quarta-feira, 14 de julho de 2021

O Guardião das Fotos Amarelo-envelhecidas

 

Estava escrito nas estrelas do seu universo interior. A primeira vez que ele viu aquela cidade de nome exótico foi quando olhava um mapa 4 Rodas do Brasil. Isolado, num imenso verde floresta,  um nome muito sui generis: "Barra do Corda". 


- Que nome exótico e excêntrico para uma cidade. - Pensava ele aos 7 anos de idade. 


Mais tarde, em Fortaleza, sua cidade natal, quando o pai, camioneiro,  procurava fretes para tirar o sustento da família, ouviu alguém a informar:


- Só tem frete para Barra do Corda


De novo o nome daquela cidade lhe batia no ouvido como o sino da Igreja Matriz. No resumo do seu universo interior, seu cosmos , mais uma vez, ouviu o click da engrenagem do destino a lhe informar que um dia... um dia...


Quando jovem, a trabalhar no INSS, foi deslocado para uma tarefa em Imperatriz. Por lá ficou alguns anos, até que a tarefa acabou e lhe informaram que teria de voltar para Fortaleza ou aceitar transferência, indo cumprir ofícios laborais em Barra do Corda. Quem seria louco de trocar Fortaleza por uma cidadezinha de nome esquisito, apenas um ponto perdido no mapa do Brasil, no meio do nada do Maranhão? Ele não titubeou.


- Vou para Barra do Corda! - Disse, enquanto o coração batia como um bumbo e o arrepiamento dos pelos eriçava seus desígnios. Pressentia que não era o acaso, ele sabia que era coisa da espiritualidade. Talvez um resgate cármico.


No ano de 2007, chegou à cidade. Hospedou-se na pousada do Dorgival, no Sitio dos Ingleses. Viu, pela primeira vez, o Rio Corda, aos fundos da referida pousada, a correr caudalosamente. Tanto se encantou com aquelas águas cristalinas que decidiu dar um mergulho naquela mesma hora. Deixou-se levar pelas águas abençoadas que o envolviam e lhe enchiam de alegria e de esperança o coração


O que seria um mergulho virou uma "descida" pelo rio, que, apesar de não conhecer, lhe parecia estar conduzindo em completa segurança, informando-lhe que ali era o seu lugar, onde, em alguma outra vida, vivera. Ao chegar ao encontro dos rios, no Guajajara, todas as suas dúvidas se dissiparam. Eram então só certezas. Ele era mesmo dali. Apenas voltara para a cidade onde, com certeza, vivera, em alguma vida passada.


Um dia, enquanto andava pela cidade, tropeçou num calhamaço de fotos velhas e amareladas pelo tempo. Colheu-as com cuidado - com um dó imenso - e pensou que quem jogara tais relíquias no lixo o fizera por completa apatia. Precisava, entretanto, matar a curiosidade e foi perguntar aos amigos se conheciam aquelas pessoas das fotos. 


Havia uma foto que mostrava um comício com o então candidato a prefeito, Fernando Falcão. Na mesma foto estava Dona Aurora, sua avó. Bateu-lhe, de ímpeto,  uma imensa curiosidade, aquele espírito de historiador, intuitivo e sensível, a perscrutar minuciosamente o quotidiano pretérito daquela comunidade. Queria saber qual a importância histórica daquelas pessoas, bem como de todas as outras que apareciam nas fotos.


Passou a investigar e, buscando mais fotos, a guardá-las em discos rígidos e em arquivos virtuais. Nas suas redes sociais passou a publicar as fotos antigas e a contar belas e velhas histórias por trás delas. Hoje, sabe que possui um tesouro de relíquias. Um baú que abre todos os dias, dentro do qual mergulha como se fosse no Corda. Assim, viaja na imaginação enquanto vê as fotos velho-amareladas ou em preto em branco. 


- Eu não sei, mas pode ser uma espécie de missão... e eu a estou cumpri-la. Não sei se bem ou mal, porém estou a desenvolver que está escrito no meu coração, enquanto desci boiando nas águas do Corda. Eu acho que minha essência é de historiador. Por causa de minha humilde colaboração com a cultura da cidade, recebi o honroso título de Cidadão Barra-cordense.


 ...mas, continuando...


- Para tudo existe um propósito e não é por acaso que estou aqui.Sempre ando atento e de olhos bem abertos, a buscar, jogada pelo chão, alguma relíquia histórica desta Barra do Corda que tanto amo. 


Ele se preocupa também, e muito, com a destruição dos casarões centenários que, hodiernamente,  são lançados ao chão, num único ato,  impiedoso e brutal,  de quem desconhece o respeito à memória coletiva e que, em nome do progresso, passa por cima de tudo e de todos. Tanto ele se preocupa, que acaba de assinar uma petição pública que visa impedir a demolição do imóvel conhecido por "Bangalô". 


Álvaro Braga é o mais genuíno barra-cordense, nascido alhures. Tem pela sua cidade o respeito e o amor que muitos nativos não lhe têm. Merece todas as honras este cavaleiro, verdadeiro guardião da memória coletiva da minha querida cidade natal, Barra do Corda.


Wan Lucena


Nota do autor: a usar o censo de oportunidade, disponibilizo o "link" pertinente à Petição Publica referenciada, relativa  ao “Bangalô”: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT109233

 

Esta crónica foi publicada originalmente na Revista Eletrónica Turma da Barra a quem muito agradecemos

 






 

 

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