domingo, 18 de março de 2018

Velha Elegãncia

Desde a janela, minha vizinha, uma velha e linda senhora, toda empetecada com suas pérolas - se falsas não sei - cabelos cinza metalizados que, desconfio, seja peruca, em seu blazer engomado e ombreiras altas, labios vermelhos carmim, joga janela abaixo, faça chuva ou faça sol, carnes de sobra que caem sobre o imenso terraço donde estão gatos gordos - já engordados por ela, com certeza - e sedentos dos suculentos pedaços. Os gatos não podem ser dela e ela nem sabe de quem são, eu tampouco. Os gatos moram dentro do quarteirão mistério donde vivem mil gentes das quais gostaria de ouvir-lhes as estórias. São janelas mil donde, em cada uma vive, como eu, alguma alma com estórias ricas como a da minha vizinha que desde a sua janela elogiou minhas flores em meu balcão, mas fez questão de saber o que eu achava das delas. Quem se aproveita dos nacos de carne são as gaivotas que descem doidas desde não de onde - mas o Tejo tá ali embaixo, nem tão longe assim - e avançam contra os gordos gatos e os pombos cagadeiros que infestam esta cidade.  Os gatos enjoados fazem pose de desdém e as gaivotas enormes pegam sua iguaria nos bicos e levantam-se rumo ao céu infinito. Eu asso um pernil enquanto ou "Iansã cadê Ogum" ou o bom e velho e elegantíssimo Luiz Gonzaga enquanto tomo um bom Madeira e vos escrevo em tentativa desesperada de fazer-vos lembrar de mim. 
As gaivotas levantam vôos e os gatos ficam preguiçosos sobre a lage. Queria alcançar o imenso limoeiro e dele colher limões com os quais faria uma caipirinha só pra lembrar ainda mais de vocês. Fico com os gatos na laje e com o Madeira em taça linda pousada sobre o balcão. E o danado do Luiz canta "vem cá cintura fina, cintura de pilão" e eu me perco todo em tanta felicidade e saudade. Os gatos estão sobre a laje lá embaixo a olhar para a velha senhora elegante cá em cima. E eu vos escrevo a pedir: não se esqueçam de mim! Mais um pouquinho do Madeira que tanto bem me faz! E desde já posso lhes dizer: fiz tanto que já acho que fiz muito mais do que podia fazer. 
O sol brilha intenso e traz uma luz que parece nunca ter vista e os gatos, gordos e indolentes, olha arriba, para a janela da velha senhora tão elegante - e não estou a repetir-me, estou tentando ser poético - Ela lá não mais está!


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