segunda-feira, 24 de abril de 2017

Dr. Google

Meu vício em café, de tirar os pelos das ventas, de dormir pelado, de falar sozinho ou com o passarinho lá naquela árvore e até com estranhos; de ir ao mesmo restaurante e sentar na mesma mesa e ser servido pelo mesmo garçon que já sabe até o que vou beber; de ir em igrejas que nem sei qual a denominação, com elas vazias, sentar num banco e fazer minha oração; de olhar as nuvens e esperar que minha imaginação me traga a figura de um dragão; de ouvir a água do riacho a bater suave nos seixos. São tantas as minhas manias que tenho me perguntado se não está na hora de procurar aquele temido especialista, o psiquiatra. 

Nem todas as manias são boas. Minha mania predileta é a de não perder meu tempo com amizades que não tragam prazer. Já eliminei algumas pessoas que não aceitaram bem a minha presença. Acontece que todos somos rejeitados em algum momento por alguém. E nada vejo demais nessa atitude. Eu, de verdade, agradeço quem manifesta que não me gosta. Poupam-me um tempo danado!

- Não seria você um borderline?

- Oi? Que diabos é um borderline? 

Seria alguma nomenclatura de computador, de intenet? No meu parco inglês: border = borda + line = linha = alguém que estaria à margem? Pelas bordas?

Quem me taxou de borderline sabia o que dizia e era esperto o suficiente para não decretar nada, mas, apenas levantar a suspeita e deixar que o processo conclusivo fosse todo meu. E foi o que fiz correndo. Em casa, corri para o Dr. Google e a definição era que borderline é certa síndrome com viés psiquiátrico. 

- Vixe! E agora? Era só o que me faltava! - Pensei eu.

O Dr. Google me ofereceu um teste e o resultado era de 50% para a positivo. Sim, pode ser que eu seja um borderline, portador de síndrome também conhecida por "transtorno de personalidade limítrofe". Caracteriza-se por mudanças súbitas de humor; medo de ser abandonado pelos amigos - e aqui eu tenho de rir um pouco (e não é por desdém) - comportamentos impulsivos, gastar dinheiro descontroladamente - tenho rir mais um pouco - comer compulsivamente; pensamentos negativos e suicidas - aqui me mijo de rir - etc...

E o Dr. Google, preocupado como ele só. me advertiu que deveria consultar um psiquiatra antes de tomar qualquer conclusão própria do seu diagnóstico nada confiável. Eu, como qualquer um que leia o artigo e faça o teste do Dr. Google, inexoravelmente, vai se achar com a tal síndrome. Quem não tem tem mudanças de humor repentinas? Quem nunca se viu à beira de perder um amigo por ato ou fato que o justifique? Quem nunca pisou no acelerador dos gastos e ficou apavorado a esperar a fatura do cartão de crédito? Quem nunca?

Eu, certa vez, andei tendo umas crises de labirintite. De início me assustei. Parecia que a calçada estava enviesada e cheia de ondulações ou era desenhada por Tim Burton para um dos seus filmes. O dr. Google, de imediato me diagnosticou com labirintite. Ufa! Labirintite é como está bêbado só que sem ter bebido qualquer dose de álcool. Mas, não era nada mais grave. Labirintite não é grave! De jeito nenhum!

- Que legal esse negócio de labirintite - passei a curtir aquela tonteira. Pouco tempo depois que passei a gostar dela, ela me deixou e nunca mais voltou. Sacanagem! Fiquei com saudades! Vontade de acordar pisando numa cama elástica!

Agora... se eu fosse mesmo um portador de borderline eu iria agir da mesma maneira. Mas, uma das principais características da tal síndrome é a tendência ao suicídio. Morrer? Eu? Só de velho! Então, vou deixar pra ver mais à frente um psiquiatra! Só quando estiver jogando pedra na lua!

E tenho dito!

