quinta-feira, 27 de outubro de 2011

CIÚMES


Corta como navalha
Incomoda como ferida que não cicatriza
Atordoa como murro pesado, bem dado, na orelha
Me tira a razão e da cama
E faz andar sem rumo madrugada a dentro 
Causa repulsa como se escatológico
Me cega com tarja escura
Me prende e me impede movimentos livres
Veneno que estrebucha para só então matar
Espraguejo e lanço maus agouros que assustariam qualquer bruxa


...e depois, me chegas sorrindo e tudo se esvai.

Wanderley Lucena



CARTAS EUROPÉIAS



Brasília-DF, 27 de outubro de 2011.

Caro Amigo;

Na quarta-feira, dia 02 de novembro, justo no dia de finados, bem cedinho, porei os pés, novamente, na cidade luz. Isso mesmo! Desembarcarei em Paris. E por falar em finados, de novo quero explorar os cemitérios daquela cidade. São belíssimos, sabia? Tirar uma foto no túmulo de Chopin, da Edith Piaf e tantos outros é programa dos melhores. Os mausoléus são belíssimos e muitos deles são verdadeiros palacetes. Vale a pena!

O vôo pela Airfrance é aquele. Aquele mesmo. O que caiu no meio do oceano, lembra? Que medo! Estou brincando. Para falar a verdade não estou com o menor medo não. Tenho medo da morte mais não. A morte que não me chegue por agora quando gozo o melhor da vida. Ela que me venha quando eu não conseguir mais segurar a "caca". Ela que me chegue quando a bengala, que ainda não uso, me furtar e não me sirva de terceira perna. Ela que me chegue quando não mais me seja possível tomar meu banho sozinho ou quando não dê conta de me sentar mais no vaso sanitário. Ela que me chegue sem avisar, de preferência num sono pesado. Êta morte boa essa de quem dorme e não mais acorda! Nem ao menos se ver face ossuda e o vestido preto básico e mal costurado de Dona Morta.

Não ficarei apenas em Paris. Vou passar por baixo do Canal da Mancha pelo TGV e desembarcar em Londres pela primeira vez. A rainha me aguarda no Buckingham Palace. De lá me vou para terras romanas. Roma e suas Vias Ápias. Depois ainda dou um pulo em Florença e, por último, Veneza. A boa e velha Veneza de Romeu e Julieta.

Mas, quero te informar que tenho a pretensão de escrever-te diariamente. Quero manter-te informado de minhas aventuras e desventuras, minhas impressões e vivências na Paris que conheces melhor que eu.  Tomara eu não te canses de minhas cartas diárias. É que te tenho tanto apreço que gostaria de deixar-te informado de minhas emoções.

É mesmo uma pena que não possas, mais uma vez, vir comigo. Não estarás fisicamente, mas, tenhas a certeza de que te levo no coração. E se comigo vais, contigo fico da mesma forma e na mesma medida.

Um abraço e, na próxima carta já te escreverei de Paris.

Wanderley Lucena

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

CHIQUEIRO BRASIL

A sujeira é tanta que me sinto num chiqueiro continental. Ouço e vejo sujeira o tempo todo nos noticiários. A política é para homens bossais. Acho mesmo que os homens de bem, aqueles que têm vergonha na cara, não sobem em palanques, nem se filiam a partidos políticos. Eles, por nojo, preferem ficar conforto de seus lares.

A política é para homens reles e os honestos que se embrenharem pelo seu caminho serão mal sucedidos. É regra: quanto menos caráter, mais bem sucedido será o indivíduo político.

Apesar de ter colocado barricadas e sacos de contenção para impedir que o lamaçal adentre ao meu lar, ao meu espaço, percebo, revoltado, que há infiltrações. O cheiro da corrupção passiva e ativa entra pelas frestas e vejo-me impotente ante tal força. 

ONGs, igrejas evangélicas e católicas, centros espíritas,   todo tipo de associação vira pretexto para estender a mão à luz do dia e pedir polpudas quantias ao Estado. Mas, na calada da noite, é que se vampirizam as veias grossas e passivas do dinheiro publico. 

Pessoas conhecidas, amigos e até parentes estão encharcados na lama da corrupção. Alguns deles viraram pastores, catimbozeiros, políticos, donos de ONGs, etc... Poucos são os que suam verdadeiramente para se sustentar. Todos tentam, a qualquer custo, sem esforço braçal, uma teta para mamar. Pode ser um grupo de liderados, ou a falcatrua de uma licitação, ou um discurso falso e hipócrita que arregimente um grupo ou uma multidão suficiente para dar-lhe o sustento por meio de dízimos ou doações.

