terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A Vizinhança

- Oh, vizinho! Diga-me cá uma coisa! Será que aquela sua desafeta aí do seu condomínio não estava apaixonada por si? – pergunta-me a senhora, uma vizinha de janela, com quem desabafei sobre problemas que ando a ter com uma doida daqui. 

Chamo-a de doida porque ela própria assim se denomina e alardeia – não mexa comigo, porque eu tenho atestado de loucura. 

Quando cá cheguei neste apartamento, já no primeiro momento, percebi a curiosidade intromissiva dela. Estava sempre à espreita para ouvir e ver tudo o que acontece na vizinhança. Mora num apartamento bem ao lado da portaria e sabe tudo de todos. Quem entra, quem sai. Quem entrou e não saiu. Quem é de primeira visita e qual a rotina de cada um dos moradores. 

Eu, incauto que fui, permiti que ela adentrasse o meu apartamento, já logo na primeira semana. Ocorre que nem foi bem uma permissão que lhe dei, mas ela que adentrou  sem ser convidada, aproveitando-se que eu estava com a porta aberta. Sentou-se à minha sala e passou a descrever-me a vida de todos. 

A vizinha do andar logo acima do seu, com um filho adolescente era, segundo sua versão, um verdadeiro demônio ao qual eu jamais deveria dirigir a palavra. Que de sua casa a gravava em áudio e vídeo a agredir o filho adolescente e que o marido, um policial, abusava sexualmente do rapaz. 

Hoje, sei que a vizinha a que se referia, há mais de quatro anos, vive a ser infernizada pela louca que, com cabo de vassouras, cutuca e bate na laje, justo onde sabe que está a outra a dormir ou descansar. A doida já chamou-lhe a polícia tantas vezes que já nem lhe atendem mais. Ambas estão com uma pendenga judicial, na qual pede uma indenização por danos morais e materiais por que, apesar de doida, não rasga dinheiro. 

A doida veio parar no meio da minha sala depois de o técnico que montava a cozinha serrar uma tábua, cujo pó descera dois lances de escada. 

Apareceu-me ela com balde, panos e rodos e a gritar que aquilo não era permitido no prédio e que eu só podia ser mesmo um brasileiro sem educação. Pedi-lhe mil desculpas e avisei-lhe que eu mesmo limparia todo o pó, no entanto, sem ser ouvido por ela. Até então, não sabia que se tratava de uma doida e peguei os meus apetrechos de limpeza e passei a ajudá-la, enquanto tentava contornar o desentendido, com reiterados pedidos de desculpas. 

Ainda na minha sala, contou-me que o Zé, o dono da pastelaria da rua - um simpático português que já não tem espaço para tanta clientela - nada valia. E que, se eu um dia qualquer fosse por lá, jamais deveria dizer que a conhecia, pois não suportava a ideia de ter seu nome esparramado na medina, pois era o Zé um grande fofoqueiro do bairro. 

Além do Zé, danou a falar de todos da rua e do bairro. Com ninguém se dava. Eu, então, decidi que faria de tudo para não entrar na mira da doida. Disse-me odiar cães e adorar gatos. No seu  apartamento, criava três gatunos. Nada tenho contra os gatunos, senão os seus donos que, desleixados, nem se preocupam em limpar a casa que fica empestiada com o cheiro do xixi deles e, diga-se de passagem, é o caso da dita cuja. 

Ao abrir a porta do elevador, certa feita, e esta bateu no tapete de piaçava postado à frente da porta dela. Ato simultâneo, ela abriu a porta e passou a destratar-me; perguntou-me se eu pretendia derrubar a sua casa. Fiquei bastante assustado e concluí, então, que já entrara na mira da doida. 

Dito e feito! 

Deixou ela de responder aos meus cumprimentos de bom dia e, desde então, vira-me a cara todas as vezes que por mim passa. Eu, que também sou doido, ainda que sem atestado médico, faço questão de cumprimentá-la todas as vezes; assim como abro-lhe a portaria quando, por coincidência, nos encontramos. Ela, entretanto, recusa-se a passar e mesmo assim faço questão de permanecer segurando a porta por algum tempo, até que desisto e me vou. Confesso que morro de rir. Agora ando tendo ideias de colocar-lhe flores à janela. Não pensem, porém, que me apaixonei pela doida ou que ainda nutro a esperança de alguma amizade futura.

 - "Existem mulheres que não são correspondidas em suas expectativas em relação ao algum gajo; coitado dele!" – Concluiu minha vizinha de janela. 

- E se forem doidas, então...! – pensei eu com convicção. 

Comprei belíssimas orquídeas e as presenteei, não à doida, mas à minha vizinha de janela, tão simpática quanto bem-casada e certo de que seu marido não seria outro doido a pensar que estou a dar em cima de  sua esposa, uma senhora que parece ter quase 70 anos. 

Wan Lucena

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