sexta-feira, 11 de junho de 2021

A Barra anda muito Parisiense

1 - Numa galáxia a milhões de anos luz da minha:

Andy Warhol, o artista plástico e cineasta norte-americano que catapultou a cultura gráfica do século XX e que impulsionou o “Movimento Pop”* nos anos 60, criava suas imagens ao utilizar motivos e conceitos de publicidade em suas obras. Os múltiplos motivos serigráficos, com suas repetições mecânicas em cores vibrantes e explosivas, chocavam as massas de consumo, mas também as hipnotizavam a ponto de o seu trabalho tornar-se icônico. Desde as latas da sopa Campbell à garrafa da Coca-Cola; de Marilyn Monroe, Liz Taylor, Michael Jackson, Elvis Presley, Brigitte Bardot, Mao Tsé-Tung, Guevara, até o nosso Pelé, todos viraram símbolos pop ao serem reproduzidos em série nas variações de suas cores. 

David Bowie, "O Camaleão" do Rock, na década seguinte, distinguiu-se no cenário artístico mundial por sua capacidade vocal e intelectual, mas principalmente pela capacidade de se reinventar, enquanto figura pop. Extravagante e andrógino**, reinventava-se continuamente não apenas por meio da sua inovação musical, mas, especialmente, por conta das suas multifaces visuais. Além de ter sido dos artistas que mais influenciou e modificou vidas, segundo o seu biógrafo David Buckley, auxiliou em lutas de importantes movimentos sociais, como o da libertação gay. 

 

2 - Na nossa galáxia e no momento presente:

- Depois de longo tempo a viver nas grandes cidades do Brasil onde fiz minha independência, sempre com o intuito de voltar a Barra do Corda, cá estou e já lá se vão pra mais de 10 anos, 5 dos quais vivi praticamente recluso, com certo receio de me libertar completamente. Hoje, todos sabem que sou homossexual e sou muito respeitado na cidade, inclusive.

- Sério? E como você conseguiu se readaptar? Eu acho que eu não conseguiria mais não.

- Aqui também se vivem muitas histórias e a cidade pulsa com uma cena cultural muito latente, mas alentada. Depois de 5 anos recluso em minha casa, eu conheci um rapazote, quase um adolescente, de apenas 17 anos, em relação a quem muito relutei para não me deixar envolver. Se, entretanto, até Violeta Parra, a cantora Chilena, aos 55 anos apaixonara-se por um rapazote de 17 e, vale citar, desse amor surgiu a composição "Volver a los 17"; frise-se, uma das belas músicas do Cancioneiro Universal. Por que não eu também, que tinha então os meus quase 50? Joguei-me e, de repente, já era tarde! Estava mortalmente apaixonado. Aliás, foi esse rapazola que me levou a conhecer a noite barra-cordense ... e que cena, meu amigo! Acontecem tantas coisas na cena da noite cordense, que até deus duvida.

- Que história maravilhosa essa! Incrível!

- E agora estou me relacionando com um velho, mas, quando digo velho, é velho mesmo e eu, simplesmente, o adoro! É uma pessoa sofredora, um homem simples, da roça, porém, quando ele chega aqui a casa, transforma-se no que há de mais vanguardista em arte. Gosta mesmo é de apanhar, o safado. De apanhar muito!

- Você está de brincadeira?!!

- Falo a verdade...

Então, contou-me ele mais umas mil histórias tão loucas que me arrebatou, transportando-me para o bairro boêmio e decadente de Paris, Montmartre, onde tive a grande sorte de me hospedar, numa das minhas viagens à Cidade Luz... e foram apenas duas, nem foram tantas assim.  Ali, em Monmartre, todavia, acompanhado de minha irmã mais nova - para não ficar dúvidas de que nunca me utilizei do mercado sexual típico de lá - em ambas as vezes, reitero, se não o fiz, foi por não ser adepto do que se poderia qualificar como uma aberração desrespeitosa ou anomalia comportamental, em face da qual sempre vou opor alguns escrúpulos pessoais para poder discordar, conquanto não seja dado a censuras. Já cada um deve cuidar do seu próprio traseiro, creio. À ocasião, pude perceber a agressividade da liberdade que se manifestava por meio das vitrines, expostas de frente para a rua, como se fosse uma padaria que estivesse a mostrar os pães sobre o balcão; com toda a variedade de produtos para todos os tipos de práticas sexuais. O que se quisesse buscar, em todas as vertentes mais loucas da sexualidade, creio, ali se podia achar.

Enquanto eu pensava na cena parisiense, ele prosseguia no seu peculiar relato da sua boemia nas noites cordenses.

 

3 - Na minha própria galáxia, a milhões de anos luz daquela dos artistas citados:

Escrevo esta crónica muito louca, a qual alguns denominarão corajosa; os pudicos e carolas a batizarão de imprópria; já os preconceituosos de plantão vão considerá-la uma peça publicitária do movimento LGBT, ao qual sequer pertenço. 

Enfatizo que, embora sinta que a minha galáxia situa-se à distância astronômica, em anos luz, daquela pertinente aos dois monstros do movimento pop referenciados, talvez, possa ter eu a soberba de querer estar a produzir minha versão pop tupiniquim, desde Lisboa para Barra do Corda, a Princesa do Sertão, minha amada cidade natal, minha Macondo mágica; bem assim para quem mais me leia nesse mundão afora. Reconheço minha insignificância ante a realidade muito aquém da perfeição, doida e vanguardista, de ambos os artistas. 

Se a minha crónica lhe causou qualquer emoção, mesmo que desconforto, constrangimento ou até repulsa, atingi o meu objetivo. Meu desejo, no entanto, é realmente que o meu leitor tenha se apercebido de que a vida é meio caleidoscópica e que se movimenta o tempo todo, em átimos multicores. Ela pode ser linda e até mesmo nos hipnotizar, tal qual um caleidoscópio***.

 

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*Pop Art (ou arte “popular”) - movimento artístico surgido na década de 1950 no Reino Unido e que alcançou sua maior expressão nos anos 60, nos Estados Unidos. 

**Andrógino - indivíduo que mistura características masculinas e femininas, em um único ser.

 

***Caleidoscópio - aparelho óptico formado por um pequeno tubo de cartão ou metal, com pequenos fragmentos de vidro multicoloridos e que, por meio do reflexo da luz exterior, apresenta combinações de mandalas, a cada movimento das mãos que o seguram, produzindo um agradável efeito visual a quem lhe olha.

 

WAN LUCENA

 

2 comentários:

  1. Sinceramente nenhum desconforto ou constrangimento, o mundo ou galaxias nossas, a que escolhemos viver pode ser tudo, ou de tudo um pouco, pop, Venusiana, ão foi meio rebuscada e surreal, mas sim com uma pegada pop, já que a vida também imita a arte, artisticamente falando, a vida ganha cores ao que nos revelamos, e mais, nos livra e nos torna mais libertos de si mesmos, obrigado

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  2. Meu amigo ler suas crônicad é simplesmente uma delícia!
    Chocada? Jamais!!
    Seus textos são instigantes e, me faz fazer caras e bocas 👄

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