segunda-feira, 18 de julho de 2016

Deleite e Desgosto

Sentei-me num dos confortáveis sofás da Feira do Livro de Brasília e comecei a ler Quincas Borba, de Machado de Assis. Veio-me certa culpa e vergonha por não ter lido o livro que é obrigatório, ainda no primeiro grau de estudos. Eu nunca pude me dar ao luxo essencial da leitura, mesmo que dos grandes nomes, mesmo que o desejasse. Eu sempre fui desejoso da boa leitura e me encantava a cultura. Mas, o acesso era escasso. Primeiro na roça, depois... já na cidade, que de tão pequena, muitos sequer ouviram falar dela, minha vida sempre foi de muito trabalho. E a escola era uma obrigação à qual eu bem sabia, precisava dela para sair da penúria. Sempre tive medo das provas e dos professores, embora, tenha ficado de recuperação uma única vez, na sétima série, em matemática, matéria que sempre odiei e tive pavor. Até hoje pago caro por tal carência.

Mas, ali sentado naquele sofá cinza, senti-me confortável e comecei a deleitar-me com a leitura quando uma criança demoníaca começou a correr e gritar em notas que uma cantora lírica não alcançaria. Feira é feira – pensei. Que podia eu esperar? Os pais sequer eu soube quem era no meio de tanta gente. A criança endiabrada corria por todos os cantos e, por mais que tentasse, ela não desaparecia de meus olhos e seus gritos e entravam juízo á dentro como se navalha fossem. Fechei o livro e fiquei ali a observar a cena.

A feira estava sem grandes atrativos e o sol intenso que batia pelas imensas janelas do Centro de Convenções fazia do local um forno apesar do ar condicionado. Os corredores de stands eram todos iguais, bem como, os próprios stands. Não encontrei café que não o de garrafa e para comer, alguns salgados sem graça. Mas, tudo bem, era apenas uma feira – pensei eu mais uma vez.


É que por ser feira literária eu esperava as cores massala. Esperava homens e mulheres com cara de eruditos e ambientes aconchegantes que remetessem à alguma biblioteca. Mas, além estar em país tropical, nosso gosto moderno por aqui não é muito elaborado. Na cena chamou-me a atenção um stand já quando de saída. Alguns cordéis, uns cestos de papelão e uma frase escrita: Por favor, mexa! – O cesto estava cheio de livros de pouca atratividade para mim. Mas, ali ao lado, um imenso e luxuoso book sobre uma mesa donde se podia ler em letras imensas – Lula, 500 anos de História. Retirei-me da feira decepcionado, embora, com dois exemplares de um sebo. Acompanhar-me-ão por algum tempo, além de Machado de Assis, um José Saramago.

Mas, talvez o problema não esteja na feira e sim em mim mesmo. 

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Dona Davina

Quem a ver pegando o ônibus numa alegria que beira à doidice não imagina o passado de lutas. Ela sobe os degraus na estação por volta do meio dia, três vezes por semana. Cerca de meia hora depois desce no clube onde faz a natação.  Motoristas e cobradores já a conhecem e lhe são gentis ante toda a graça e risadaria que ela provoca com suas tiradas de quem está feliz.

A natação começa lá pelas 15h. Ela chega duas horas antes só pra ficar a jogar conversa fora e matar todo mundo de rir. Começa já ao descer do ônibus com qualquer um que esteja na parada e queira ajudar a velha senhora a descer os degraus. Alguns passos e já está na recepção do clube a cumprimentar à todos que a conhecem ou não. Por ali fica a fazer graça até a hora do compromisso de nadar. Se joga na piscina com seu maiô preto e, igual uma pata de asa quebrada, atende aos comandos da instrutora que, vez por outra, lhe grita o nome e ouve-se o riso largo a ecoar na piscina do ginásio coberto.


Ela não quer saber de tristezas. Não se entrega à idade e se vai em passos firmes a viver a vida que pensou jamais teria. Ela nunca escondeu a origem humilde de mulher da roça, lavadeira e zeladora de escola. Veio para a capital depois de aposentada e vive com uma das filhas que lhe proporciona nivel de vida de classe média alta.

Até um sorriso novo pôs na cara. Naqueles tempos idos quando arrancar todos os dentes de uma só vez era a garantia de não sentir dores futuras ela, ainda adolescente, pôs uma "chapa" no lugar dos dentes. Mas, os dentes inferiores ela perdeu com o mesmo argumento e jamais pôs a dentadura. De tanto mastigar encima das gengivas percebia-se o osso do maxilar exposto. Pois, além de uma peça fixa pôs implantes e quando já não mais sabia o que era mastigar voltou a sentir o sumo da cenoura mastigada, enfim.

As muitas rugas que lhe marcam o rosto contam as muitas estórias da mulher nordestina que suou muito para educar os filhos e mostrar-lhes o valor da honestidade.

Wanderley Lucena