sábado, 7 de agosto de 2021

Os Souverirs das minhas Andanças

 

Estou a mudar-me todos os dias. Neste momento a mudança é apenas de endereço mesmo. Eu sei que com ela vêm diversas outras mudanças e espero que todas para melhor. O novo apartamento, muito maior e mais confortável, conta inclusive com um quintal - e isso é um luxo por aqui. Já imagino o jardim, a sombra da árvore que plantarei, os pássaros que atrairei com rações, as flores em vasos pendurados, uma horta pequenina, uma grelha com a carne a assar,  numa reunião discreta com bons amigos e a cerveja gelada, enquanto ouvimos Marisa Monte. O Karl, meu cão mudo, já se acha o dono do pedaço e até demarcou o terreno, depois de correr para lá e para cá.

 

A organizar a mudança, a juntar toda a tralha, dentre ela, meus souvenirs de viagens que fiz ao longo da minha vida andante

 

As Aventuras de Tintin comprei em Bruxelas. Já perdi a conta das vezes que reli as histórias em quadrinhos do repórter  de espírito aventureiro, a desvendar conspirações criminosas de tirar o fôlego. Todas as vezes me lembro da capital europeia com saudades.

 

Já o Asterix, o gaulês amigo de Obelix com suas loucas e divertidas aventuras contra o exército romano, comprei-o na mais antiga livraria de Paris, a Shakespeare. Quem for a Paris não deve deixar de conhecer esta livraria. Alem de vender livros, também serve de dormitório aos jovens turistas que podem passar ali as noites, em colchonetes espalhados pelos corredores da livraria, em troca de algumas horas de trabalho. O trabalho oferecido nessa troca de hospedagem pode ser tocar o piano para os clientes, pintar uma aquarela, desde a janela ,enquanto observa a Notre Dame, agora em ruínas depois do incêndio; mas pode ser também o serviço de faxina ou de bibliotecário. A verdade é que se oferece o trabalho que se sabe fazer. 

 

O relógio de bolso que podia estar na casaca de um fidalgo do século XIX e que funciona à corda, comprei-o em Praga, quiçá a mais linda e mágica capital da Europa. São esporádicas as vezes que o uso, mas quando o faço, sinto que me falta o bigodinho fino e de pontas viradas para cima, que sempre achei um charme nos outros e que sei, em mim, ficaria mesmo era muito ridículo.

 

O meu Dom Quixote com sua lança e seu elmo, que comprei no Museu Casa de Cervantes, em Toledo, na Espanha. Sim, estive na casa onde morou Miguel de Cervantes. A pequenina estatueta está sobre um móvel na minha sala faz anos. Sei que ele vai durar uma eternidade por ser de bronze. Assim como sei de todas as boas lembranças que ele me traz sempre que o olho com tamanha delicadeza. Dom Quixote, eu também o sou. Obrigado, Cervantes!

 

Emocionante também é abrir a minha gaveta da cômoda e tocar a seda, decorada com as amendoeiras de Van Gogh, numa echarpe de seda. Visitar o Museu Van Gogh, em Amsterdã, Holanda, foi das maiores e melhores emoções. O artista que transformou o próprio sofrimento em arte. Estava ele internado num hospício e soube que seu amado irmão Theo tivera um filho. As flores eram campo desconhecido para Van Gogh, mas se aventurou e produziu o belíssimo quadro que foi compor a decoração do quarto de seu sobrinho, Vincent Willen, e que agora integra o acervo do referido museu, a encerrar a visita como o grand finale. É quando se descobre que aquele belíssimo museu foi idealizado e inaugurado justamente por esse sobrinho do gênio, à quem lhe fora dedicada a referida pintura.

 

A concha-símbolo do Caminho de Santiago de Compostela, o qual percorri desde a cidade do Porto até a referenciada cidade espanhola, onde está o corpo do homenageado santo católico, o qual foi apóstolo do Cristo. Talvez esta a experiência mais transcendental que já vivi. Ela me remete para a espiritualidade que tanto almejo.


Na minha coleção de  souvenirs falta, entretanto, a mais importante. Nada tenho da minha cidade natal, Barra do Corda, senão as minhas lembranças! Se um dia, porém,  eu à minha terra voltar, trarei apenas um seixo moldado, por séculos, pelas aguas límpidas e correntes do Corda. Eu o guardarei como tesouro, o qual gostaria de levar comigo no bolso dos meus trajes funerários. Se houver mesmo o outro lado e lá me perguntarem que pedra é aquela, contarei-lhes histórias de um menino, Tintin , que saiu daquele rio Corda e se foi para o mundo, viveu mil e uma aventuras - e desventuras - tantas e tais, que pensarão ser mentiras... e dormiremos o sonho eterno, a sonhar com as histórias fantásticas da minha terra natal.


Wan Lucena


Esta crónica foi publicada originalmente na Revista Eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos:  https://www.facebook.com/jornalturmadabarra/posts/2003386613160051



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