sexta-feira, 14 de abril de 2017

Felino de Janela



Alguém esmurrava a porta do apartamento. Parecia que alguém, nervoso, queria arrombá-la. Assustado, abri a porta e ali estava uma moça jovem com cara de guerrilheira que nunca esteve no front. Com lágrimas nos olhos, descabelada, dedo em riste, gesticulando como uma doida me informava, aos berros, que seu gatuno estava sofrendo com as queimaduras oriundas das cinzas do meu cigarro.

Cigarro? Cinzas? Eu sequer fumo. Mas, fiquei curioso é quis divertir-me um pouco com a loucura da guerrilheira. Não a informei que não era dado aos vícios, sequer, do cigarro.  Fiz questão de não informá-la, diga-se!

- Moça, a senhorita já consultou um psiquiatra alguma vez?

A doida não se aguentou ao perceber que eu não conseguia segurar o riso e desceu a escada soluçando. Eu fui para a minha janela e olhei pra baixo. La estava o gato marrom, com o pelo a cair de tão velho, com olhos arregalados e fixos a olhar para cima, imóvel, como quem olha, hipnotizado, para a lua. Eu quase conseguia ler os pensamentos daquele gato maldito - como se gato pensasse (será que não pensam?) - a me dizer qualquer impropério por meio da telepatia felina. Acho que me xingava. Eu não deixei barato e, também por telepatia, lhe xinguei com palavrões que não ouso repetir. O gato, pra piorar me apresentou um parceiro que surgiu, todo malhado e esbugalhou os olhos na minha direção. Era um gato menor, mais jovem, malhado em branco e preto. 

Mas, o pior é que ainda ontem, quando mirava o gato maldito, vi uma mão na janela do mesmo apartamento da guerrilheira sem causa, a bater as cinzas do cigarro janela à baixo. Pera! Pera ai! A doida era fumante e, pior, jogava as cinzas e a bituca do cigarro no jardim do condomínio. Eu mereço! 

Agora fico a olhar para os gatos imóveis na janela abaixo. Sempre estão ali, imóveis no balcão da janela, esperando que eu apareça na minha janela para mirar-lhes. Acho que vou passar a ser fumante. Não, não vou jogar as cinzas no olho arregalado do felino, mas... na dona dele! Que vontade que dá!

Wanderley Lucena

 

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