sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O TORRÃO DE TERRA (continuação)

Certa vez, percebeu que uma estrela se movia lenta no céu. Apareceu em um lado do firmamento e seguiu reto para o outro, depois desapareceu. Na outra noite ela a viu novamente. Agora, olhando melhor, via uma outra aqui e acolá. Era difícil de achá-las no meio de milhões de outras, mas, quando as achava, ficava observando por horas a fio até que a estrelinha desaparecesse. Ao perguntar ao pai sobre tal mistério, ouviu que se tratavam de satélites. Nunca tinha ouvido tal palavra e seu pai lhe explicou que eram geringonças que os homens lançavam desde a terra... e mais não sabia ele.

Ante o céu estrelado, permanecia com sua agonia, sua dor, o desgosto pela vida e por tudo que a rodeava. Seus presságios lhe atravessavam a alma como facas incandescentes. Tinha medo do futuro e não suportava seu presente. Sabia que as coisas piorariam para si. Disso tinha certeza. Sabia que estava condenada. Não sabia qual crime cometera ante os homens e qual pecado ante Deus. As lágrimas rolavam pesadas no seu rosto infantil.

A lua, quando cheia, impedia que ela observasse as estrelas, mas a hipnotizava da mesma forma. Ficava imaginando o que seria aquela imensa bola lá no céu. De que se compunha e quem lá moraria. A imagem de São Jorge a matar o dragão nunca a convenceu. Sabia que aquilo era fantasia humana. Queria tocar a lua e achar nela Deus. Iria lhe fazer muitas perguntas e lhe pedir colo. Ia pedir que o tempo voltasse até o momento em que fora gerada. Deus, em gesto magnânimo, impediria que óvulo e espermatozóide se fundissem e ela não seria gerada, jamais estaria ali.

Ela era sensível demais. Mil reflexões se passavam, enquanto observava qualquer cena. Que fosse o observar do firmamento, de uma doninha ou a da miséria em que nascera; sem que esperasse, lá estava na sua mente uma imensa interrogação, que piorava por demais as coisas. Algumas ficavam anos a fio, noite após noite, dia após dia, repetindo-se em sua cachola, sem perceber qualquer resposta. Sentia a alma e o coração inquietos, ante os presságios que lhe advinham.

Tinha dores de estômago terríveis e noites em que não achava o sono. Olheiras se lhe surgiam no rosto e, durante o dia, tinha de encarar todos os seus afazeres. Ninguém a percebia. Nada lhe era perguntado. Ninguém se importava. Ela tinha a nítida impressão de que se sumisse daquela casa, sua ausência não seria sentida tão cedo. Perpétua não reclamava nem pedia ajuda.

Todos já dormiam em suas redes, quando ela voltava para a casa depois de ficar absorta, a olhar o firmamento, a chorar, a pensar e a ter presságios horríveis sobre si mesma. Na sua rede, porém, nada de o sono chegar. Virava de um lado para o outro, pelejava pra dormir, e nada. Na verdade, queria dormir o sonho eterno. Sentia-se só. Era como uma estranha naquela casa, naquela família. Não era uma esquecida, mas uma rejeitada.

Sua mãe fazia questão de demonstrar sua insatisfação para com ela. Por algum motivo desconhecido, ela era odiada por aquela que lhe dera a vida. Seu pai parecia alheio a tudo e era como se ela lhe fosse invisível. O irmão era sarcástico e apenas reproduzia a atitude da mãe. Ele sempre ficava com a melhor parte de tudo. Dava-lhe cascudos, toda vez que ela se recusava a fazer-lhe alguma vontade. Ninguém ia em sua defesa. Jamais teve a piedade de ninguém.

Um comentário:

Seja honesto e autentico no seu comentário. Agradeço muito sua colaboração.