terça-feira, 26 de junho de 2012

O DEFUNTO DA PRAIA DO FRANCÊS


A estória que passo a contar-vos é verídica e aconteceu na Praia do Francês, nas Alagoas. Mãe e filho vieram de Maceió a tomar banho de mar. A mãe descuidou-se e, horas depois, percebeu a ausência do filho. Procurou-o por demais e, aterrorizada, concluiu, certo como dois e dois são quatro, que o filho querido morrera afogado e que o corpo fora levado pelas águas do mar. Com muita sorte o corpo seria devolvido e ela poderia enterrá-lo com velório digno.

A mãe esperou por cerca de dois dias, porém, o corpo não apareceu em lugar nenhum. Ela voltou para Maceió, antes alardeando que daria polpuda recompensa a quem achasse e lhe devolvesse o corpo de seu filho amado.

Um velho pescador, pobre-pobre-de-marré-deci, visualizando na recompensa a possibilidade de matar sua fome, passou noites a fio, a andar pela praia, na esperança de achar o corpo que, bem, poderia ser devolvido pelo mar durante a madrugada.

Dado momento da madrugada o velho pescador tropeçou em carne humana putrefata e deu pulos de alegria. Sua busca chegara ao fim. A sorte lhe sorria. Entretanto, o mar devolvera apenas a perna do defunto. O resto do corpo, com certeza, as feras marítimas já haviam devorado.

A perna putrefata, fedendo mais que carniça, foi colocada dentro de um saco de estopa e o velho pescador pegou o ônibus logo cedinho, rumo a Maceió onde entregaria á mãe do morto e receberia sua rica recompensa. O ônibus estava lotado e o povaréu logo começou a reclamar com o motorista que decidiu averiguar a situação. 

O saco com a perna logo foi identificado como a causa de tamanho desconforto às narinas dos passageiros. Todo mundo assustado ante a perna humana e o pescador de olhos arregalados, já quase sendo linchado. Depois de muito explicar e já chorando, o velho pescador convenceu todo mundo de que levava a perna do  defunto como ato humanitário e porque esperava matar a fome com a recompensa que receberia. Todo mundo ficou com dó do velho pescador e decidiram deixá-lo seguir viagem mesmo com a perna do morto dentro do saco.

O ônibus seguiu viagem levando o velho pescador, porém, o saco foi segurado pela janela, do lado de fora pelas ruas de Maceió até chegar na casa da mãe do morto. O pescador voltou para a praia com sua rica recompensa e matou sua fome por uma semana. Sobrou, ainda, para um litro de cachaça que o velho pescador tomou com os amigos  enquanto contava a dita estória sob a lua da Praia do Francês.

Wanderley Lucena


domingo, 10 de junho de 2012

FESTA NAS ALAGOAS

Aqui nas Alagoas as cidades se enfeitam para a Festa Junina como as demais, Brasil a fora, se enfeitam para o natal. Ao se passar por qualquer cidadezinha, por menor que seja, se vê  toda a parafernália que em nada fica atrás das luzes de natal. Balões coloridos, lanternas, fitas e bandeirolas são incontáveis. Os balões podem ser imensos ou pequeninos, porém, aos milhares. Enfeitam as rotatórias das avenidas e, mesmo nas BR's, o motorista que passa ligeiro não deixará de notar a atmosfera festiva. E, à noite, os enfeites estarão iluminados por luzes neon e toda a tecnologia moderna de iluminação. As ruas principais das pequeninas cidades ou nos grandes centros, ganham cordões de bandeirolas coloridas e o céu estará riscado pelos muito cordões de fitas multicolores a dançar ao vento.

Os funcionários do comércio são obrigados a se fantasiar de matutos. As moças pintam-se exageradamente nas maçãs dos rostos, fazem tranças nos cabelos e as amarram com as maria chiquinhas. Usam vestidos de chita e alpargatas nos pés e, por sobre a cabeça, presilhas, putinhas, atracas etc... Os rapazes colocam chapéus de palha e pintam um dente de preto para parecer banguela. É  bem verdade que muitos nem precisam de tal artifício já que, por estas bandas, falta a muitos, senão todos, ao menos um dente. E a porteira de São João se torna natural.  Para completar o visual dos rapazes, uma camisa xadrez toda remendada, uma calça marrom que leva uma corda como cinto, e sandálias alpargatas. Se fosse no centro-sul do país, se imitaria o jeito matuto e inocente de falar para completar o personagem. Aqui esse detalhe também é totalmente original.

Folguedos que podem ir desde um foguete a um tiro bem dado de espingarda podem ser ouvidos desde longe. Muitos são os que espraguejam a quem os solta depois de levar um susto de quase cair ao chão e o coração quase lhes sair pela boca.

Bandas de fama nacional e, este ano, ninguém menos que Elba Ramalho, se apresentam em praça pública depois que as muitas quadrilhas já se enfrentaram em passos de dança típica dessa época. Todos se envolvem e quem não vai dançar numa quadrilha se diverte a beber cachaça, a comer pamonha, cocadas e tantas outras guloseimas.

Marechal Deodoro é joia histórica tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional e tem igrejas centenárias que lembram, em muito, as cidades históricas de Minas Gerais. Há todo o casario colonial em ruas com ladeiras ladrilhadas e de curvas sinuosas que passam rente às paredes de casinhas pintadas em cores fortes. Desde o carro é possível cumprimentar com um aperto de mão ao morador que se encontra nas janela. Aliás, aqui se você ficará um bom tempo a esperar que o motorista à sua frente coloque o papo em dia  com algum dos moradores ou enquanto compra, displicente, um refresco, uma jaca, uma melancia, um picolé, um cacho de bananas ou uma faca peixeira de algum dos muitos ambulantes que empesteiam, graciosos, as cidades.

Mas, Marechal, como aqui se chama a cidade de Marechal Deododo, está às margens da belíssima Lagoa de Manguaba. Águas calmas e mornas que são a fonte de renda dos muitos pescadores. Barquinhos se vão e que voltam carregados de cofos de peixes que serão vendidos no, recentemente, inaugurado Mercado do Peixe. Trata-se o Mercado do Peixe de bela construção colonial recuperada e preparada para receber as bancas dos feirantes. Entretanto, é por demais comum ver os pescadores a vender pelas ruas, em carrinhos de mão, toda a sua pescada fresquinha.

O Mercado Municipal, prédio também recuperado e em estilo colonial também não passará desapercebido. Não sei se por ser novinho, trata-se de ambiente limpíssimo. Ambos ficam de frente para o recém-inaugurado Calçadão da Lagoa de Manguaba. Quem não conhece não sabe o que tá perdendo. À noite é programa imperdível. 

Mas aqui o tempo passa depressa enquanto se fica nas esquinas ou nas portas a jogar conversa fora. Muitas vezes, a fofoca rola solta e todos sabem os segredos de alcova todo mundo. Muitas vezes os tais segredos não passam de maldade de quem quer destruir a reputação alheia. Aqui todo mundo se conhece e mesmo se não se conhece, sempre se cumprimenta a quem passa. E assim é o nordeste, as Alagoas e Marechal.

Wanderley Lucena