quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Varal Escatológico

 

Duas típicas portuguesas, dentro de um autobus - ou seja, de um ónibus - conversavam como se estivessem numa sala de suas casas a tomar um chá. Tagarelavam Sem se importar se os demais estavam a gostar ou não. E eu, pra falar a verdade, estava eu a gostar e era muito. E aposto que todos os demais igualmente.

Uma delas usava sapatos em pele - falsa com certeza - a imitar a das onças e, no pescoço, um cachecol em tecido, igualmente falso, também de onça - porque não pode deixar de combinar senão fica brega, não é mesmo minha senhora? - e na sacola, um outro tecido que parecia ser uma blusa de frio, na mesma estampa. Um show de visual digno de se ver num metrô... só que na Tanzânia. 

- Mas opá! Essas chuvas de dezembro que muito cedo chegaram e que não se querem ir. Mas, parece que amanhã o tempo já se vai fazer melhor - disse a velhota vestida de onça

- Ai, Jisuis! Que tenho tanta roupa para secaire...  é que não gosto de secar roupa em máquina porque não fica igual à que seca ao sol e fica sempre com aquele cheiro de roupa que não secou direito, compreendes? Mas, vi que amanhã já vem sol e que a temperatura também vai subir um pouquinho... - respondeu a outra velhota mais discreta, vestida toda de marrom dos pés à cabeça, mas ao menos não imitava onça, leão, zebra ou girafa.

- Há sim! Mas opá! Aproveita para secar a roupa amanhã porque depois já lá vem chuva de novo - respondeu a outra velhota onça.

E eu só pensava no meu próprio varal, na minha roupa que havia quase uma semana levava chuva no aqui na janela do apartamento. Não tenho máquina de secar e não tenho a intenção de comprar tal trambolho. Quando estou muito precisado, desço até a lavanderia ali embaixo e ponho tudo na máquina de secar deles e 15 minutos depois tenho a roupa pronta.

Mas, decidi que, se fizesse mesmo sol, iria até as margens do Tejo, o rio Tejo, aquele que nasce lá na Espanha e depois banhar as terras de Dom Quixote de La Mancha, vem desaguar aqui abaixo da minha casa, pouco mais que 400 metros. E porque essa informação? Porque sou mesmo um deslumbrado com o fato de poder viver tudo isso e até o Tejo passar logo ali. E me lembro do Rio Corda ao qual me banhava ao menos três vezes por dia já que minha casa fazia fundos pra ele. E no Tejo não se toma banho. As aguas geladas não permitem. 

E sim, amanheceu com um sol lindo. E antes de sair, já lá pelas 11 horas, decidi tirar a roupa do varal. E que merda! Metade dela estava "cagada" pelos pombos e voltaram à máquina de lavar - e a palavra escatológica que acabo de citar vai entre aspas a partir de agora porque só pretendo usá-la esta única vez  para não causar sensações de repulsa à leitura. Usarei o termo "caca" em sua substituição. 

Eu não sei, mas desconfio que a população de pombos nessa Lisboa é muito maior que a de gente. "Portugas" adoram pombos, gatos, cachorros e até as gaivotas. Não gostam muito é de gente. E aí já quase concordo com eles. 

A minha vizinha aqui de janela joga nacos de carne, diária e religiosamente, às gaivotas que descem aos bandos e a gritar feito doidas - coitadinhas das bichinhas! Estão a "morreire" de fome! - 

Os gatos estão em todas as casas, a se lamber nas janelas, e são garantia de uma boa fotografia. Lá pelas tantas da noite, sempre que saio com meu cachorro, vejo os portugas a encher as vasilhas de comidas para os gatunos de rua. São muitas as pessoas que se dedicam a eles. São os gatunos controlados pela zoonose do país e coisa e tal. Mas, o pior mesmo é que todo mundo tem um cão e todos fazem suas "cacas" duas vezes por dia - ao menos o meu - e nem todo mundo se ver obrigado ou tem a educação de recolhê-las. 

Pra todo lado se acham os depósitos com saquinhos de recolha de "cacas" que o poder publico disponibiliza. Ocorre que muitos são os donos de cães que não querem por a mão à "caca". Aqui, frente ao restaurante, a cadelinha da madame batizou a calçada enquanto eu passava. A madame se fez de cega, embora com o saquinho de recolher a "caca" na mão, e se ia displicente, a disfarçar ter visto a obra. 

- Olha, a sua cadelinha acabou de sujar a calçada - não resisti 

- Não foi a minha cadela que fez tal coisa - Respondeu

- Como assim? Eu vi!

- E por acaso o senhor é fiscal de "caca" agora? - e vi que a temperatura podia subir e decidi me calar e me fui 

Assim sendo, recomendo ao amigo que, por acaso ou não, tenha o privilégio de vir passar uma temporada por aqui, olhar muito bem aonde põe o pé se não quiser pisar no monte de "caca". Quase todos os dias volto para casa com meus sapatos batizados com uma "caca" canina.

Quanto às velhotas a fazer do ónibus sala de chá, torço por encontrá-las mais vezes. Em nada me aflige ou me incomoda. Afinal, é um ônibus e não uma igreja sacro-santa ou um velório - velórios, aliás, são sempre ótima temática para cronicas. E a escatologia que também adjetiva o fim do mundo, também adjetiva até aos que nasceram com muita sorte - e peço licença para usar mais uma vez a palavra - "fulano nasceu cagado!". 

O meu varal escatológico não é o fim. As "cacas" do meu cão recolho-as todas. Quase todas, confesso! Mas nunca as deixo de recolher se ele as faz num local donde passam transeuntes distraídos a olhar pombos, gaivotas ou gatos. É questão de empatia e de educação!


 


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