segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Saudades de Brahma

A paisagem com a ponte do outro lado do rio; o passarinho que leva no bico o inseto para alimentar os filhotes no ninho que não sei em qual árvore fica; o estridular do gafanhoto; o canto da cigarra; a abelha a recolher o pólen das flores e que vai virar mel; as maçãs sobre a minha mesa e que poderiam virar natureza morta na tela do pintor; o Fred Mercury na tela e no ouvido a cantar Under Pressure, mas pra ficar ainda melhor, com o bom e velho camaleão David Bowie - aumenta o som porque essa é pra ouvir no volume máximo porque a vizinhança merece também e porque a vida não é pra ser gozada ao meio tom muito menos em baixo volume; a sopa rica e que leva, alem da cenoura e das batatas, só pra lembrar o meu Brasil, a boa e velha macaxeira. Nova York está, imensa, na minha parede; a cafeteira vermelha, linda e que não faz café bom; e eu; a saudade bate e o coração acelera como quem desce num escorregador; e o Pink Floyd canta com Pearl Jeam, Confortably; o cheiro da sopa; o Buda com flor nas mãos e que encanta a sala.

A saudade só não é maior que o prazer de sentir tudo por meio de todos os meus sete sentidos. A saudade não é triste. São saudades de Brahma, o meu shitsu tão lindo e querido que está em melhores mãos que as minhas, nas de Dona Davina, minha velha mãe. A saudade é a certeza de que vivi. As coisas estão em ordem e a vida flui como o riacho caudaloso por entre as pedras no Jardim do Gulbenkian. E o sol que faz traz calor que obriga a moças a fazerem topless em total liberdade e sem serem incomodadas. Apreciar o vinho vermelho púrpura, seco e encorpado e que desce como veludo depois de me inchar ao extremo as glândulas palatais. Não há mesmo nada a reclamar. Se fosse reclamar seria de algumas desventuras que estão no passado. E se está no passado já passou. Planos e planos. Todos eles cheios de vida e de lugares novos. A abelha na flor, o canto da cigarra, o passarinho... 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Pássaros e Morcegos

Numa dessas crises de culpa que todos temos procurei uma amiga lisboeta que me indicasse um bom psicólogo para me servir por terapeuta. Crise culpa sim senhor! Quem não sente culpa de alguma coisa que fez ou deixou de fazer nessa vida não sabe o que é viver e aconselho a procurar, não um psicólogo por terapeuta, mas um psiquiatra por médico. De já lhe adianto que aquela sua velha desconfiança de ser um psicopata tem grandes chances de ser lhe ser diagnosticada. Mas, as minhas culpas, eu ao menos acho, convivo com elas como se me fossem velhos chocalhos enferrujados que insistem em me tirar o sono algumas vezes. Eu ando a falar comigo mesmo - isso é falar sozinho? Não é. É falar comigo mesmo! Falo com minhas culpas, pode? Comecei a achar que devia procurar um psicólogo. E foi o que fiz. Psicólogo pra mim - perdoe-me você psicólogo que me venha a ler, pois sei que você vai discordar de mim e você pode ter razão sim - é aquele profissional que você paga para falar à ele tudo o que você não tem coragem de falar à mais ninguém. Você conta aquela sua confidência bem cabeluda pra ele e fica sempre à torcer pra que ele não se assuste o suficiente pra lhe indicar ao psiquiatra. Você sempre vai contar e torcer pra ele seja aquele profissional sério e que por ética profissional jamais contaria o que você contou à ele a nenhum outro cristão da face da terra. Pois bem... minha amiga me indicou na mesma hora um psicólogo amigo dela, profissional seríssimo e dos melhores de Lisboa.

- Ele é espiritualista e médium, viu? Mas, ó! É seríssimo! Podes ir de olho fechado. Depois me conta! - disse-me ela.

Já faz muito tempo que respeito muito os espíritas. Todo espírita é um espiritualista, ao menos para mim. E sei as diferenças de ambos. Mas, cheguei ao seu consultório depois de trocarmos mil mensagens via whatssap já que, apesar de está em frente ao local, não conseguia achar. Enfim, ele me apareceu à porta, se apresentou e pediu para esperar um pouco na sala enquanto ele terminava um atendimento. Um som new age de fundo e uma TV na parede que emitia imagem de paisagens tipo céu. Pensei que ele ia me prescrever algum floral de Bach e que ia me impor umas três sessões de terapia por semana. Conversamos mais duas horas e lhe contei metade de minhas culpas e algumas maldades e bondades ao longo da vida. Bondades sim! Já fiz algumas. É uma maneira de me equilibrar e de compensação pelas maldades. Não! Não fiz tantas maldades assim, mas já as fiz talvez tanto quanto você. Talvez um pouco menos, talvez um pouco mais. Nas suas muitas intervenções durante a conversa parecia me querer aceitar que nada havia de errado comigo. E concluiu a me dizer eu não precisava de psicólogo ou de psiquiatra. Tudo o que eu lhe trazia era a experiencia de vida de quem está vivo. 

- Mas, não é possível - Pensei eu com muito alívio.

