O Cine Ideal está para Lisboa, assim como o Cine Canecão esteve para Barra do Corda. O Ideal está ao lado da Praça Luís de Camões, o Canecão situava-se na Praça Melo Uchoa. O Cine Ideal permanece discreto e quase imperceptível aos olhos mais desatentos, mas sua discrição comercial é cultura da cidade lusitana, imposta por leis rígidas que impedem a aplicação de painéis e letreiros que impliquem a quebra de harmonia das cidades portuguesas. Um simples anúncio do estabelecimento que fique da porta para fora, mesmo que pregado ao vidro ou à parede, pagar-se-á caro para se ter; e quem desobedece às normas recebe altas multas. Segue-se o raciocínio de que, da porta para fora, a área não é sua, mas de todo mundo.
Eu já tinha decidido que numa hora qualquer, um dia, iria assistir a um filme no Cine Ideal, só para eu sentir o déjà vu do Cine Canecão. Eu era um menino quando ali assisti a As Sete Faces do Dr. Lao, e naquele local entrei apenas uma vez. Nossas condições financeiras não nos permitiam comprar ingressos para assistir a filmes sempre que nos batesse a vontade. Lembro-me, entretanto, em flashes mentais
Um chinês, mestre em disfarces, que, dentre tantos outros, se tornava cobra e até dragão. Certo é que aquela sessão matinê foi algo muito desejado já que, todas as noites, da minha rede na rua do Sítio dos Ingleses, numa completa escuridão - ainda não tínhamos energia na rua -,eu ouvia os megafones do Cine Canecão a tocar os saudosos temas dos filmes de faroeste. Então dormia, a ouvir aquele assobio e aquela guitarra de Ennio Morricone, do filme Por Um Punhado de Dólares. Sentia-me transportar para um mundo muito diferente daquele no qual vivia.
Quando me dirigi ao Cine Ideal eu não sabia muito bem a que assistiria. Não sabia, nem me importava. O que eu queria era sentar-me na cadeira e sentir-me, outra vez, no Cine Canecão.
Na sessão do Cine Ideal, um desenho animado: "As Andorinhas de Cabul". Uma produção francesa de desenhos em aquarela, que narra um drama terrível vivido pelas mulheres no Afeganistão, sob o regime das trevas dos talibãs.
Um talibã, com a esposa com um câncer terminal, se apaixona por uma jovem prisioneira que, por acidente, havia matado o marido. Condenada à morte por apedrejamento, no meio de um estádio de futebol preparado para o espetáculo de horror e de mau gosto, ela espera pelo cumprimento da sentença numa prisão onde ele é o diretor... Depois de tê-la visto sem a burca, ele passa a buscar uma maneira de ajudá-la a fugir, sem se dar conta de seus sentimentos reais.
A burca, conquanto haja muita controvérsia, é aquela veste feminina que cobre todo o corpo eque o diabo inventou só para humilhar as mulheres muçulmanas, sendo, em alguns países,obrigatória até hoje. Não é permitido aos homens ver as mulheres, mas, acidentalmente, ele viu o seu rosto. Então, a esposa, com enfermidadeincur
Ele lhe conta da prisioneira e lhe informa a sua vontade de salvá-la por meio de uma fuga. No dia do fuzilamento, ainda na prisão, percebe que por baixo da burca está, não a prisioneira, porém, sua esposa com câncer terminal. A prisioneira fugira. A esposa, naquele momento, lhe informa que o amor o resgatara. Por toda a vida ela tentara, em vão, despertar nele o sentimento que o levara a chorar aos cântaros. Ela o amava tanto que o libertou para viver o seu novel amor.
As Andorinhas de Cabul voam sempre que ouvem a algazarra dos tiranos a disparar fuzis e metralhadoras nas suas arruaças cruéis pelas ruas empoeiradas da cidade de Cabul. O canto triste e melancólico dessas aves é ouvido nas cenas rotineiras e cotidianas das personagens na cidade,tétrica e deserta.
Ocorre que o final não é nem um pouco feliz e não lhes contarei para não estragar o filme, de antemão. Advirto, entretanto, que não é um desenho indicado para crianças. Trata-se de um desenho cult e sensível, o qua
A propósito, por falar em cult, o Canecão era muito cult. Essa expressão não existia naquele tempo, eu acho. Hoje, todavia, sei que o Canecão era muito cult. Aliás, penso que um desses empresários cordenses, mais saudosista e afinado com a sétima arte, bem que podia ressuscitar o Canecão. Eu acho que seria um completo sucesso, com fila maior que a da Caixa Econômica em dia de pagamento de auxílio-emergencial.
Se as histórias de Cabul, envolvendo Talibãs,semp
Wan Lucena
Esta crónica foi publicada originalmente na Revista Eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos
Turma da Barra: https://www.facebook.com/jornalturmadabarra/posts/1964905437008169
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