terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O 18 - O Bondinho Lisboeta

- Bom dia – dizem ao maquinista, portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, sã- tomenses, goêses e timorenses, todos usuários do Elétrico 18, o bondinho lisboeta que passa em frente à minha casa e que tenho tanto prazer em também usar.


O 18 é o Elétrico que sai desde o Cais do Sodré, às margens do Tejo e vai até ao Cemitério da Ajuda. Entrar num Elétrico, bondinho no Brasil, é adentrar uma cápsula mágica, transportar-se para o mundo multidimensional e voltar ao século XIX; basta-nos um pouco de imaginação. Os trilhos centenários que dão rumo à nossa cápsula-bonde são os mesmos de séculos atrás. A decoração interna e a tecnologia usadas também permanecem inalteradas . As pessoas é que se modernizaram e poucos são os cavalheiros de chapéus e as damas com sombrinhas-fru-frus.

Já na primeira “paragem” – parada é o termo no Brasil – sobem várias pessoas, quase todas a falar línguas diferentes. Nessa paragem recebe os turistas que atravessaram o Tejo e os demais que estavam no Mercado da Ribeira, o “Time-out” , logo do outro lado da avenida. O imponente mercado fora apenas um belo edifício até ser ocupado pelos chefs da gastronomia local que o transformaram numa imensa meca gastronômica, onde é obrigatório, a todo turista que passar por ali, comer não só o famoso pastel de nata, mas tudo o que de bom se serve na boa cozinha portuguesa.

O Elétrico segue pela avenida, ladeada à esquerda pelos trilhos de comboios – que no Brasil se diz trens - que vêm desde Cascais e que, com certeza, o afortunado usuário do 18 terá a sorte de vê-los a passar em sentido contrário, rumo à estação final, o Cais do Sodré.

À direita, toda a imponência desta velha Lisboa, com seus armazéns e prédios históricos. Aliás, há que se ser rápido ao olhar para todos os lados, para que tudo se veja e, mesmo assim, muita coisa deixará de ser vista.
Quinze minutos depois, algumas paragens, donde desceram e onde subiram usuários plurais, estamos no Largo do Calvário. Sobem passageiros que, pela cor de pele, provavelmente são indianos ou de algum país asiático naquelas vizinhanças. O local é repleto de restaurantes com pegada asiática, sem falar das lojas de chineses que vendem de tudo o que o leitor possa, ou não, imaginar. 

Ali também se encontra a turistada oriunda do LX FAXTORY, logo ali do lado. O que foi a casa da imprensa do ditador Salazar virou um ambiente descolado, cheio de atrações culturais, que vão desde studios de arquitetos a livrarias que parece terem saído do filme de Harry Potter e que vive apinhado de turistas do mundo inteiro, até porque muitos são os restaurante e bares lounge que ali se fixaram.

- Bonjour – diz o grupo de jovens franceses, com suas peles sedosas e sorrisos que parecem gentis e educados.

- Good Morning – diz o casal de idosos que me faz deduzir serem ingleses .

E o manobrista vai lhes respondendo a todos com muita discrição, e no idioma em que for cumprimentado.

- Buenos días – diz o jovem de cabelos degringolados e que me parece ser um vizinho espanhol.

E o Elétrico já dobra à direita, a subir uma ladeira e a passar por baixo da megaestrutura da ponte 25 de Abril. Estamos, agora, em Alcântara, apenas mais uma charmosa freguesia, que corresponde, grosso modo, à palavra bairro, de Lisboa. Tão histórica e tantas estórias se vão vendo e poderia contá-las aqui, mas não por ora , pois receio ser barrada a minha publicação nesta revista, Turma da Barra, na qual se pede o obséquio de escrever com parcimônia de caracteres.

Já estamos em Santo Amaro, e dentro de um túnel de jacarandás que, quando florido, fica surreal. Desde aqui se vê todo o Tejo e a magnifica 25 de Abril. Passamos, a seguir, pelos fundos majestáticos do Pestana Palace Hotel, um palacete riquíssimo, onde morou, até mesmo , a diva Madonna, famosa pop star .

Ainda na Calçada da Tapada, os trilhos do 18 fazem um “S” e começam a descer pela Rua da Aliança Operária e, no Largo do Rio Seco, dou sinal para descer da minha cápsula do tempo. Volto ao século XXI e, depois de atravessar a rua, já estou à portaria do meu condomínio.

O 18 continua a sua viagem mágica, passa pelo Largo da Boa Hora e sobe uma ladeira sinuosa; passa entre a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, à direita, e o Mercado Municipal. Desse mercado, tenho tantas estórias para vos contar..., mas ficam para outra crónica.

A cápsula-bonde do tempo segue apinhada de gentes encantadas por agora poderem ver o magnífico Palácio Nacional da Ajuda. É ali , nesse régio paço, que nasceu Dom João VI, aquele que foi, de mala e cuia, para o Brasil varonil, a fugir das tropas napoleônicas. Depois de passar pelos fundos do referido palácio, um descampado e os trilhos seguem numa linha reta e, então, já chegamos à paragem final, aos pés do muro do Cemitério da Ajuda. Desde aqui se pode descer à pé até Belém e ao Mosteiro dos Jerónimos, só para comer os famosos e patenteados pastéis de Belém. A iguaria foi inventada pelos monges e, de tão deliciosa, tanto arrecadaram dinheiro que construíram o mosteiro – uma obra megalómana.

Os amigos leitores cordenses talvez tentem imaginar o sabor do pastel de Belém, mas não precisam se apoquentar tanto. É que aí nós temos tantas delícias que cá não existem, que eu trocaria os pastéis de cá pelos pastéis de feira daí; ou pelas pamonhas de milho que cá não se veem nem de longe.

 Buon giorno e grazie – é o que diz um italiano, simpático e sem a cara de mafioso, ao descer na parada final do 18.

E veio a pandemia... e já já tudo voltará a ser como dantes.

Wan Lucena 


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