ombros à orelha, nuzinho como Adão antes de perceber-se em pecado. Não só nuzinho, mas excitado, a fazer sexo consigo mesmo, num vai-e-vem frenético com uma das mãos - nada que o caro leitor nunca o tenha feito - em êxtase, a revirar olhos... e, por vezes, a atacar a geladeira com as partes traseiras arrebitadas na cara de quem o via. Se satisfazia o guloso, nos dois sentidos.

Não sei se o moço entrava em transe depois de fumar algumas folhas colhidas do imenso pé de maconha plantado em belíssimo vaso, com certeza, chinês, talvez ming, que estava postado, devidamente, de forma a pegar o sol dos trópicos. Impressionante a vitalidade da planta e a do moço ao fazer-se sexo todas as noites, talvez, sabendo que podia ser observado desde o meu prédio por quem o quisesse.

Mas o tal moço mudou-se e ocupou o mesmo apartamento um outro rapaz gordinho - e "gordinho é apenas para não ser agressivo sem necessidade - que decidiu dá novas cores às paredes. A pintura, feita por ele mesmo, era sempre efetuada à noite, com o dito cujus de pincel em punho - e tudo bem...  a beleza está nos olhos de quem ver - vestido em uma cueca tamanho "P", mostrando a quem quisesse ver, o seu imenso cofre e seus imensos pneus, além dos pêlos degringolados que lhe cobriam o corpo e que me lembravam, em muito, um gorila que vi certa vez no Geographic Channel. Pelo menos o gordinho não tinha nenhuma erva plantada na cozinha em vaso paraguaio.

No mesmo prédio das moçoilas, doutra feita, um pintor, dessa vez, profissional, também à noite, decide dá uma pausa no seu árduo trabalho de pintura num apartamento vazio e, pára pra descansar um pouco de sua labuta, a olhar displicente pela janela, protegido pelo mesmo vidro fumê. O rapaz começou a acariciar-se e, os mesmos movimentos frenéticos de vai-e-vem deixaram o pintor tarado a contorcer-se, a abrir a boca e a roçar os lábios com a língua. Uma cena medonha que podia ser vista por uma imensa platéia.

Considero que tais cenas fazem parte da modernidade. Coisa de quem mora num conglomerado de prédios. Mas se eu morasse num sítio as cenas seriam com as galinhas, com os porcos, com as joaninhas, enfim... considero que é coisa de quem está vivo. Tanto de quem viu, quanto de quem fez. Ademais, é melhor que ser ser cego.

sábado, 17 de setembro de 2011

TEMPO, TEMPO, TEMPO.

É incrível como, no melhor da vida, quando curto minha sonhada e merecida aposentadoria, o tempo passa rápido como um trem. O dia ficou menor, muito menor. Acordo, tomo meu café, mal entro no computador, dou uma fuçada na net e já é hora do almoço. Depois de fazer uma "siesta", quando dá, já é hora de ir pra academia. Chego em casa e já está na hora da novela das seis. Logo já ouço jingle do Jornal Nacional. Um lanche noturno e já estou vendo meus lençóis a me chamar, como se feiticeiros, a lançar-me a algum tipo de encantamento. Quando menos espero já estou no braços de Morfeu. 

Fico pensando que se o tempo passa, a idade aumenta. Se a idade aumenta, a morte se aproxima. E queira Deus morra eu de morte morrida e não de morte matada. Bem que o relógio podia atrasar. As horas podiam passar mais devagar. O dia podia ter o dobro de horas. O ano podia ter o dobro de dias. 

É bem verdade que acordo mais tarde. Saio quando quero e sem hora pra voltar. Não tenho a rotina obrigatória do trabalho. Tenho a rotina inevitável dos afazeres domésticos. Acordar é necessário, assim como, preparar o café, sair pra almoçar, pra ir ao banco... e assim por diante. Mas certo é que o tempo se esvai como a areia por entre os dedos. 

Certa vez ouvi o Paulo Autran a dizer que a vida só é boa por causa da morte. Sem a morte, a vida seria um verdadeiro inferno, dizia ele. E concordo. Mas cadê a fonte da juventude? Juro que transformaria a minha vida em inferno. Beberia uma garrafa da tal água. Talvez tomasse um porre. Andaria borracho a sorrir, a cantar, a dançar e... riria para as paredes. 