Perguntei-lhe quanto me custaria as duas horas e tanto de seu tempo a me ouvir e ele me disse que nada cobraria.

- Como assim? Não vai me cobrar nada? - Perguntei meio atônito - O senhor trabalha por piedade?

Ele me explicou que eu não era seu cliente e que seria anti-ético cobrar. Que não trabalha por piedade e que costuma cobrar de seus clientes sim. E eu voltei pra casa muito leve e quase a aceitar que aquele moço estava mesmo era a cumprir uma missão mediúnica que consistia daquilo ali mesmo. De receber pessoas e aplicar-lhes injeções de bom ânimo. Continuo a falar sozinho e ouço minha voz como se a de um amigo ao meu lado. Agora acho que entendo os amigos imaginários das crianças. Não preciso de especialistas que me convençam que o normal é ser outra cousa ou fazer diferente. Escutar-me é dá asas ao que tenho em mim. E saem de dentro de mim pássaros e morcegos.

sábado, 4 de agosto de 2018

Tempo Infernal

O suor desce pelo rosto apesar de eu estar em casa e já ter tomado uns dez banhos gelados. Não é a andropausa, é o calor do tempo mesmo. Eu nunca imaginei que pudesse ser essa Lisboa tão quente. Hoje fez 43 graus e em alguns outros lugares do país chegou a 50, informou o jornal local.  O povo todo foi pra praia, pra o rios, para as piscinas ou, como no meu caso, para debaixo do chuveiro de água fria. Eu arrendei um apartamento sem ar condicionado por achar que tal luxo é uma agressão ao planeta e ao meu meu bolso. Mas, se arrependimento matasse... Já tomei galões de água gelada e agora são exatamente 19h 20min e o sol está à pino e a ferver as moleiras e por as mãos sobre o teclado para escrever é como levá-las a um forno. É difícil escrever e o ventilador está ligado a jogar ar na minha cara. Eu sempre fui calorento e por ser nordestino achava que seria fácil enfrentar o calor ao qual os portugueses me avisaram e achava ser pura frescura deles que de quase tudo reclamam e não sabem o que é quentura como a do nordeste do Brasil, pensava eu engadamente. Mas, eles tinham total razão. O Presidente da República, figura simplória e desapegada, bonachona e quase um Santa Claus de simpatia, foi filmado a dar entrevistas enquanto tomava banho, nu da cintura para cima, todo sorrisos, numa praia de água doce, num rio qualquer no interior do país. E eu só me lembrei do Rio Corda onde cresci a me jogar em suas águas cristalinas em corredeiras geladas e a pescar piaba-larga, piaba-dura, ou piau cabeça-gorda. Aqui fico recluso, sem coragem de botar a cara na rua e morrer esturricado. O país começou a incendiar-se e o aparato do Estado luta contra as chamas dia e noite. Mas, não estou a reclamar. Não, de jeito nenhum. Estou apenas a relatar-vos nessa crônica a própria vida e um pouco do meu dia que tinha tudo pra não render sequer uma linha. E nem estou a tirar leite de pedras, confesso! A noite, já sei, será tão abafada e quente quanto a de ontem. Mas, logo chegará o inverno e as temperaturas cairão até abaixo de zero e meus pés pedirão meias grossas e terei de ligar o pequeno aquecedor que me salva tanto quanto este ventilador. E  chegue logo o verão. Viver as tão temidas e alardeadas mudanças climáticas aqui é privilégio danado de bom. Com sol, com chuva, com frio ou com neve, sempre valerá porque o que importa é a temperatura que está dentro de mim. 

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Intensidade

Dirijo-me à você que insiste em julgar os semelhantes e que acha que sou ateu! Acredito em Deus muito mais que você, talvez. Acredito tanto que sei que Ele não precisa que eu o defenda enquanto agrido os que considero pecadores pois Ele é Deus! Defender o Todo Poderoso é provar que Ele não poder algum. O meu Deus não se pode denominar, qualificar ou medir. É só amor! Eu não preciso cultua-lo porque Ele não é ególatra e só quer que eu viva toda a intensidade da minha humanidade da qual Ele mesmo me dotou! Não sou pecador porque se tal fora estaria decretada a falibilidade d'Ele em primeiro lugar e, depois, da sua maravilhosa criação. Não vivo a minha vida em ética por medo do inferno ou por fazer merecer o paraíso porque dessa capacidade Ele Próprio me dotou e eu amo exercitá-la enquanto escolho entre fazer o bem ou o mal. E quase sempre escolho o bem. Será que estamos a falar do mesmo Deus? Eu não me importo com as diferenças de todos nós porque já sou suficientemente maduro para saber que são elas que nos fazem, no todo, um único ser universal e que são essas nossas mesmas diferenças que nos faz tão lindos! Não preocupa o pos-mortem mas, tão somente, a vida! É nela que concentro toda a minha gratidão ante o Universo Deus e a vivo com a maior intensidade possível por saber que nisso somente que reside a vontade Dele em mim e que, muito provavelmente, só se vive uma vez. Amo-vos todos! Amai-vos, manda o vosso mestre!