domingo, 15 de abril de 2018

Feliz Solidão

Foi de bike que sai disposto a chegar em Cascais desde Lisboa onde vivo. É uma boa distância, mas a paisagem linda e com o oceano à esquerda o tempo todo e a 180º. À minha direita  muitas freguesias e bairros, serras e penhascos, hotéis e hospitais, casas majestosas de não sei quantos séculos e que poderiam ser palacetes e até pequenos castelos. Tinham os fortes a proteger a costa não sei de quem; os faróis a piscar eternamente a sua lanterna em direção ao mar e a guiar os navios e barcos de pescadores; e também jardins bem cuidados com mirantes que acolhem casais de namorados, idosos a fumar um charuto ou transeuntes com seus cachorros. Lá longe onde a vista acaba vi uma construção que mais parecia um castelo erigido sobre alguma ilhota e que a moça de um café me disse ser apenas mais um forte. Mas, o barquinho de algum pescador no infinito azul era só mais um ponto que não chegava ao de uma gaivota. 

Passei por sobre pontes e viadutos e por baixo deles também passei. Ultrapassei pedestres em caminhadas lentas e contemplativas  ou a fazer a sua corrida de rotina para manutenção da vida e, porque não, do corpo. A orla abriga belos restaurantes pendurados em penhascos e cafés charmosos que servem cervejas mil e algumas chávenas - xícara aqui é chávena - de bom café. A ciclovia é um tapete. Tinha umas nuvens que indicavam chuva, porém isso aqui pode ser só donde se está e já ali na frente o sol bate à pino. Mas, elas caíram aqui ou ali, mas nada que fizesse sair da ciclovia e procurar abrigo. 

Vi o senhor solitário em sua casa acastelada sobre o penhasco do outro lado via. A imensa casa de três andares e torres castelhanas, toda em pedra irregular, quiçá uma das mais antigas construções dali. O velho senhor vestido de imponente feltro azul militar e com seu chapéu à la francesa e sua bengala, sentado na escadaria da velha casa enquanto pegava algum sol e olhava as ondas a quebrar na praia lá abaixo. O jardim e janelas mal cuidados denotavam a solidão do pobre rico senhor. Preparei a minha câmera-fone para sacar a foto de tão poética cena quando vi o cãozinho de médio porte a subir ligeiro as escadas em direção ao dono e vindo do imenso jardim, para um carinho. O danado me viu lá do outro lado a sacar a foto e, a latir,  correu para o portão e danou a ladrar sem parar fazendo com que seu velho dono percebesse a minha invasão de privacidade. E de lá ele fez-me aceno que eu correspondi em total reverência, quase a pedir perdão. Eis a solidão que aguarda tantos de nós. E a solidão pode ser ótima companhia quando se está em paz e se tem um cão fiel a guardar-nos. Deixei a cena com uma vontade imensa de entrar além do portão e ouvir as muitas estórias que deve ter o velho senhor a contar enquanto pudera eu admirar o interior de sua casa secular. 

As ondas batiam com violência nos penhascos que seguravam a ciclovia e molhava os transeuntes e eu não deixei de receber um banho do mar que quis lamber-me um pouco e experimentar um pouco do gosto da minha felicidade. Cheguei até o famoso Cassino de Estoril, já em Cascais e lembrei que ali Ian Fleming pariu o agente mais famoso de sua Majestade and Britain Queem, o James Bond, o 007. Dobrei minha bike e atravessei o túnel que dava para estação e peguei o primeiro trem de volta para casa. O vagão estava lotado de outras bicicletas que, espero, tenham sido seus proprietários tão felizes quanto este.

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