segunda-feira, 26 de junho de 2017

A Mendiga Rica

Faz frio aqui. Faz muito frio aqui. A temperatura estava a 9º e tinha um vento que parecia adentrar a pele e chegar nos ossos. Olhei desde minha janela e vi lá embaixo uma senhora gorda, muito gorda, com ares e jeito de pedinte, de morador de rua, de mendigo. Eis a oportunidade de fazer aquela caridade e ganhar mais um tijolo de ouro pra fazer meu barraco no céu. Eu só preciso de um quartinho pequeno com um banheiro decente e uma mini cozinha pra fazer meu café. E Deus já sabe disso pois já falei pra ele. Dai, como não vou querer aquela mansão que o Edir Macedo promete, fico mais livre pra cometer alguns pecados. E adoro pecar, confesso! 

Fui ao meu armário e peguei aquela blusa de frio chique e de marca, já pouco desgastada e à qual eu procurava alguém que soubesse valorizá-la para, então, fazer uma doação. Nunca achei tal pessoa. Mas, decidi correr e descer as escadas todas e oferecer à aquela senhora gorda e de peitos enormes e caídos até a parte inferior da barriga e cobertos por uma uma camiseta surrada e uma pulôver desgastado e abotoado por um só botão. 

- A senhora aceita esse meu casaco? Tá limpinho e cheiroso e pode ser que lhe aqueça nesse dia frio.

- Oi? Quê? Não preciso disso não! Dê para alguém que precise - Foi a resposta seca e tosca.

Fui comentar com o vizinho que me informou ser ela velha conhecida de todos por aqui. Que é filha de senhora, funcionária pública e aposentada com gorda aposentadoria e aquele é só mesmo o seu jeito. Não é moradora de rua e vive muito bem. A mãe tem um apartamento muito bom aqui pertinho e que a moça sempre foi confundida como moradora de rua. 

Estou minha blusa de frio aqui. Melhor que eu permaneça mais um pouco de tempo com ela. Aliás, eu a usei para me proteger. Estou usando ela agora. Está linda com essa cara de blusa velha. E o melhor: me traz á memória a lembrança da juventude. 

Vou levá-la comigo. É minha e por ela tenho um especial carinho, um certo apego. E de agora em diante vou proceder como já procedia para o descarte de algumas peças íntimas como as minhas cuecas surradas. Lavo-as muito bem e as deixo bem cheirosas. Secas e passadas coloco numa sacola de papel de uma loja qualquer e as deixo ali ao lado lixeira. 

Caridade demais pode até incomodar. Caridade demais é desequilíbrio, diz o princípio do equilíbrio budista. 

Wanderley Lucena

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