A paisagem que se vê desde o Miradouro*
de Santa Luzia é de fazer babar aos mais insensíveis. Os telhados vermelhos e
as fachadas azulejadas dos edifícios de Lisboa colorem a sua paisagem abaixo e,
mais adiante, um imenso espelho - Rio Tejo - no horizonte, riscado pelos navios
cruzeiros que chegam e partem lotados de turistas. Dali ainda se veem as
abóbadas – peculiares domos sagrados - das igrejas, e as ruas típicas, sempre
apinhadas das gentes da cidade. Do outro lado, as cidades de Almada, Alcochete,
Montijo e várias outras.
O miradouro, por si só, já é
desbunde aos olhos. Há um imenso pergolado que sustenta os bougainvilles,
de floradas exuberantemente rosadas, os quais sobem pelas paredes da Igreja de
Santa Luzia, situada no mesmo local, e que se espalham a sombrear os casais
enamorados e os artistas que por ali ganham seus trocados. Ademais, todas as
paredes da referida igreja, assim como as muretas do miradouro, estão cobertas
por centenários azulejos portugueses, em cujos quadros pode-se contemplar cenas
históricas das aventuras e das glórias portuguesas.
Aos fundos da linda igreja, o
visitante, mais curioso e atento, perceberá uma escada discreta e, se por ela
subir os degraus, achará um platô** onde funciona um Café; ali poderá sentar-se
a observar toda a cena, confortavelmente, enquanto se refresca com uma boa cerveja
ou saboreia um delicioso “drink”.
A Igreja de Santa Luzia, também de
telhados vermelhos, não é tão grande, mas é superbém cuidada e se mantém
altiva tanto quanto a coluna do seu guardião: um senhor de uns 90 anos, magro e
narigudo; vestido em um uniforme jaquetão garboso, azul petróleo, com uma medalha da
Cruz de Malta no peito e um bigodinho indefectível, como não poderia deixar de
ser. Respeitoso e rígido como um militar de plantão numa guarita, mãos para trás em completa
subordinação, devidamente enquadrado por trás do balcão, logo à entrada, recebe
os visitantes ou pagadores de promessas. Ali, sobre o balcão, numa cesta-gazofilácio***
são depositadas as oferendas e as esmolas.
- Muito bom dia e seja muito bem-vindo à
Igreja de Santa Luzia! - assim me recebeu, com distinta simpatia, o fiel
soldado-guardião de Santa Luzia.
Ao perceber que eu era
brasileiro, esclareceu:
- A nossa Santa Luzia é brasileira, o
senhor sabia? - Claro é que eu não sabia. O que eu sabia, até então, era que o
Brasil não tinha santos reconhecidos pelo Vaticano.
- Brasileira? Como assim? - Indaguei com enorme curiosidade e ele acompanhou-me até ao oratório e, à minha direita, discreta e sem enfeites, sem brilho ou velas, encontrava-se uma estátua em madeira, de cor marrom como um hábito franciscano, de pescoço longo que, com todo o respeito, me lembrou a Olívia Palito. As suas formas mostravam com exuberância uma mulher de saias esvoaçantes e cabelos tão volumosos e ondulados que faziam o seu rosto ficar minúsculo.
- O senhor sabe quem esculpiu a nossa
Santa Luzia? - Perguntou-me o velho guardião.
Como eu poderia saber? Eu acabara de chegar a Lisboa e não sou grande conhecedor de artes, muito menos de santas.
Eu, em minhas conjecturas mentais, tentava adivinhar quem seria o autor. Pensei nos artistas pernambucanos e baianos que tão bem sabem fazer santos, seja em barro, madeira ou quaisquer outros materiais.
- Quem esculpiu a nossa Santa Luzia foi o
mineiro Aleijadinho. – Foi então que, muito, me emocionei ante a obra de
Antonio Francisco Lisboa, o nosso escultor maior, aclamadíssimo artista da
arquitetura colonial, o nosso brasileiro: o Aleijadinho.
Não sei se por ironia, ressalte-se,
Lisboa já lhe ia de sobrenome, e eu que sou um quase ateu, de imediato, fiz o
sinal da cruz em reverência a Aleijadinho e em seguida à Santa Luzia, de quem
eu nem poderia ser devoto.
Saí da igreja emocionado,
depois de, até mesmo, acender umas velas por intercessão de parentes e amigos
que ficaram no Brasil; e o gazofilácio do bom velhinho guardião recebeu a minha
esmola.
· * Miradouro: mirante; local elevado de onde se tem uma visão panorâmica.
·
** Platô: esplanada; local plano e alto; chapada; “deck”;
“terraço”.
·
*** Gazofilácio: caixa onde os fiéis depositam suas ofertas; lugar
em que, nos templos, se colocam as ofertas; na Grécia Antiga significava caixa
de joias.
Wan Lucena
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