quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Dona Davina

 

Aquela Dona a debulhar favas, com seu quibano entre as pernas, enquanto seus filhos brincam felizes no terreiro limpinho e bem varrido, às custas da vassoura de mato relógio. A fumaça que perpassa o telhado de palha de coco babaçu e que espalha o cheiro do azeite misturado com as essências das ervas, que ela planta e colhe em canteiros suspensos, os quais ela mesma construiu no quintal, e que rega à mão todos os dias com a água que buscou na lagoa.

Um jacá de milho está à espera de ser debulhado, logo mais à noite, e vai alimentar as galinhas, porcos e o único cavalo, amarrado pelo cabresto no velho pé de juá que faz sombra à frente da casa. O saco de arroz, ainda em cachos, colhido na roça no dia anterior, espera ser pilado para poder ir à panela juntamente à abóbora suculenta que está na cozinha, ao pé do velho fogão à lenha.

O marido está na roça, chegará apenas na boquinha da noite e trará uma melancia e uma penca de bananas, para ajudar a dar sabor à janta que será servida em pratos de alumínio limpinhos.

Ela sonha em dar estudos para os filhos e sabe que terá de sair daquela segurança bucólica que lhe alimenta, assim como aos filhos e ao marido. Tudo de que precisam, extraem da própria terra. Aquele solo rico não trará a educação aos filhos e nas redondezas não há escola.

Terá de vender tudo, mesmo a contragosto do marido, que pensa que educação é ter bucho cheio e nada dever a ninguém. A cidade trará perigos e carências e ela sabe que muito terá de lutar para poder alimentar os filhos, mas ela também sabe que, com muito suor, dificuldades e lágrimas, conseguirá educar os filhos, mesmo que em escolas públicas.

Ela não tem profissão, mas tem força e coragem. Ela terá de morar perto do Rio Corda para, ao menos, poder lavar roupas para as madames da cidade, por alguns trocados. Depois de muita roupa lavada, conseguiu um emprego de zeladora do Colégio Dom Marcelino, onde acabaria por se aposentar. Voa alto e vai-se para perto da prole na cidade grande. Leva também o marido.  

Agora está a descansar e, em completa segurança, a viver a vida que talvez jamais sonhara. Hoje, ela é a madame que dorme sem quaisquer preocupações com as dívidas, pois não as tem. Dorme sossegada em bom colchão, envolta sob lençóis limpos que nem foi ela quem lavou e que, de tão finos, aceita o toque do tecido na pele como se Deus estivesse a fazer-lhe uma carícia.


Wan Lucena


Esta crónica foi publicada originalmente na revista eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos:

 https://www.facebook.com/jornalturmadabarra/posts/2052723904892988?comment_id=2052994151532630&notif_id=1633629376279894&notif_t=feed_comment_subscribed&ref=notif



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