segunda-feira, 7 de maio de 2018

Deus não é Sabiá


Ele me desperta e eu o ouço a pensar se estaria doido esse sabiá pra cantar de noite e madrugada à dentro.  Eu ouvi muito sabiá a cantar no agreste maranhense e no cerrado do planalto central. Sei muito bem reconhecer o canto de um Sabiá. Eu ouço o mesmo canto, nas mesmas notas de canto assobiado em melodia que parece anunciar alguma explosão de felicidade ante á vida, tal qual sabiá. Entretanto, nuca ouvi contar que sabiá canta de noite, madrugada à dentro. Comecei a desconfiar não ser sabiá o passarinho que tanto canta. Tem alguma nota diferente ao canto desse sabiá, porém, quase imperceptível ao ouvido mais desatento. Eu ouço o canto dele para todos os lados e por todo o dia. Eu acordo com ele a cantar aqui abaixo da minha janela, escondido em algum limoeiro, laranjeira ou pessegueiro plantados nos fundos dos quintais dos apartamentos do térreo e que me colorem o quarteirão do que poderia ser pura monotonia monocromática. Lá pelas 4 da matina ouço o seu cantar melodioso e que me faz viajar rumo á minha infância rica de lembranças e de tanta escassez e de tanto suor e lágrimas de quem trabalhava na lavoura para plantar a semente que precisava ser colhida em grãos, raízes e frutos.  Ele canta até enjoar e pára até que o sol raia. Com os primeiros raios de sol volta a cantar feito doido de novo e é abafado pelos pardais que piam frenéticos desesperados e terminam de me acordar. Eu no deleite, insiste em permanecer na cama quando ouço gritos de algum outro pássaro que canta em gritos que parece, em muito, com os sons dos saguis nas florestas brasileiras. Entretanto, o que eu queria ver e ansiava por isso, era aquele sabiá. Semana passada fui ao Pingo Doce, o mercado do bairro, e quando voltava com as sacolas na mão, a subir uma dessas ladeiras daqui, no meio de uma florada de um pessegueiro, ouvi o canto do dando. Parei e finquei o pé disposto a ficar ali até que o visse no meio da florada que, por si só, já é alguma coisa que me lembra o exagero das cerejeiras em flor do jardim imperial japonês. E sei que vão achar a comparação demais, mas se pudessem ver o que lhes descrevo... há! Se pudessem! O sol estava intenso e me fez apertar as pálpebras em busca criteriosa, desde a direita para esquerda, como se um scanner fosse, naquela florada em busca do tal sabiá. Vi um passarinho preto pouco maior que um sabiá a encher o peito e soltar a melodia. Não era uma sabiá! Não é um sabiá! Não sei o nome desse sabiá preto português. Mas, vou buscar achar agora alguém que o saiba e lhes contarei o nome desse danado. Certo é que o passarinho preto é para mim aqui o meu sabiá que transporta em lembranças à minha infância ou às paisagens brasileiras. Mas, agora que já sei não ser sabiá aquele passarinho preto, fico também curioso com os passarinhos que nunca vi e que cantam como se fossem saguis. E aquele sabiá que pensava podia ser algum deus, agora é sabido, nem é sabiá.

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