Homens de bem não se expõem, não se posicionam contra a injustiça. São, geralmente, discretos e equilibrados. Permanecem protegidos pelas grades de suas janelas vendo do lado de fora o assalto à mão armada contra seu semelhante. Os homens de bem podem até sofrer, podem até ter um discurso ético, mas se protegem de qualquer situação na qual possam ser expostos. Doe-lhes na alma a injustiça mas, eticamente, permanecem impávidos a assistir a sangramento público. Esses mesmos homens de bem não toleram discursos inflamados ou o ruído dos revoltados que gritam e denunciam os ladrões que se apoderaram do Estado..

Conheci um advogado muito importante, homem de valor, religioso como ninguém, que batia no peito, orgulhosamente, para informar a quem quisesse ouvir que não se contaminava lendo noticias de jornal. Preferia frugalidades, noticias leves, eventos sociais. Fiquei envergonhado e enojado do seu orgulho burro tanto quanto com a sujeira política a que estamos submersos.

A inércia ante a injustiça de qualquer tipo, assim como, a própria injustiça é, a meu ver, postura exatamente igual. É tão nojento e desprezível o acovardar-se diante do crime quanto ser o próprio criminoso. 

Wanderley Lucena


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ANDAR COM ASAS

Se podes "andar" com tuas asas?
Eu te afirmo que já voaste até onde te encontras.
E feliz é quem pode voar. 
A jornada é suave embora requeira a força nos músculos das asas. 
Levantar vôo pode até ser difícil, mas quando se está a plainar... 
Olhar para baixo com o vento a bater no peito.
No horizonte uma praia ensolarada na qual podes pousar. 
Mas não podes esquecer do passarinheiro, da sua arapuca.
Dos estilingues e das pedras contra ti atiradas. 
Mas, mesmo de asa quebrada, continua o teu vôo sem parar. 
E se quiseres pousar em segurança podes fazer o teu ninho em minha torre.

Wanderley Lucena

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ANDANÇA


De bike
de velocípede
de patins
de jegue
à pé
não importa
chegarei lá
com certeza
antes o sol se ponha.
E o sol vai se por
para mim
e para você.

Wanderley Lucena

sábado, 15 de outubro de 2011

PORTUGUÊS BEM DITO

Interessa-me a palavra bem dita. Expressada com todas as sílabas muito bem pronunciadas e que se transformam na expressão audível. Com o verbo no tempo correto, concordando do início ao final. Seja na frase ou no texto por completo. A frase bem entonada quando pergunta, quando responde, quando exclama. Não importa se escrita ou falada, a palavra bem colocada traduz na exata dimensão de sentimento de quem a produz. 

É a língua uma das principais características de um povo. É ela que nos identifica em qualquer lugar do mundo. Quando estive na França, por diversas vezes identifiquei meus patrícios por ouvi-los a falar o bom, velho e lindíssimo português brasileiro. Com alguns deles travei diálogos e com outros fiz amizade. Assim será toda vez que estiver em país de língua diferente da minha. E você pode imaginar como é bom identificar a sonoridade da mesma língua que a sua na Babilônia que é Paris. 

Outro dia encontrei no Rio, uma colombiana que morava em Chicago. Depois de travarmos breve diálogo na sua língua ela me pediu a gentileza de falarmos em português, mesmo que ela não soubesse falar português. Explicou-me que ali estava para aprender a nossa língua por achá-la a mais bela do mundo e, disse ela, ter morado em diversos lugares do planeta. Fez questão de esclarecer que era o português do Brasil e não o de Portugal que lhe soava no ouvido como melodia sensual. Perdi a chance de praticar meu espanhol, entretanto, meu ego se massageou ao ouvir o elogio.

O português é mesmo língua traiçoeira e de difícil aprendizado. Mas renegá-la é abrir mão da identidade própria que é a identidade de um povo. Povo lindo, moreno, miscigenado, faceiro e acolhedor. Que não nos falte o orgulho de nossa língua e o interesse em aprendê-la.

