sexta-feira, 22 de maio de 2015

ZODIACAL

Meu estado de alerta é meu guia, aprendi com o Spinoza
Já não mais uso armas de pólvora
Mas, a língua continua ferina e, por vezes, até mata
Resta-me, entretanto, alguma piedade
Algumas vítimas, deixo-as vivas, porém, aleijadas
Quero fazer o Caminho de Santiago antes de me fixar por lá 
Verei se me salvo
Ou se ainda tenho salvação
Aqui já sei que não há
Só peço que se fores ao meu encalço
Lembra-te que meu calcanhar é de Aquiles
Tu és sagitariano
Do mundo, sem dono nem rédias
Invejo-te
Uso as minhas rédias desde que me entendo por gente
Mas já sei 
Sou de todos os meses
De todos os tempos
Mas, já fui de julho por nascimento
Canceriano já o fui
Levo agora todos os signos 
E muitos mais que os do zodíaco
Diz minha mãe que sou nascido em dia sétimo
- Vou te ligar!
- Because?
- Trim, trim, trim - tocou-me o telefone.

Wanderley Lucena

sábado, 16 de maio de 2015

A DOR DA PERDA

A morte surpreendente e repentina, do um vizinho nesta tarde. Ver o corpo e consolar os parentes, inclusive, a viúva foi a primeira atitude de todos que souberam do infeliz fato.

A cena que, bem poderia ser encarada como falsa ou desnecessária é, na verdade, a oportunidade de reconciliação e entendimento. A dor da perda não é só de quem perdeu o ente querido, mas, também do vizinho até então desafeto. O vizinho sente e chora a mesma dor. É ante ao desespero dessa dor de perda que se dá a disponibilidade de corações, humanos e falhos, que se unem para se auto consolar.

Nesses momentos difíceis é que se percebe o quanto a vida é passageira e o quanto perdemos nosso tempo com coisas pequenas. Acho que não se pode ignorar a agressão dos que, quando em vida, insistem em se manifestar negativamente, e repetidas vezes, contra alguém. Entretanto, é com uma perda como essas que, os parentes e amigos refletem o quanto é importante ignorar determinados gestos e valorizar outros. 

O evento "morte" é só mais um  momento da própria vida. Dói como ante ao apego ao que se foi e ao fato de nunca mais se verá  o ente querido. É dor parecido com a da mãe ou pai que ver um filho ser encarcerado numa cela depois de ter cometido crime não esperado e saber que ele ali permanecerá por anos a fio e que, no caso brasileiro, sairá de lá pior que quando entrou. 

Por isso, o budismo prega o desapego. É ele, o apego, a causa do sofrimento que leva à depressão e muitas doenças. O apego é o mesmo do objeto. A madame que perdeu a sua joia e não consegue mais achá-la e que se atormentará por dias, meses e até anos, a lembrar do bem perdido quando, é tão somente um objeto que, mesmo caro, não vale um minuto de apego. E claro que um ente querido é mais valioso que qualquer joia. Mas, há que se ficar com as lembranças dos bons momentos vividos com ele e o contentamento da certeza de que se aproveitou ao máximo, enquanto em vida, da presença dele. 

Daí, a necessidade da vigilância em não perder tempo com o desnecessário. E sei que, como diz o adágio popular, "falar é fácil".

Wanderley Lucena


quarta-feira, 13 de maio de 2015

A HIPOCRISIA DO DISCURSO

Creio que a grande frustração de um artista é perceber a hipocrisia daqueles com quem é obrigado a conviver e que o julgam um depravado por sua livre expressão. O mesmo se passa com intelectual - e eu não o sou, nem intelectual, quiçá, artista - que se aborrece com o ignorante ao ponto de, simplesmente, deixá-lo a falar sozinho.

É um incômodo permanente perceber que a falta de bom gosto é desequilíbrio e ouvir que "gosto é gosto, cada um tem o seu". Permanecer num diálogo que não trará frutos é um verdadeiro infortúnio. E há aqueles que, como eu, por muitas vezes, insiste em tentar. E, na maioria das vezes, fica o desgaste, o dissabor, a frustração. E o ignorante sair dizendo que você é um "metido" e que o está a discriminar. Francamente!

É como discutir religião. Quando o religioso percebe que você não se converterá ao seu pensamento ele logo pronuncia: "religião não se discute". Eu digo que, se as partes são adultas e inteligentes, discute-se qualquer assunto, até futebol. E ambos têm que sair do diálogo valorados pela experiência frutífera de falar e ouvir. 

Pior, é perceber-se julgado por quem ouve e saber que, no fundo - mas, nem tão fundo assim - aquele indivíduo é igual, senão, inferior a você. E, bem sei, somos todos hipócritas mesmo, inclusive, este que ora escreve!

Wanderley Lucena



sexta-feira, 8 de maio de 2015

BENDITO SILÊNCIO

Ficar só, por vezes, é a melhor opção. Fazer-se companhia e ouvir apenas a sua própria voz. Recluir-se em obstinada busca pela paz interior... ou não. Há que se reconhecer o que nos faz dano, mesmo que não intencional. Há que se reconhecer o que danificamos, intencional ou não. Certo é que quando adoecemos e fazemos adoecer ou, nos adoecem, é hora de parar e recomeçar. Ninguém é obrigado a nada e muitas vezes, por amor ou outro sentimento nobre - ou não - alguém se atrela ao outro em verdadeiro auto ato punitivo de si ou do amado. Ele não estará feliz ao seu lado e nem você estará feliz ao lado dele. Assim sendo, o melhor é desapegar e lançar, ou lançar-se, rumo ao desconhecido interior que tanto bem traz.

A própria dor é fogo que apura o espírito e enleva ao alto. Nada de masoquismos, por favor! A solidão propositada por períodos pré-determinados e regulares, é super benéfica ao espírito e se reflete no corpo. Calar-se é melhor que falar. Quem fala deve fazê-lo de maneira ponderada e, de preferência, sem ser prolixo.

Quem espera resposta falada deve ouvir o silêncio que grita. O silêncio é a resposta inteligente de quem já chegou à maturidade ou está rumando à ela. O meu silêncio me faz muito bem. É ele um dos meus aprendizados.Um "não" dito implica rejeição e conflito iminente. O silêncio é "não" que vem acompanhado de reflexão e tolerância. Um "não" não dito verbalmente é caminho largo para o diálogo e o bem-dizer que necessita a espera do posterior momento. A celeuma que existe ante um "não" verbalizado é briga de facões. Os corações sairão dilacerados. Por isso, manter o silêncio é manter a abertura para o diálogo posterior que, a depender, bem pode, novamente, silenciar-se.

Wanderley Lucena