quinta-feira, 26 de abril de 2012

DEOBALDO, O GAZO


- Qual o seu nome? - Perguntei ao simpático e humilde vendedor de cocos na Praia da Engenhoca em Itacaré na Bahia. 

- Gazo - Respondeu ele me abrindo um sorriso prateado por causa da estrutura que lhe fora posta aos dentes depois que um jumento lhe acertou um coice certeiro que o fez perder metade do sorriso. Onde antes estavam os dentes da frente, tanto os de cima quanto os de baixo, cerca de dez no total, fora instalada a placa do metal semiprecioso.

Ocorre que não havia separação entre os dentes artificiais, mas, tão somente uma única placa que, nem de longe, o dentista tentou esculpir a aparência de algum dente. A aparência era mesmo do nordestino que batalha com a coragem e a força dos músculos. O sofrimento estava estampado em seu corpo coberto de roupas pobres, nas muitas rugas que lhe estavam marcadas na face e nas mão calejadas, grossas e ossudas que pareciam de pedra.

Logo mais ao lado uma senhora manca, morena, de sorriso farto e de fácil conversa. Era a vendedora de tapiocas e que, logo, me apresentou como sendo sua esposa. Era manca por ter tido paralisia infantil. O casal se tratava com gentileza e ela fazia questão de enaltecer as qualidades de seu marido, em alto e bom som. Era homem de muito valor, lutador, corajoso, não dado a mentiras, informou-me ela.

- Gazo? - perguntei eu, intrigado com o nome que, provavelmente era apenas um apelido.

- Sim Senhor! Gazo é o meu nome - afirmou ele abrindo o sorriso platinado, reluzindo ao sol.

- Seu nome não é esse. Deve ser apenas um apelido - declarei duvidoso e imaginando que o nome dele deveria ser um daqueles nomes estrambólicos que as mulheres mães nordestinas adoram por em seus rebentos.

 - Mas deve ser muito feio o nome desse camarada - pensei eu, curiosíssimo para que ele me dissesse o verdadeiro nome.

- Meu nome é Deobaldo. Deobaldo Filho - me respondeu ele soltando um baita sorriso que foi acompanhado pelo da mulher manca.

- Devem existir dois Deobaldo neste planeta de meu Deus, este Deobaldo que ora me fala e seu genitor - pensei eu enquanto sorria junto com eles.


- Mas, como que eu vou gravar esse nome "nada a ver"? - indaguei-me certo de que, com minha parca memória, jamais conseguiria me lembrar de tal nome.

- O Teobaldo! É só trocar o "T" pelo "D" - pensei ao lembrar-me do famoso personagem de Guimarães Rosa em "O Grande Sertão Veredas".


Deobaldo me contou muitas estórias naquela tarde. Contou-me que seu pai já fora donos da fazenda onde se encontra a Praia da Engenhoca e várias outras, inclusive, Itacarezinho. Que um mineiro endinheirado chegou e se apossou de tudo por ali e que vendeu as mesmas terras a um grupo hoteleiro português, o Pestana. Ali, no meio da mata atlântica, várias estruturas de concreto imensas, estavam engolidas pela floresta. O grupo pretendia instalar ali o segundo hotel seis estrelas do mundo. Existe apenas um no mundo e está instalado na África do Sul. Diante de tamanha agressão ecológica e à cidadania do povo de Itacaré, Deobaldo, o Gazo, declarou guerra ao Grupo Pestana.

Fez abaixo assinado com milhares de assinaturas dos nativos e dos muitos turistas. Imprimiu panfletos que informavam sobre a agressão ecológica e à comunidade e, ainda, da submissão suspeita das autoridades locais e, de o prefeito ter se vendido ao grupo empreendedor.

Deobaldo conheceu um casal de turistas e fez amizade com eles. Eram desembargadores federais que decidiram comprar a briga de Deobaldo. Entraram com ação na Justiça Federal e embargaram a obra. O orgulho faz Deobaldo inchar o peito e declarar que venceu o elefante sendo ele uma formiga. O grupo desistiu de do mega empreendimento e restam suas carcaças no meio da floresta à beira mar.

Eu me pergunto porque que Deobaldo, o Gazo, não recebeu qualquer menção honrosa da Câmara de Vereadores de Itacaré. Ele deveria virar nome rua, ser estátua em praça pública. Sua estória deveria entrar para os anais de Itacaré e ser ensinada nos colégios.

- Há! Se o Brasil tivesse mais Deobaldos! Eles podiam ser brancos, negros, indios, mamelucos, pardos  ou gazos... mas tinham que ser "deobaldos" - pensei eu enquanto fazia a trilha de volta para a pousada -

Wanderley Lucena







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