A fazer orelhas na Clarice, a
Lispector. Ocorre que o único marcador de livros, aquela papeleta à qual
marcamos a página para voltar à leitura posteriormente e que era facilmente
encontrada em qualquer livraria e que, inclusive, era brinde distribuído até à
quem nada comprasse e que, agora, já não mais se ver, virou produto escasso mesmo à quem queira comprar. Quero crer que a crise
leva à esse extremo. E quem sofre as
consequências, ao menos nesse momento, é a Clarice. Sou obrigado a dobrar os cantos superiores das páginas, ou "fazer orelhas". É livro de tamanho robusto e de leitura despretensiosa e
sem pressa para acabar. Levo-o debaixo do braço para tudo que é lugar, para cima e para baixo, no metrô, no ônibus, à pé, de bicicleta. Faça chuva ou faça sol. E confesso
que sinto certo receio de esquecê-la numa mesa de um café qualquer, na cesta da bicicleta. E já a esqueci algumas vezes, porém, volto correndo, desesperado para achá-la onde a esqueci. Até agora ela sempre ficou ali, me esperando o retorno. Mas, por
ser ela uma dama, sinto-me culpado com meu desleixo. Peço desculpas e prometo:
farei um marcador, mesmo que por minhas próprias mãos só para não lhe fazer
mais orelhas, Clarice! Mas, mesmo sem fazer as tais dobras a ação do tempo e o manuseio,
por mais que fosse cuidadoso, é implacável. O que era bonito, viçoso e vistoso,
começa a ficar opaco e amarronzado. Mas, já está guardado numa gaveta especial
de minha memória todas as nossas viagens.
Wanderley Lucena
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