sábado, 29 de agosto de 2015

Cinquenta

Do alto dos meus cinquenta, sentado desta cadeira, já posso lhes dizer: respeitem-me!
Agora tenho uma estória a contar 
E já levo aquela espécie de salvo-conduto com o qual os mais velhos podem dizer quase tudo o que pensam sobre si, os outros e o mundo
E se não me pronuncio sobre tudo o que percebo é pura generosidade ou por saber que o diálogo será perdido, barulhento, ou desagradável
E me resta alguma piedade, todavia
E claro que me importo com sua opinião a respeito do que quer que seja, inclusive, sobre mim, porém, tome cuidado para que eu não lhe interprete mal
Pode ser que eu venha a ter-lhe por ignorante
Nesses casos posso, simplesmente, reponder-lhe à altura e, geralmente, não gostam quando falo de forma veemente com quem considero ignorante
Mas, por sorte, nessa idade já evitamos os escândalos maiores
E o "barraco" nunca me cai bem
É que aos cinquenta se perde o medo do desprezo de quem não consideramos importante.
Também, aos cinquenta, por vezes, é melhor o sino do desprezo a ressoar-nos, desagradavelmente,  na lembrança que ser tolerante com o preconceito de gente ignorante que não sabe argumentar ou aceitar as diferêncas dos indivíduos
Aos cinquenta já não mais importa muito
E isso não precisa ser dolorido, digno de dó ou pena, senão, privilégio
É a dor de quem se percebe vivo, muito vivo, e se apropria dessa verdade
Sim, viver e chegar até aqui é privilégio
Mas, confesso: é mesmo muito dolorido chegar aos cinquenta
Resta saber como se chegará aos sessenta
Resta a esperança de chegar aos setenta
E... pior: resta saber se chegaremos aos oitenta ou a qualquer outra idade mesmo que seja o minuto adiante
Que me venham os anos!
Que me venha a sorte dos amores vividos
Que se me venha o equilíbrio!

Wanderley Lucena

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Colóquio sobre Funerais

- Momento nostalgia. Não vale cortar os pulsos. (Começa a tocar Rod Stewart e Amy Belle a cantar "I Dont Want to Talk About It").

- Navalhas no cofre!

- Putz! Você me leu antecipadamente. Eu ia dizer: Sugiro guardar todas as facas antes de apertar o "play", mas, não deu tempo.

(Recebo em seguida, por ele me enviado, "Antony and the Johnsons - Hope There's Someone").

- Música para suicídio. Dor, muita dor. Cadê a porra da peixeira? Mas, como lembrou-me a Nina Simone. Um réquiem. Não, não toque no meu enterro. Prefiro a Marisa Monte: já sei namorar, já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar...

- Eu brinco que tenho algumas músicas para tocar no meu funeral. Uma delas é esta:

(Veio-me, em vídeo, "Portishead - Roads", e em seguida:

- Há! E vai ter Nina, viu?

- Você é um fdp*, um adorável fdp, mas fdp!

- Aliás, o texto do blog "Familia e Cena" é lindo!

- Sério? Você gostou? Você é mesmo um fdp. Eu tenho que lhe dizer que fiquei por demais feliz. Feliz "pacarai"**. Sei que você não seria generoso por dó ou piedade. Você é um crítico nato e não precisa me fazer cena por causa de nossa amizade. E, embora furtivo, você sempre me foi muito honesto, não o posso negar. Mesmo que usando-se da ausência de palavras, inclusive. Compreendes?

- Eu posso não ter talento para tocar um instrumento, nem para escrever um livro ou para ser ator... mas tenho-o para entender tudo isso! Te percebo sim!

- Um fdp! Valeu! Continue a me perceber.

-  Hei! (rs)

- Sobre "Familia e Cena" informo que não é uma crônica e sim um conto. Trata-se de uma ficção por mim criada. Tal fato jamais se me ocorreu. Ok?

- Será? (rs)

Wanderley Lucena
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* Filho da puta.
** Pra caralho.