terça-feira, 9 de março de 2021

O poeta Pessoa, a astrologia e seus heterónimos

 

Hoje, atrever-me-ei a falar sobre Fernando António Nogueira Pessoa ou, como todos o conhecemos, Fernando Pessoa. Considerado um dos maiores expoentes da literatura em língua portuguesa e reverenciado em todos os países de cultura lusófona, como tal, despejou talento e competência em todas as vertentes em que engenhou sua arte. 

Assumiu, pelo menos, quatro heterónimos, ou seja, escrevia sob nomes autorais fictícios e dava a cada um deles um estilo próprio, o que lhes criava personalidades distintas. 

Foi prematuro na arte da poesia e já aos seis anos, em 1894, escreveu: 

À Minha Querida Mamã: 

Ó terras de Portugal 
Ó terras onde eu nasci 
Por muito que goste delas 
Gosto ainda mais de ti 

Foi poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, inventor, comentarista político, empresário, correspondente comercial, crítico literário e até, por incrível que pareça, astrólogo. Isso mesmo, astrólogo! Nesta crônica, pois, quero me concentrar nesse Pessoa, o Astrólogo. 

Em Portugal, a Astrologia é profissão reconhecida, seus operadores emitem recibos e notas fiscais, pagam impostos e, como operários dos astros, aposentam-se, sim senhor. 

É do Pessoa, todavia, que quero vos falar e é, assim mesmo, nessa intimidade toda, que o chamamos pelo mundo afora. 

- E que te pareces o Pessoa? - pergunta qualquer um numa prosa informal e logo se conclui que se está a perguntar do grande Fernando Pessoa. 

Talvez, os caríssimos leitores não saibam que era ele astrólogo - e dos bons -, dizem os registros. Diga-se, por oportuno, que eu até acredito na interferência dos astros como, por exemplo, na influência magnética da lua nas marés e na migração de animais marinhos, ou do sol sobre as estações climáticas etc., mas não acredito que se possa ler o futuro, ao menos o futuro das pessoas, por meio deles, muito menos nos quesitos amorosos. 

Consta que realizou mais de 300 horóscopos. Há quem afirme tenha sido mais de 1.500. Há que se considerar que um mapa astral levava em torno de 7 horas para ser produzido. Um mapa astral requer uma centena de cálculos matemáticos que, naquele tempo, eram feitos à mão. É de se indagar: e Pessoa ganhou algum dinheiro como astrólogo? Sim. Ele cobrava pela consulta; não era uma brincadeira ou uma mera curtição. 

Pessoa, aliás, criou um heterônimo para atuar como astrólogo. Raphael Baldaya foi o nome escolhido. Recebia sua clientela com preços pré-fixados em uma tabela e, ressalte-se, chegou a prever a data da própria morte. Diga-se que quase a acertou. 

Pessoa era criatura das mais fascinantes, segundo consta. Chegou a ter quatro heterónimos, para assinar aquilo que o alter ego escrevia. Há quem afirme que seus quatro heterónimos foram inspirados nas quatro estações do ano e por influência da sua astrologia. 

Como Raphael Baldaya, Pessoa escreveu diversos textos sobre astrologia e dizem que sua encarnação em Baldaya era de matar de rir. Descrevia ele o tal astrólogo como um homem de longas barbas brancas e o qualificava também como místico e sebastianista*, - vejam só! 

Alberto Caeiro, Álvaro Campos e Ricardo Reis eram os outros três heterónimos de Fernando Pessoa. A cada uma dessas personalidades fictícias criava uma data de nascimento, uma profissão, formação etc., e eles comunicavam entre si. Um chegava a ser discípulo do outro e tal - mas, veja bem, tudo isso na ficção criada pelo verdadeiro Pessoa. 

Vez por outra, quando ao passar pelo emblemático bairro do Chiado, em Lisboa, eu paro no Café A Brasileira, onde uma estátua do Pessoa lhe faz homenagem. Ali tomo um café, ou cerveja, só para ter o prazer de também pisar aquele que foi um dos lugares prediletos do gênio literário que nos legou um patrimônio comum de cultura, em língua portuguesa. 

Não pensem, caros leitores, que sou especialista em Pessoa ou que já li todos os seus livros. Não é esse o caso. Sei, porém, da dimensão de quem falo e, diante de tamanha magnificência, rendo-me e o aplaudo de pé. 

Para fechar esta minha crónica, segue-se aí um pingo de perfume da antologia poética, não de algum dos seus heterônimos, mas do próprio Fernando Pessoa: 

O poeta é um fingidor 
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente.

*Sebastianismo: crença mística, propagada em Portugal logo após o desaparecimento de D. Sebastião, 1554-1578, segundo a qual este rei, como um novo messias, retornaria para levar o país a outros apogeus de glórias e conquistas. ( fonte: História da religião); expressão sinônima de teimosia, caturrice, misticismo, apego anacrônico ao passado político superado que se quer restabelecer.  

Nota 1: Oportunamente, não me furtarei à oportunidade de, humildemente, tentar homenagear outros monstros sagrados da literatura em língua portuguesa, como : Guimarães Rosa; Machado de Assis; Drumond; Saramago... (dentre outros tantos talentosíssimos escritores)  
 
Nota 2: Fernando Pessoa, descobrimos depois desta crónica, usou muitos mais heterónimos. Há quem afirme tenha sido ao menos 64. 
    
Wan Lucena

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