Wanderley Lucena



sexta-feira, 14 de abril de 2017

Felino de Janela



Alguém esmurrava a porta do apartamento. Parecia que alguém, nervoso, queria arrombá-la. Assustado, abri a porta e ali estava uma moça jovem com cara de guerrilheira que nunca esteve no front. Com lágrimas nos olhos, descabelada, dedo em riste, gesticulando como uma doida me informava, aos berros, que seu gatuno estava sofrendo com as queimaduras oriundas das cinzas do meu cigarro.

Cigarro? Cinzas? Eu sequer fumo. Mas, fiquei curioso é quis divertir-me um pouco com a loucura da guerrilheira. Não a informei que não era dado aos vícios, sequer, do cigarro.  Fiz questão de não informá-la, diga-se!

- Moça, a senhorita já consultou um psiquiatra alguma vez?

A doida não se aguentou ao perceber que eu não conseguia segurar o riso e desceu a escada soluçando. Eu fui para a minha janela e olhei pra baixo. La estava o gato marrom, com o pelo a cair de tão velho, com olhos arregalados e fixos a olhar para cima, imóvel, como quem olha, hipnotizado, para a lua. Eu quase conseguia ler os pensamentos daquele gato maldito - como se gato pensasse (será que não pensam?) - a me dizer qualquer impropério por meio da telepatia felina. Acho que me xingava. Eu não deixei barato e, também por telepatia, lhe xinguei com palavrões que não ouso repetir. O gato, pra piorar me apresentou um parceiro que surgiu, todo malhado e esbugalhou os olhos na minha direção. Era um gato menor, mais jovem, malhado em branco e preto. 

Mas, o pior é que ainda ontem, quando mirava o gato maldito, vi uma mão na janela do mesmo apartamento da guerrilheira sem causa, a bater as cinzas do cigarro janela à baixo. Pera! Pera ai! A doida era fumante e, pior, jogava as cinzas e a bituca do cigarro no jardim do condomínio. Eu mereço! 

Agora fico a olhar para os gatos imóveis na janela abaixo. Sempre estão ali, imóveis no balcão da janela, esperando que eu apareça na minha janela para mirar-lhes. Acho que vou passar a ser fumante. Não, não vou jogar as cinzas no olho arregalado do felino, mas... na dona dele! Que vontade que dá!

Wanderley Lucena

 

domingo, 9 de abril de 2017

Universal Diner

O ambiente tem cortinas longas e pesadas de veludo que descem do teto ao chão. A cozinha em estilo americano fica aos olhos do cliente. A decoração vai de bichos de zebras a onças de pelúcia enormes que podem está numa prateleira ou dependurados no teto. Mas, há toda uma miscelânea que vai de antiguidades jamais vistas ao moderno piso em lajotas gigantes em preto e branco que mais parecem um tabuleiro de xadrez. As cores púrpura e o roxo predominam. A iluminação parece ter sido projetada nos mínimos detalhes. Um terraço na parte de trás trás uma atmosfera cosmopolita, haja vista a decoração que leva em conta pequenas luzes que enfeitam as pequenas árvores nos vasos.  Seria tudo parecido à tantos restaurantes da cidade? Não, de jeito nenhum. Universal Diner, na SCS 209 em Brasília tem uma atmosfera contagiante que a ninguém passa alheia. 

A clientela é diversificada e, talvez, seja a melhor parte. Ninguém se intimida com a pompa do lugar que imita os cabarés chiques de Paris ou Nova Yorque. E tem um DJ digno de todos os elogios. A música é espetacular e não espero apenas a música eletrônica. Você vai ouvir Kaoma, Amelinha, The Fivers, Roberto Carlos, Xuxa, Edith Piaf... É udo de bom. 

A gastronomia é refinada e leva a assinatura da renomada Chef brasiliense Mara Alkamin. Os pratos são dignos de qualquer bistrô chique de Paris. Verdadeiras pinturas que são postas no balcão á espera do garçon que os conduzirá aos afortunados clientes. E o serviço é muito bom. Todos trabalham felizes. Aliás, o Gerente, um maranhense com cara e jeito de buda ditoso, não se enquadra dentro do chatíssimo "politicamente correto". É performático, alegre e atencioso. É um verdadeiro artista que, de repente, dá um grito e se joga no pequeno espaço entre os clientes dançam frenéticos.

