terça-feira, 13 de abril de 2021

Mil Faces

 

Eu admiro quem é apenas "um", 24 horas por dia, 365 dias por ano, a vida toda. Admiro quem pensa ser possível conseguir tal façanha. Eu confesso nem acreditar que de fato exista um único ser humano capaz de tal proeza. Seria o mesmo que afirmar jamais ter mentido na vida, nem que fosse por uma única vez. Eu não quero, entretanto, fazer aqui alguma apologia à falsidade, de maneira nenhuma. Aliás, tenho aversão aos falsos. 

Quero afirmar, contudo, que aquele que somos na intimidade, na solidão entre quatro paredes, e de porta trancada, nunca é o mesmo que se apresenta para almoçar à mesa com a família ou aquele que vai ao mercadinho comprar um maço de coentros a mando da esposa que precisa terminar o almoço. 

Aquele pastor evangélico que prega a moral e os bons costumes não é o mesmo que se aproveita de determinadas situações para fazer justamente o contrário de tudo aquilo que costuma pregar, quando vai, de férias, para algum cafundó paradisíaco, onde ninguém o conheça. Tal e qual o padre que reza a missa investido de todas as paramentas ungidas de santidade, mas que eu, se pai o fosse, nunca permitiria a meu filho tornar-se seu "coroinha"; ainda que, sabemos nós, para todas as regras existem exceções.

Já o sábio Salomão, todavia, do alto de sua riqueza e vaidade, segundo a bíblia, já dizia: “olhei o mundo e tudo o que vi foi vaidade”. 

É nesta fogueira das vaidades, cotidianamente, que cada um põe a sua máscara e fantasia e sai pelas ruas a tentar convencer, ao máximo, que é mesmo aquilo que se apresenta.

 Eu me assumo, como em meus muitos papéis, e o faço por educação ou por obrigação mesmo. Por vezes, fica difícil manter a máscara e não dizer o que eu realmente gostaria, pois isto ou aquilo talvez choque a plateia pudica. Este é um dos momentos mais periclitantes da minha cena. O autocontrole é essencial a quem deseje que o reboco grosso da máscara, na cara, não se derreta. 

Daí, então, lembro-me de Fernando Pessoa, com seus muitos heterônimos, nos quais assumia personalidades tão distintas, sem que o identificassem e, por meio dos quais, dizia o que jamais diria em seu próprio nome. 

 Lembro também o caso daquele, ou daquela, no interior do Goiás, não sei ao certo, mas saiu em tudo que foi jornal, que fora casado por mais 40 anos com uma senhora, cujos filhos ajudara a criar e que, além de bom pai, também tinha sido um bom marido e, surpreendentemente, apenas depois de morto é que foram descobrir que era “ele” do sexo feminino. 

Vestir-se de pessoa educada e não fazer, à frente dos demais, aquilo que fazemos desleixadamente na nossa intimidade pode ser sinônimo de muito boa educação ou, simplesmente, de falsidade. Só depende da situação e do indivíduo. 

A autenticidade pode ficar em segundo plano, desde que a sociedade e sua cena sejam preservadas. Quem pouco se disfarça legitima-se por ser autêntico e isto incomoda muita gente. Quando a autenticidade, entretanto, for demasiada, aí vai ser considerado apenas um louco. Cite-se, por oportuno, se não me engano, o Erasmo de Roterdã, cerca de 500 anos atrás, em seu livro, O Elogio da Loucura, já satirizava que a loucura podia ser uma benção e nela se podia viver a verdadeira liberdade. Quem sou eu para discordar? 

Nesta mesma linha de raciocínio, lembro a Balada do Louco, tão bem interpretada por Ney Matogrosso, o mestre dos mil disfarces, o nosso camaleão tupiniquim, talvez o mais autêntico dos brasileiros: 

 Dizem que sou louco por pensar assim 

Se eu sou muito louco por eu ser feliz 

Mas louco é quem me diz 

E não é feliz, não é feliz 

Se eles são bonitos, sou Alain Delon 

Se eles são famosos, sou Napoleão 

Mas louco é quem me diz 

E não é feliz, não é feliz 

Eu juro que é melhor 

Não ser o normal 

Se eu posso pensar que Deus sou eu 

Existem os que muito bem se disfarçam, à luz da filosofia ou sob a sombra da hipocrisia, e assim se aproximam ou se afastam da sua essência. Permitam-me lhes afiançar que não importam a estratégia nem o disfarce utilizados, se educado ou apenas louco; o fato é que – ninguém - nunca conseguirá agradar a todo mundo. Repito, enfim, o que Sartre declarou: “o inferno são os outros”; e como se diz no marketing midiático: “falem mal, mas falem de mim”. 

No dia em que os outros nos esquecerem e de nós nada falarem é porque já teremos morrido; e se morre muitas vezes sem que, no entanto, se esteja sepultado. É a morte em vida! Esta é sempre a pior das opções, ao menos para mim. 

Busquemos o equilíbrio. Aristóteles já ensinava que "o equilíbrio está no meio". Veja-se a balança de pratos. Quem não usa as suas máscaras suicida-se, igualmente a quem – sempre - as use. 

Quem sou verdadeiramente? Talvez este “eu” que se assume ser vários! 

Wan Lucena

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