quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O GARÇOM DA MOUFETARD

Saímos do Hotel Confort in, na Rue Muffetard, no Quartier Latin de Paris à busca de um restaurante para jantarmos. A dita rua está lotada de charmosos restaurantes e lojas de souveniers. Não andamos muito, na verdade. Bem próximo do dito hotel, entramos no Le Jardin d’Artemis. O restaurante seria só mais um como qualquer outro não fosse a aparência de Mortícia do único garçom no pequeno restaurante. O ambiente era pequeno mas muito confortável e acolhedor. 

Tinha muita coisa para se olhar no pequeno restaurante, desde fotos em preto e branco a enfeites que boiavam dentro de taças cheias de algum líquido não identificado que ficavam sobre as mesas. Mas a atenção de todos se concentrou no garçom. Ele tinha dentes desalinhados em boca protuberante e que naquela luz indireta não foi possível perceber se a cor preta no esmalte era mesmo pura cárie ou algum efeito de sombra da pouca luz. 


No topo do corpo esquelético, a pequena cabeça tinha cabelos em fio reto partidos ao meio e postados, propositadamente, por trás das orelhas e lhe desciam quase até a altura dos ombros.  As mãos magras mostravam, nos dedos ossudos, anéis de preço e gosto bastante duvidosos. O uniforme preto lhe caia de cima abaixo completava a figura que estaria perfeita em um desenho macabro de Tim Burton. Vez por outra ele saia repentinamente do restaurante e se postava do lado de fora como se tivesse percebido algo que não poderia deixar de ver.  Lembrou-me em muito a um flamingo em sua busca atenta por alimento.

O garçom trouxe os pedidos um a um. Entretanto... que suplício! O moço parecia ter o mal de Parkinson. Tremia o prato como se os mesmos fossem derramar a qualquer momento no colo de algum de nós. Deixei todo mundo estarrecido ao pedir um expresso a ele. O café foi servido com o suspense de um filme de Hitchcock. Aparei a xícara quando ela tremia como uma flâmula bem abaixo de meu nariz antes o líquido quente me causasse algum estrago na virilha.  Que suplício, meu Deus!

Antes disso, porém , o vinho desceu muito bem e foi ele que me fez sentir meio tonto ao levantar-me da mesa. Já na porta de saída do estabelecimento, procurei a maçaneta para abri-la. Passei a mão e tatiei  mas não encontrava a maldita. Vi que um casal sentado em uma mesa ao lado, e que presenciava a minha cena, já estava a morrer de rir. Vi que faziam gestos e me queriam informar a forma correta de abrir a porta, parece-me que empurrando-a para fora. Fui-me para a rua com os meus amigos que abriram a porta para mim e já se rirem aos montes. Ainda bem que tava todo mundo bem humorado. Mas a cena não me foi constrangedora, senão, engraçada.

Entretanto, a maior surpresa – e esta, muito agradável – foi mesmo o jantar. Cada prato era um primor.  Não só pela disposição do alimento no prato, mas, pelo sabor. Era verdadeira iguaria que poderia ser servida a qualquer crítico de gastronomia mais exigente. Retornamos a Paris e, parte de nós, decidiu voltar ao mesmo restaurante para repetir o desguste. Não foi só pelo garçom ou pelas minhas "mancadas" que aquele jantar foi inesquecível. O jantar foi inesquecível pelo sabor que a cada um dos convivas daquela mesa.

Não deixaria de indicar o Le Jardin de d'Artemis a quem quer que seja. Não por causa de seu garçom com cara de Mortiça. Diria apenas que ele é o lado exótico e uma das atrações do restaurante. Diria apenas que tomem cuidado com o vinho da casa. Se parece bom ao palato, entra na corrente sanguínea rapidamente e em altos teores.

Wanderley Lucena


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