Eu já conhecia o lugar, mas era bem menor. Naquele tempo, há mais de dez anos, eu já o achava incrível. Mas, o que era bom ficou melhor. E olha que eu estava sozinho. E sou meio tímido, por incrível que pareça. Mas, ficar ali a olhar a cena, simplesmente é impossível. Não tem como não se envolver e cantar junto com todo mundo e não rebolar o esqueleto mesmo que junto ao balcão do bar.

Ouvem-se gritos de moças já embriagas e, não tem jeito, aqui ou ali um copo se estraçalha no chão. Muitos risos. Muita pegação. Muita paquera e, ali naquela mesa, desavergonhadamente, o rapaz com a mão saliente na perna daquela moça de mini saia quase a tocar-lhe a genitália. Rapazes se beijam ou andam de mãos dadas. E não pense que o ambiente é gay. Eu diria que é um ambiente mix. Eu diria que é tanta coisa pra se ver e fazer no espaço que em apenas uma visita fica impossível aproveitar toda a extensão do local.

Voltarei muitas vezes!

Wanderley Lucena

sábado, 1 de abril de 2017

Tempo por Presente!




A descoberta de viver o presente extraindo-lhe tudo o que ele gentilmente me oferece; bloquear as lembranças ruins que ficaram no passado; a certeza de que o futuro virá, fatalmente, e que poderei vivê-lo sempre no tempo presente... é de uma felicidade que não dou conta de te contar!


Wanderley Lucena

Somos Dois

Foi numa noite escura e preta como breu que sai de casa, sem eira nem beira, apenas porque eu queria sentir a escuridão. Botei o minha jaqueta de capuz e dobrei a esquina a caminhar com molejo exagerado, pendendo para um lado e para o outro. Eu conhecia bem aquelas quebradas. Não fora o meu receio ante a escuridão eu diria que tudo era igual. Passei a sentir os cheiros e ouvir o que acontecia ao redor.

Só não quero é ir muito longe! Quero morrer de velho. E nem sai de casa com algum trocado para agradar o ladrão caso me apareça. Documentos também, deixei-os em casa. Caso me morra, morrerei como indigente! A ideia não me agrada nenhum pouco. Tem esses tênis velhos e a jaqueta de capuz, a calça e a camiseta surradas. Espero me deixem a Calvin Klein pra me esconder as vergonhas.

Alguém tropeçou num balde ali? Ou seria só um gato a fugir e a esbarrar em alguma bacia? Tem vozes vindo dali. Seriam os drogados? Os moradores de rua? Perai! Tem alguém chamegando ali naquela calçada imunda dentre aqueles cobertores velhos e fedidos. Mas, e daí? Só porque estão em situação de rua?

- Boa noite! - falei ao bicho doido, rastafári, que passava com um cigarro no bico e as mãos dentro do bolso da jaqueta.

- Tem cigarro ai? - Se o cara estava a fumar um cigarro... pergunta idiota!

O doido parou e me ofereceu o cigarro que eu nem fumava. Na verdade, só queria interagir. Fiz-me de "mala" e perguntei: Tudo beleza, véi?

O cara encostou na parede, levantou o pé o grudou na parede, Odeio gente que põe o pé na parede dos outros. Mas, eu queria voltar para casa são e salvo. Fiz-me de igual e, também, levantei a perna e sapequei o pesão na parede. Tossi bastante e joguei o cigarro fora. Ficou evidente a minha inabilidade com o tabaco. Justifiquei e informei que eu não fumava nadinha e que só queria mesmo era manter algum contato com essa gente que vive na noite, na escuridão.

O rapaz sorriu bastante e me informou: Somos dois!


Wanderley Lucena