quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Simples assim

O telefone toca vez por outra e, desanimado, já sei que nada será novidade. Um ou outro cliente a consultar preços de diárias de hotel. Mas, aqui ou ali, um fantasma ou outro quer fazer contato. Eu não sou muito bom vidente. Costumo não ter muita piedade de quem não se me respeita a distancia de tempo ou a que se nos impuzemos quando do passado em algum momento de desavença. 

Considero mesmo muito normal que hajam enganos a respeito das imagens que fazemos uns dos outros. E nada há demais quando se deixa claro que não se quer relação com este ou aquele indivíduo. Eu não passaria na mesma calçada na qual se me vem alguém que sei não me suportar. Porém, se a calçada for a única via, passo ao lado, respeitosamente e sem provocações, porém, sempre de nariz em pé. Exijo apenas a mesma atitude de quem não me suporta.

Vinte ou trinta anos depois, um desses, encontra-me em aplicativo virtual e, depois de várias tentativas, decido abrir-lhe a guarda. O dito cujus veraneia em casa própria, todos os anos, aqui em praia ao lado. Queria conversar e colocar o papo em dia. Eu não me animei e já podia imaginar que nada seria como antes e que a frustração seria a sensação ao retornar para a minha casa. Dito e feito! Depois de informar-lhe inúmeras vezes não querer conhecer a sua casa, mesmo assim, fui obrigado a desviar de caminho e passar em frente á residência da qual muito se orgulhava. Mas, resisti bravamente e não adentrei ao recinto. A minha raiva, mesmo que contida, foi se esvaindo depois de uma ou duas cervejas já em um bar próximo.

O papo fluia de maneira tão chata. Eu supliquei para que esquecerssemos o passado, porém, já com o teor etílico passado da medida, o assunto era o mesmo. Cobranças ante o que se fez e o que não se fez quando do passado, as expectativas frustradas.

Que pena! A noite era para ser prazeirosa, mas, a insistência sobre o tema me fazia sentir repulsa e ter a certeza que atender ao fantasma do passado fora mesmo um grandissíssimo erro. 

Raríssimos são os casos onde o perdão, verdadeiramente, funciona e apaga tudo o que foi feito ou dito enquanto os indivíduos se degladiavam ante atitudes de desdém ou de ódio completo. E ao que não percebe o motivo das agressões, as coisas pioram e o sentimento da mágoa pode jamais ser apagado.

O perdão pode velado. O perdão pode ser o ato de guardar as boas lembranças como quem guarda um bom livro na estante. O perdão pode ser silencioso e sabedor de que jamais se quererá está na companhia de quem foi perdoado.

A vida continua e novas amizades virão  e muitas não ficarão. Normal como o sol que nasce todos os dias. Perceber que passou e que o que se perdeu jamais será reconquistado é verdadeiro ato de libertação e desapego. Serve para qualquer tipo de relação, desde amizade, parentesco ou amoroso. Simples assim!

Wanderley Lucena


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O Ato

Estás por demais sexual
Acho que estou quase a concordá com tua mãe:
"Tá na hora de aprenderes a cozinhar".
Eu e minha libido...
Não sei aonde a escondi
Mas, vou achá-la qualquer dia, e aí...
Eu quero mesmo é voltar a sentir como no primeiro amor
O gosto da fruta roubada
Esconder-me atrás do muro pra fazer coisa errada e boa
Olhar pelo buraco da fechadura
Coração a sair pela boca
Amar sem ser percebido
Sequer pelo objeto amado
Olhar o precipício e desejar lancar-me
Conscientizar-me, logo em seguida, que vale mesmo é o amor próprio
Curtir fossa às margens do Reno
Tomar um Bordoux qualquer e achar normal e rotineiro
Acordar debaixo do edredon depois de noite intensa
Perceber o corpo quente que aceita o abraço
E que murmura de tanto prazer
Mesmo que jamais se me ocorra
Imaginar-me já é ato de prazer indelével
Alimenta-me como se fora real, quiçá, ainda melhor
O meu abraço quem o recebe, obrigatoriamente, é Brahma
Meu queridíssimo companheiro que não tem como fugir-me
Meu pequeno shitsu é obrigado a aceitar-me, inclusive, os abraços apertados
Rosna, e late, e se me avança, ameaçadoramente, como se o pudera
Arregala-me os olhos em expressão raivosa
Suas presas pequeninas a tocam minha pele em tentativa desesperada e inútil de fuga
Estás vitimado pela impotência ante nosso disparate de poder e posse
Nem que não queiras, és obrigado a suportar-me, querido Brahma
Sinto pena de ti, meu querido
Você depende de mim pra tudo
Perdoa-me, Brahma!
Perdoa o meu amor averso
Tantos donos poderias ter tido
E a vida quis que fora eu a ser-te
Aqui em terras desoladas e áridas de afeto estamos os dois
Vitimados igualmente
Mas, a vida, muitas vezes nos muda o curso natural
E muitas vezes a mudança é pra melhor
Verdade que, por vezes, afasta
E, por vezes, ajunta
Não importa
Nada importa
Importa só o ato
Inspire!
Expire!
Inspire!
Expire!
Lá já se foram quatro atos
Sinta o ato!
Só ele importa
Aprenda a cozinhar!
Aprenda a cozinhar!

Wanderley Lucena





quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Despedida Iminente

Tudo vai bem! E continuo a me despedir deste lugar que tantas algurias me trouxe. Não posso culpar somente o lugar em si. Seria injustiça minha. Talvez a minha personalidade com tendências à melancolia ou o meu caráter forte que destoa da maioria dos conviventes locais. Não sei! Só sei que estou mesmo em momentos de fechamento de cortina. Vou tentar me limpar antes de chegar o dia da partida. Vou tentar sair o mais leve que eu possa. Levarei, com certeza, minhas duas malas e meu cachorro. Mas, não só. Levarei todas as marcas que este lugar me infligiu. Todas as vezes que me olhar ante o espelho verei a cicatriz na fronte e as rugas que consegui. Levarei poucas boas lembranças que, agora, não consigo lembrar-me. Mas, elas existem. Devo deixar algum amigo que, por agora, também, não se me ocorre. Que me venha o próximo carnavel e, em seguida, o aeroporto. Jamais voltarei a este lugar, a não ser que, a vida me obrigue a tal. E odeio obrigações, confesso. Se aqui vim para expiar pecados, creio, pagueios-os todos. Ao menos é o que sinto. E minha amargura não precisa de dó ou piedade de ninguém. Sou auto-sufuciente e dono de meu nariz. Estou aqui porque o quis. E, vou-me porque quero. Sou feliz! Mas, valeu! Sempre vale! 

Wanderley Lucena