Se não tenho a fonte da juventude, sugarei até a última gota do que a vida me oferece. Viverei intensamente. E nessa caminhada levarei o mínimo de bagagem. Pararei para falar com estranhos e farei amizade com eles. Não quero saber: me recuso a está morto em vida. Vive la vie! Vamos a Paris?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

DESEJOS DE CRIAÇÃO


Esse negócio de escrever parece que vicia. Tem horas tenho desejos de escrever. Desejos de criar uma banalidade, uma trivialidade, talvez, uma densidade. Só pra escrever mesmo. Escrever por escrever. Manifestar-se vivo. Como quem ataca a geladeira mesmo sem está com fome.

Por vezes fico pensando mil coisas, mas nenhuma delas me serve de inspiração. É como olhar para dentro da geladeira lotada e nada querer comer porque  nada abre o apetite. É chato quando não vem a inspiração. É como um empanzinamento, uma má digestão, uma azia, uma queimação estomacal.

Por vezes, quando menos espero, vêm frases, estórias completas, idéias mil. Um redemoinho invertido que desce desde os céus e despeja sobre minha cabeça, borbotões de inspiração. Tudo na mesma hora, ao mesmo tempo. Por vezes, corro para o computador e dano a digitar sem parar. Depois é fazer as correções e postar. 

Tem horas que não adianta... mesmo que a inspiração seja ótima, a preguiça é maior. Fico tentando gravar na minha mente tudo o que se me passa. No outro dia, quando tento lembrar, muitas delas já se  me foram e, por mais que eu force, nada do que se me ocorreu ontem, se me vem hoje.

O que acabo de escrever é, por exemplo, um desses momentos de improdutividade, de inércia criativa. E não é que acabei produzindo!

Agora... deixa eu ir ali na cozinha ver o que tem na geladeira!

Wanderley Lucena

sábado, 3 de setembro de 2011

VINAGRETE SEM VINAGRE



- Quando vais me fazer uma das tuas personagens em um dos seus contos? - perguntou-me o amigo Beto, à minha frente, numa mesa de boteco da cidade.

Causou-me certa surpresa que meu amigo estivesse a esperar que eu o fizesse personagem em alguma das minhas estórias frugais.

- Talvez neste momento estejas virando uma... - respondi bem humorado - ...ou não! - conclui em tom debochado e aos risos.

A noite estava com um vento gelado e incômodo. O serviço do bar não era do melhores, mas, estava a contento. De repente, a farofa que acompanhava meu espeto de frango, veio para o meu colo num movimento em falso do meu garfo e tudo que era de farinha voou para fora do prato, por sobre a mesa e para  o chão... mais parecendo uma tempestade de areia no Saara. Sim, era um garfo mesmo. Farofa com garfo, creia-me!

Acompanhava o espetinho, uma vinagrete sem vinagre. Percebi a carência do ingrediente e perguntei pelo vinagre do vinagrete ao simpático garçon que, depois de algum tempo, retornou informando-nos que não havia "vinagre" no estabelecimento. Sim Senhor! Farofa com garfo e agora... vinagrete sem vinagre. Pedi limão e me veio um quarto dele. Tudo bem... estavam a economizar nos sabores azedos. Mas eu era que começava a azedar... e azedo fico ácido por demais.

Fui explicar ao meu amigo e ao garçom que "vinagrete" vem de "vinagre", portanto, aquilo não era "vinagrete". Meu papo era quase tão chato quanto o do casal da mesa ao lado. Dois professores de matemática engataram, em alto e bom som, um colóquio "cabeça" sobre álgebras, triângulos e hipotenusas. O professor, inflado como um pavão, tentava impressionar a professora com sua vasta experiência como mestre de matemática. O mais surpreendente é que parece que conseguia, pois, a professora parecia encantada com ele e suas divagações. Mal conseguíamos disfarçar a vontade de sairmos "voados" para mesa em canto oposto ao deles ou do próprio estabelecimento, de uma vez por todas.

Em seguida, uma garçonete nos trouxe novo espeto de frango sem que houvéssemos pedido. Houve duplicidade de pedidos. Entretanto, precavidos, o aceitamos sem qualquer objeção, haja vista, nossa fome e o serviço lento.

Bem... mas agora vou concluir a presente crônica porque tenho de ligar ao meu amigo para que ele a leia e constate que, finalmente, virou personagem e não mais vai poder me cobrar por tal negligência.

Wanderley Lucena