quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Alforria

Falta tão pouco para o meu grito de independência que minha ansiedade é maior do que aquela que senti meses antes de aposentar-me. Dia 10 de fevereiro será o dia de minha alforria. E estava a pensar: vai que morro antes? Decido que não morrerei antes de colocar em prática o meu outro projeto. Mas e se a morte me chegar? Eu a enfrentarei com minha faca peixeira muito bem amolada. A ranger os dentes a porei para correr de minha presença. Respeite-me! Vá se embora! Apareça-me em momento no qual eu esteja menos ocupado! Nem que a vaca tussa a senhora me levará tão cedo. Ela que fique, sentada ao relento, a esperar-me enquanto arrumo minhas coisas, as minhas duas malas. 

- A senhora quer falar comigo? Bem... deixe-me ver em minha agenda quando terei disponibilidade para atendê-la. Volte-me daqui a uns 30 anos. Há! E por favor, faça o seu trabalho sem alardes. Chegue-me na calada da noite e, sem me informar, faça o que tem de ser feito. E, por favor, deixe-me em paz! Vá infernizar a vida de outrens. Tenho muito o que fazer. 

Quero pisar em areias brancas e acariciar, em água salgada de mar, meus pés cansados de tanto dançar. Quero embriagar-me muitas vezes e gritar de felicidade ante a tudo e a todos. Quero deitar-me embaixo das estrelas e sentir o coração palpitar ante o Cosmos. Jogar pedras na lua e nas árvores frutíferas pelo caminho. Quero carnavais em blocos de gente feliz. Quero sabores passados e novos sabores. Quero cozinhar e ver TV. Quero orgásmos em noites frias de inverno, em noites quentes de verão e em todas as estações. A morte que se dane!

Wanderley Lucena

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