quinta-feira, 30 de março de 2017

Até cavalo beber em pé

Das manifestações da natureza, a que mais gosto é a chuva. Não sei se porque meu signo é de água. Mas nem acredito muito nessa coisa de horóscopo. Aqui está chovendo muito por esses dias. E já se pode considerar que é chuva fora de época. Eu sempre fico olhando a chuva pela janela e penso: são as águas de março fechando o verão. E penso na seca terrível que virá em seguida e que dura por meses infernais. Mas, ao olhar o aplicativo meteorológico vi que as chuvas vão entrar abril à dentro. "Tomara que chova três dias sem parar", que marchinha linda de carnaval. Lá no nordeste se deseja que chova até cavalo beber em pé. E cavalo bebe deitado por lá? 

Mas, janela enorme na Asa Norte de Brasília é verdadeira tela, uma pintura. A chuva cai intensa e crepita nas folhas do pé de abacate, de manga, de acerola, de jabuticaba e no chão encharcado. Dormir ouvindo a chuva e os muitos trovões, para mim, é dormir a ouvir verdadeira canção de ninar. Acordar com um trovão que te assusta na madrugada não tem preço. E na janela, os fios de água a correr nervosos e trepidarem rumo à baixo em contraste com a luz dourada do poste. Mesmo sendo noite é possível ver nuvens baixas e pesadas à cima. 

O dia amanhece e continua a chover. Coitada da moça encolhida debaixo do guarda-chuva tentando não molhar os livros. E a senhora que chega da padaria com o pão quentinho e protegido no saco plástico. As crianças pisam nas poças d'água e se dirigem às creches acompanhadas de pais zelosos. A amiga que mora aqui do lado e que bateu na porta com uma cuia de chimarrão. Mas, eu sou nordestino. Cadê a farinha de puba numa farofa de carne seca? Vamos ao mate. Amarga como fel mas o sul todo se mata por essa erva. Então, vamos lá! Não tem jeito de botar umas gotinhas de adoçante não?

Cadê o meu café quentinho e cheiroso? Vou ali buscar um pão e você me espere ai. Tome seu chimarrão enquanto ver o Bom Dia Brasil. E fume na minha janela enquanto ver a cena ali abaixo. A chuva cai em torrentes. Os pássaros não cantaram hoje. Mas pra quê? A chuva, por si só, já é mais que suficiente para o espetáculo que precisamos pra iniciar o dia.

E que ela chegue bem faceja e molhe os campos e inunde as entranhas da terra. Que encha os lagos e os rios. Que chegue até os rincões do nordeste e que molhe as faces enrugadas da gente sofredora do sertão. Que os meninos brinquem nas poças de lama no caminho da roça. Que a seca por aqui seja amena e que todos os reservatórios transbordem e as águas cheguem às nossas torneiras sem racionamento e sem taxas extras nas contas.


Wanderley Lucena

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