Queria eu escrever sem erros e com a certeza das palavras bem ditas. Queria eu dizer apenas palavras benditas. Mas sei que sou capaz das palavras malditas e, muitas vezes, mal ditas. Tenho consciência da minha deficiência no aprendizado com a língua máter e da minha humanidade. Mas continuarei minha luta em tentar me expressar cada dia forma mais clara possível e em tentar ser um indivíduo mais evoluido. 

Wanderley Lucena

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O COMÉRCIO DA FOFOCA

A fofoca, como chamamos aqui no Brasil o falar da vida alheia, não é fenômeno da vida moderna. Entretanto, ganha-se muito dinheiro com ela enquanto perdemos nosso tempo,  prazeirosamente, a ler tais magazines. Detalhe é que esquecemos que vidas são destruídas e indivíduos são lançados ao poço da depressão quando se vêem clicados pelas lentes de paparazzis e depois, um Zé Mané, numa redação açougue, retalha a vida privada e a lança em páginas semanais. Tais açougueiros terminam por enriquecer com a destruição da privacidade alheia.

                                                                                                    Wanderley Lucena

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DONA FIFI


Dona Fifi chegou no condomínio dizendo-se madame de fino trato, mulher de berço nobre, oriunda de família riquíssima, tinha nome e sobre-nome. Quis ser recebida com tapete vermelho e ser reverenciada. Quis ser amada como se rainha sueca. Fazia questão de apresentar-se como a esposa do Sr. Conde de Chaterley. Espalhou aos quatro ventos que tudo na sua casa era do bom e do melhor e que o piso de sua casa era de madeira de lei. 

Lady Fifi sentiu-se enfada e enjoada por não receber para o chá das cinco nenhum dos seus súditos. Ninguém a visitava nem a chamava para tomar um café. Passou a procurar encrencas com todos os vizinhos e a reclamar de tudo e de todos. Desde a música moderna do filho do serviçal aos constantes sorrisos de felicidade da moça solteira e independente que morava em frente à sua casa. 

Ela ouvia os rumores de alcova da casa apegada à sua e não suportava que na sua casa, o marido inválido, não a satisfizesse. Se mordia de inveja. A vizinha estava visivelmente feliz e bem amada enquanto ela padecia de carência. Embora o marido tentasse entrar na onda de Dona Fifi, sua debilidade e apatia não permitiam o mínimo esforço. Ademais, Dona Fifi era nada atraente e até o marido já estava desconfiado que havia entrado numa fria ao casar-se com ela. O Conde tinha uma deficiência sanguínea que impedia-lhe que os músculos se enrijecessem. O constrangimento era visível e ela desistiu de vez de tentar seduzi-lo.

Dona Fifi passou a comer desesperadamente tentando preencher o seu vazio interior e suas formas já rechonchudas, cresceram ainda mais e ela já andava com certa dificuldade.

As senhoras distintas e discretas da comunidade não a suportavam e os seus maridos passaram a ordenar que elas a evitassem. Todos já sabiam ser Dona Fifi uma farsa total. Todos passaram a evitá-la, pois, tamanha era carência de Dona Fifi que ela passava horas a falar sem parar com quem lhe desse algum ouvido.

Dona Fifi chorou e esperneou porque não lhe davam atenção. Por fim, se disse mulher muito fraca e que seu marido estava muito doente. Que tinha alergia a poeira, cheiros fortes, produtos químicos de todas as espécies.Era agora hipocondríaca. Não podia ela ser contrariada ou perturbada. Pretendia ela com tal chantagem, despertar a piedade de quem a via. 


Mas já era tarde. Ela perdera todo o prestigio. Prestígio que nunca tivera, diga-se. Ninguém lhe dava mais atenção alguma e ela passou a ser motivo de comentários e chacotas. Dona Fifi era, afinal, uma uma grandessíssima fofoqueira encruada e invejosa. Ela era mesmo, na verdade, uma coitada. Mas ninguém sentia a menor dó da coitada. É que Dona Fifi era mesmo muito chata e repetitiva. As suas reclamações já se repetiam e sua conversa era pura ladainha enfadonha .


A dita Senhora passou então a desprezar quem a desprezava e disse a todos, em um blefe, que se mudaria do condomínio pois não aguentava conviver com aquela gentalha. No entanto, sua casa nunca foi anunciada e quem quis comprá-la desistia quando a madame informava o preço três vezes acima do que o imóvel mais valorizado da região. Era mesmo um engodo a Lady Chaterley, a Dona Fifi.


Wanderley Lucena