quinta-feira, 12 de agosto de 2021

A monja do desapego

Tempos atrás, em Brasília, fui a um jantar desses bem chique, numa daquelas mansões do Lago Sul. O jantar foi oferecido por uma monja budista. Tudo começou com uma belíssima cerimônia num pedaço de cerrado aos fundos da casa, debaixo de uma árvore de galhos tortuosos, toda enfeitada com bandeirolas  e fitas coloridas. Uma sineta que tocava vez por outra e um pau a rodar nas bordas de uma cuia de bronze que parecia levar os ouvintes a uma pré-hipnose esotérica. O jantar foi lindo e a comida deliciosa, toda vegetariana, era comida com as mãos mesmo. Havia uma aura zen, e o incenso inundava o ar em complemento à musica instrumental de flautas de bambu.

 

A Monja não era a dona da casa, mas morava de favores numa outra casa, no mesmo lote, ao lado da mansão. Diga-se que a casinha era muito mais confortável que quase todas as casinhas que já morei.


Tempos depois, num dos shoppings da capital federal, encontrei o dono da mansão e perguntei-lhe da Monja. 


- Um dia me levantei e percebi que ela não estava mais lá. - Respondeu-me ele.


- Como assim? Onde ela está agora? - Indaguei-lhe.


- Não sei. Ela é budista e prega o desapego, inclusive dos entes queridos. Se não se apega, não há sofrimento nem com a perda natural da morte, compreende?

 

A monja morou durante alguns longos anos, de favor, na casa daquele que era seu amigo e se fora, sem dizer adeus, na calada da noite? Como Assim? Certo é que, até agora, o meu amigo não sabe o paradeiro da monja. De igual forma, o meu amigo não se interessou em saber dela, ou seja, desapegou-se.

 

- Quanta falta de consideração! Que grosseria! - Diria o leitor mais impetuoso e precipitado.

 

Eu confesso que também foi o que pensei de início. Depois, entretanto,  a pensar melhor e a considerar a sabedoria milenar oriental, decidi foi adotar o meio-termo. Hoje, considero-me meio desapegado. Fico onde eu quiser, até a hora que eu quiser, com quem quiser a minha presença. Ao mínimo sinal de desconfiança ou desconforto, "vazo"!

 

Faz tempo que aprendi que visita boa é aquela que deixa saudades e não aquela que vai embora quando o dono da casa já está a abrir a boca de enfado com a sua companhia. Mesmo que seja na casa do parente mais querido, fico atento para não abusar. Ainda assim, abuso muitas vezes.

 

Assim como as lembranças de viagens podem se quebrar ou se perder, causando-nos sofrimento, igualmente ocorre com as pessoas, e por que não? Desapegue-se, portanto, e sofra menos!

 

Até aquelas lembranças ruins, as quais nos infernizam de forma repetitiva, diárias e dolorosas, podem-ser bloqueadas com um pouco de exercício mental. Já as boas lembranças, estas façamos de tudo para não perdê-las. Se para não as perder, tivermos que guardá-las em souvenirs, pois então que sejam em material inquebrantável, ou muito resistente ao tempo, para que um dia, quando já velhinhos e encurvados, olhemos para elas e nos lembremos de que estivemos em tais lugares, em tais épocas, com tais pessoas, a fazer isso e aquilo. Concluiremos que valeu muito à pena tudo o que vivemos... e que lindo! 

 

A gente só não se desapega do que mora dentro. Que saudade de Barra do Corda!


Wan Lucena


Esta crónica foi publicada originalmente na revista eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos:

https://www.facebook.com/144971715668226/posts/2008771359288243/


 






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