quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Pássaros e Morcegos

Numa dessas crises de culpa que todos temos procurei uma amiga lisboeta que me indicasse um bom psicólogo para me servir por terapeuta. Crise culpa sim senhor! Quem não sente culpa de alguma coisa que fez ou deixou de fazer nessa vida não sabe o que é viver e aconselho a procurar, não um psicólogo por terapeuta, mas um psiquiatra por médico. De já lhe adianto que aquela sua velha desconfiança de ser um psicopata tem grandes chances de ser lhe ser diagnosticada. Mas, as minhas culpas, eu ao menos acho, convivo com elas como se me fossem velhos chocalhos enferrujados que insistem em me tirar o sono algumas vezes. Eu ando a falar comigo mesmo - isso é falar sozinho? Não é. É falar comigo mesmo! Falo com minhas culpas, pode? Comecei a achar que devia procurar um psicólogo. E foi o que fiz. Psicólogo pra mim - perdoe-me você psicólogo que me venha a ler, pois sei que você vai discordar de mim e você pode ter razão sim - é aquele profissional que você paga para falar à ele tudo o que você não tem coragem de falar à mais ninguém. Você conta aquela sua confidência bem cabeluda pra ele e fica sempre à torcer pra que ele não se assuste o suficiente pra lhe indicar ao psiquiatra. Você sempre vai contar e torcer pra ele seja aquele profissional sério e que por ética profissional jamais contaria o que você contou à ele a nenhum outro cristão da face da terra. Pois bem... minha amiga me indicou na mesma hora um psicólogo amigo dela, profissional seríssimo e dos melhores de Lisboa.

- Ele é espiritualista e médium, viu? Mas, ó! É seríssimo! Podes ir de olho fechado. Depois me conta! - disse-me ela.

Já faz muito tempo que respeito muito os espíritas. Todo espírita é um espiritualista, ao menos para mim. E sei as diferenças de ambos. Mas, cheguei ao seu consultório depois de trocarmos mil mensagens via whatssap já que, apesar de está em frente ao local, não conseguia achar. Enfim, ele me apareceu à porta, se apresentou e pediu para esperar um pouco na sala enquanto ele terminava um atendimento. Um som new age de fundo e uma TV na parede que emitia imagem de paisagens tipo céu. Pensei que ele ia me prescrever algum floral de Bach e que ia me impor umas três sessões de terapia por semana. Conversamos mais duas horas e lhe contei metade de minhas culpas e algumas maldades e bondades ao longo da vida. Bondades sim! Já fiz algumas. É uma maneira de me equilibrar e de compensação pelas maldades. Não! Não fiz tantas maldades assim, mas já as fiz talvez tanto quanto você. Talvez um pouco menos, talvez um pouco mais. Nas suas muitas intervenções durante a conversa parecia me querer aceitar que nada havia de errado comigo. E concluiu a me dizer eu não precisava de psicólogo ou de psiquiatra. Tudo o que eu lhe trazia era a experiencia de vida de quem está vivo. 

- Mas, não é possível - Pensei eu com muito alívio.

Perguntei-lhe quanto me custaria as duas horas e tanto de seu tempo a me ouvir e ele me disse que nada cobraria.

- Como assim? Não vai me cobrar nada? - Perguntei meio atônito - O senhor trabalha por piedade?

Ele me explicou que eu não era seu cliente e que seria anti-ético cobrar. Que não trabalha por piedade e que costuma cobrar de seus clientes sim. E eu voltei pra casa muito leve e quase a aceitar que aquele moço estava mesmo era a cumprir uma missão mediúnica que consistia daquilo ali mesmo. De receber pessoas e aplicar-lhes injeções de bom ânimo. Continuo a falar sozinho e ouço minha voz como se a de um amigo ao meu lado. Agora acho que entendo os amigos imaginários das crianças. Não preciso de especialistas que me convençam que o normal é ser outra cousa ou fazer diferente. Escutar-me é dá asas ao que tenho em mim. E saem de dentro de mim pássaros e morcegos.

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