Levaram-me - levei-me? - até o cadafalso e me puseram a corda no pescoço e... quem dera fosse bamba. Olhei para baixo pelo buraco quadrado. Estávamos a uma altura de uns quatro metros do chão. Não havia plateia. O dia era opaco, morno. Um vento cortante trazia ao meu nariz o cheiro do esgoto que corria a céu aberto pela valeta abaixo da calçada de pedras seculares. Havia o algoz que cumpria as ordens e mais ninguém. Aquele algoz trazia o peso do todo. Escondido dentro de touca que lhe cobria até o pescoço e que me mostravam olhos pequenos e assustados. Era franzino, raquítico. Decepcionei-me ante o seu tamanho já que esperava um gigante barrigudo que não me permitisse qualquer reação. Entretanto, não queria reagir. Minhas mãos, mesmo que não estivessem atadas não se levantariam contra ele. Maior que o meu medo era a humilhação. Mil palavras se sobrepuseram em pensamentos turvos e saudosos. Muitos deles de pura amargura. Outros doces e felizes. Minha conclusão era de que valera aá pena. Em alguns segundos as tábuas cederiam aos meus pés e eu esperava a liberdade. Havia tristeza em minh'alma. Mais que ela, havia um imenso mar de sobriedade agradecida. Não me vinham lágrimas. Havia resignação. Os segundos viraram horas. A espera parecia infinita. Sequer sentia algum ódio. Havia amor e agradecimento. Logo eu sairia dali para não sei onde. Queria continuar a sentir todo o ser que agora me sentia. Podia me sentir inteiro e em total simbiose com o universo. O céu estava fora, infinito aos meus olhos. Mas, dentro de mim havia o mesmo céu. Respirei fundo e senti que o ar me preenchia não só os pulmões. Percebi o vulto do braço forte e nu a puxar a alavanca, enfim. Sai de cena e continuei a perceber-me ressonando junto com todos e com tudo. A calma se apropriou de meu ser. Não mais dor. Não mais ânsia. Só amor.
Wanderley Lucena
As letras que compõem o canteiro deste blog germinaram naturalmente em solo regado de sensibilidade, amor, crítica, revolta, altruísmo e empatia. Não é minha pretensão agradar à todo mundo. Ainda que lhe cause o espanto, só lhe quero emocionar.
quarta-feira, 18 de março de 2015
CADAFALSO
Sou feio e bonito a depender da distância e de quem olha.
terça-feira, 3 de março de 2015
CÍCLICO
Apaixonei-me
e me contentei
Mas, me
desapaixonei e, me contentei de igual modo
Gratidão ante
abóbada cósmica
Placenta de
Deus que a tudo envolve
Acalentado,
senti-me protegido
E veio o medo
e deixou o gosto de fruta estragada
A dúvida nefasta
que embolora corações
E me pari
depois das contrações normais da solidão
E ali
permaneci até que, de novo renascido
Levantei-me e
me fui
Para debaixo
de céu de estrelas opacas
De lua
cinzenta
Rumei para lá
e me apaixonei
E me desapaixonei
De maneira
cíclica me contentei
Mas não fique
tão “bolado”
É apenas
poesia de que não sabe fazê-lo
Wanderley
Lucena
Sou feio e bonito a depender da distância e de quem olha.
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