segunda-feira, 11 de julho de 2011

VIDA ABUNDANTE


Aqui onde moro é puro asfalto e concreto. O pouco verde consiste de alguma grama e plantas ornamentais. É bem verdade que há algumas poucas árvores que resistem entre os blocos residenciais. O incrível é que mesmo assim a natureza, bondosamente, nos oferece seu espetáculo.

Não é de hoje que vejo o ninho do joão-de-barro desde a minha pobre sacada. Ele se instalou no pé de ipê amarelo que foi plantado por um morador sensível. Mas que joão-de-barro esperto. Quanto bom gosto desta criaturinha de Deus. Foi escolher o pé de ipê para fazer a sua morada como que escolhe a melhor rua, a casa mais bonita. Ele podia ter escolhido a jaqueira, o tamarindo e até mesmo o poste de iluminação pública. Mas ele escolheu a árvore mais bela de todas, o ipê-amarelo.

Todo ano, no meio do asfalto do estacionamento, alimentando-se da terra no pequeno quadrilátero aberto no asfalto em que foi plantado, o pé de ipê esbanja vida. A florada, toda amarela, imensa, intensa, abunda em contraste com o cinza do concreto dos prédios tristes e decadentes e, ainda, com o preto do asfalto morto. A depender do ângulo, o contraste é com o azul do céu imenso. 

Nas madrugadas, um sabiá, incrivelmente,  insiste em me acordar com seu canto afinado. Parece querer  embalar-nos, quiçá, pedir socorro, protestar, gritar que lhe invadiram e tomaram o espaço de cerrado em que viveram seus antepassados. Certo é que o canto é causa encantamento.

Eu não sabia que sabiá cantava durante a madrugada. Mas que coisa! Que mistério! Ele canta por volta das tres horas da madrugada. Acordo com sua melodia afinada. Me enche de felicidade e êxtase. Agradeço aos céus pela vida daquele sabiá e também pela minha. Eu até já o vi, em horário diurno, a caçar insetos na grama do meu condomínio. Se ele pudesse entender o que eu gostaria de lhe dizer... Eu o agradeceria e, em gesto budista, o reverenciaria.

Mas olhando melhor desde a minha sacada, não sei se por causa do joão-de-barro, do sabiá, do ipê-amarelo ou de tudo o mais, percebo que ela é riquíssima. Vou arejar a casa, abrir as janelas, acender um incenso, ouvir Marisa Monte, cantar junto com ela e fechar os olhos para imaginar campos de alfazema nunca vistos. Vou dançar sozinho e sentir o cheiro dos temperos na minha cozinha enquanto faço o almoço.

Sabiás, ben-te-vis, joãos-de-barro, anuns, borboletas, besouros, lagartixas... natureza infinita ao redor. Ao alcance da vista, debaixo dos nossos pés, acima das nossas cabeças. Tem gente que não ver. Tem gente que não ver nada.

Que alegria me traz o joão-de-barro, o ipê-amarelo, o sabiá... e tudo o mais.

Wanderley Lucena

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