quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Rojões, Caracóis e Guaraná Jesus

A minha crónica desta semana começa em São Luís do Maranhão, com o mestre Cesar Braga, da Revista Virtual Turma da Barra - TB, na piscina com sua casa ao lado de sua amada e a me informar, por whatssap, que está a fazer rojões à portuguesa - e peço licenças ao mestre para usar o seu nome em vão, sem sua autorização e na esperança de que ele não seja assim tão melindroso. 

E os rojões, meu caro leitor, nada mais são que pedaços de carne de porco marinados ao vinho e cozidos ao lume brando e servidos, em geral com batatas ao murro - batatas ao murro? não sabe o que é? Cozinhe-as com casca, depois leve ao forno e após tirá-las, numa superfície dura, soque um murro em cada uma e depois jogue um fio generoso de azeite por cima delas e pronto.  

Os tais rojões estão por aqui em todos os cardápios de biroscas a restaurantes gourmets.

E aí me lembrei de uma estória vivida cerca de um ano depois que aqui cheguei. Eu sempre me considerei muito eclético para comer. Sempre achei que ia de 8 a 80, independentemente da iguaria servida, numa boa e com raríssimas exceções. Entretanto, nunca passou pela minha cabeça comer rãs, lebres e perus corriqueiramente como se come frango fossem. 

Aqui as carnes que para nós são exóticas estão dispostas na mesma quantidade e nos mesmos freezers e geladeiras. E, desconfio que o frango nem seja a carne mais consumida. E no meio dessa variedade todas estão todos os frutos do mar que o leitor conhece e mais uma centena que nunca viu, nem verá. E dentre essa variedade toda, os caracóis e caracoletas. E de caracóis é que passo a vos falar.

Eu sai da minha casa rumo às margens do Tejo, logo aqui abaixo de casa, só para uma caminhada matinal e apreciar a paisagem, já lá se iam pelas 10h e decidi tomar um café numa pastelaria do bairro. E aqui as pastelarias não vendem apenas os pasteis - e não são os nossos deliciosos pastéis de feira recheados de queijo ou carne e acompanhados de caldo de cana... e vixe! Quanta saudade! - mas são restaurantes completos que servem toda uma gama de pratos portugueses. E por trás do balcão estava um típico português com seu bigodinho indefectível e óculos na ponta do nariz. E por trás dele, protegida por uma vidraça transparente, com um pano de prato jogado ao ombro e uma touca transparente a lhe segurar os cabelos desalinhados, uma mão pousada nas cadeiras e outra a segurar uma colher de pau que girava frenética num tacho enorme e a fazer um barulho que mais parecia que estava cheia de bolas de gude... croooc, croooooc, crooooc... a Maria.

Senti que a atmosfera estava meio paradona. O Zé - não sei se era esse o nome do gajo - parecia enfezado e a Maria - também não sei o nome - pareciam mesmo era muito zangados. E imaginei que a cozinha devia mesmo está era muito quente e que aquela rotina portuguesa podia mesmo ser muito aborrecida e até senti pena da Maria. Estava ela com a cara lumiada de suor enquanto me passava a impressão de não gostar do que fazia. Mas percebi que, dentro do tacho, as imaginadas bolas de gude eram branquinhas e leves e até pareciam levantar ante a fervura. E querendo travar um diálogo amigável até para quebrar aquela atmosfera, lasquei:

- O que ela está a cozinhar?

- Mas opá! Caracóis, não estás a "veire"? - e percebi a portuguesa na cozinha a bufar enquanto revirava os olhos em demonstração de irritação e - como sei ler pensamentos - imaginei o que ia naquela cabeça quente.

- Ai Jisuis! Lá vem mais um estrangeiro a "perguntaire" coisas tão obvias! Ai Jisuis! Que parvos sois! Que asnos! - e pensei também que se fora ela uma mula um coice eu teria levado ali e agora.

Meses atrás, sai com meu cão, o Karl - e não Marx e sim Lagerfeld, se faz favor -  para um passeio pelo Monsanto, o parque silvestre e gigantesco daqui, considerado o pulmão de lisboa e que também está próximo de minha casa, só que à cima, e vi os putos e as raparigas com seus pais e avós, todos com um saquinho na mão, a recolher alguma coisa que pensei ser alguma frutinha de época, nos arbustos e vegetação rasteira. E aí, minha lembrança me levou para as margens e caminhos do Rio Flores quando menino, colhia e comia murtas frescas e verdinhas. E depois que sai do Centro Velho dos Oliveira nunca mais comi ou vi as murtas que se imortalizaram na minha memória e que, vez ou outra, acordo com aquele sabor azedinho e travoso que, bem sei, nunca mais provarei.

Mas, me aproximei da malta que não era pequena, e  como estavam todos alegres e felizes, a expressar gritos enquanto falavam entre si.

- O que vocês colhem aí nos arbustos? - perguntei com receio, mas certo que mataria a minha curiosidade

- São caracóis, opáh! - me informou um velhinho magrinho e simpático ao lado do seu netinho. E foi com a mesma simpatia que me explicou que os tais caracoizinhos, do tamanho da cabeça de nosso dedo mindinho, já salvou foi muita gente neste Portugal, de morrer de fome. Era prato das camadas mais carentes que ganhou as altas rodas e que agora se come a chupar a lesma de dentro da conchinha e a lamber os beiços.

E o caro leitor, preconceituoso tanto quanto eu, logo já pensaria:

- Pois eu... morreria de fome mas nunca comeria caramujo. Deus me livre!

E aí fico a pensar como explicar a um português que já comi aos montes, fritinho e crocante, mingongos mil? Que no Maranhão até hoje se come tripa seca assada e há quem muito goste? Como explicar a buchada de bode? 

Aqui se comem caracóis ao milhões e todos os dias. E não somente eles, mas também as caracoletas - e essas são já do tamanho de um pequi com casca, enormes. E ainda os caríssimos e tão desejados escargots que são do tamanho de um pão francês e que só quem muita grana tem pode comer. Eu nunca comi nem lebre quanto mais os caramujos daqui, da França ou do Brasil. Mas já comi buchada de bode sim.

E nem vou me referir às bebidas exóticas que temos por ai, inclusive um guaraná cor-de-rosa que muito gosto, do Maranhão, e que quem o toma vira qualira maranhense na mesma hora, segundo o nosso cientista-mor. Eu já tomei e foi muito o tal guaraná que, de tão bom, é hoje posse da poderosa Coca-cola. Quem nunca tomou e quiser experimentar, pegue sua garrafa, tranque-se no seu quarto, jogue a chave fora -  é que nunca se sabe o tamanho do qualira que vai em cada um de nós, não é mesmo? Então, qualire-se você também! 

E quanto aos rojões suínos feitos em São Luis do Maranhão imagino que a acompanhar esteja uma garrafa de dois litros e meio do mais puro Guaraná Jesus que, por aqui, ainda não encontrei. E me questiono se alguém se desenqualira por abstinência do referido guaraná. Se já desenqualirei não vos posso informar - e tá rindo de quê, abestado? Mas maranhense até morrer, com certeza!

Wan Lucena

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Pequeno glossário português de Portugal/português do Brasil


Malta = turma

Autocarro = ónibus

Fato = terno

Fato de Banho = maiô

Sumo = suco

Pequeno Almoço = Café da manhã

Fiambre = Presunto

Tasca = Boteco






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