sexta-feira, 24 de junho de 2011

SOPA DE DENTE

Estávamos sentados à mesa quando percebemos, aos risos, algo de diferente no sorriso dele. Meu amigo, sentado à minha frente, acabara de perder um dente ou mais da metade dele. Bem no meio do sorriso, na arcada superior, uma imensa falha acabara de surgir.   Não havia dúvida. Ele perdera um dente. No lugar ficou nada, apenas a imensa porteira. Até então ele não percebera a sua perda. Mas com desconcerto e em polvorosa passou a procurar, desesperadamente, o dente perdido. Todos passaram a ajudá-lo na busca. Procurou-se no chão, sobre a mesa, etc... e nada. Pensou ele ter engolido o dente.  A cena era cômica se não fosse trágica.

Meu amigo é de poucas posses e, portanto, poucas condições de mandar fazer um a prótese. Entretanto, ainda mais engraçado que a perda e a janela que que via no seu sorriso, foi a estória que nos contou. O dente estava colado poe ele próprio à custa da poderosa super bonder. Sim, a super-cola que todos dispomos para aqueles reparos de urgência.

Faziam alguns meses que chegava, á noite, em sua casa. Quando abria o portão, ao puxar o ferrolho que o mantinha fechado, foi surpreendido quando o mesmo se desprendeu. Não apenas se desprendeu, mas voou na direção da sua boca e acertou-lhe o dito dente e o quebrou bem na base. O meu amigo, desesperado, passou a tatear pelo chão até que, enfim, no meio da escuridão, achou o dente. Como é de poucas economias e não podendo resolver o problema no dentista, decidiu ele próprio, e muito criativamente, resolver o problema. Super bonder, claro! Colou o dente com super bonder, a super cola instantânea, na base que ficara. Tudo certo como dois e dois são cinco. Ninguém percebeu o efeito craquelê do dente e só se percebeu o lábio inchado e roxo por causa da porrada do ferrolho que lhe acertara. Mas certo é que "ficou tudo como d'antes no quartel de Abrantes".

Procuramos e procuramos e não achávamos o dente. O prato de sopa! Restava o prato de sopa. Começou a busca frenética e desesperada e... alívio geral! O dente estava ali como a coisa mais preciosa já achada por ele. Percebemos seu sorriso e a janela, claro. 

Se recolheu ao banheiro com o dente e a minha super bonder. Saiu de lá alguns minutos depois com o sorriso restaurado. O mesmo sorriso de sempre, como se nada tivesse acontecido. Nem o mais experiente dentista conseguiria colar com tanta precisão aquele dente daquela forma. Será que os nossos dentistas cobram aquela baba de dinheiro pra colar nosso dente com super bonder? Foi a pergunta que me veio de imediato. Ficou também a gargalhada solta dos convivas e até do meu amigo que, não se fez de rogado e ria da própria desgraça.

Wanderley Lucena

sábado, 18 de junho de 2011

MARCAS


Escrevo o que você não gostaria de ler
Falo o que não interessa
Presença enfada
Palavras pesadas
Ações decepcionantes
Piadas sem graça
Corpo decadente
Não sou bom o bastante
Você me tolera
Sou eu
É você
Não passei desapercebido
Estou vivo
No negativo
Vivo, muito vivo
Pior é estar morto em vida
E no final... somos iguais
Eu
Negativo pra você
Você
Negativo para mim
Iguais
Ou não
Amo e sou amado
Assim... como você
Como todos
Como ninguém
E comer por vezes é amargo
Por vezes é doce
São tantos os sabores
Eu gosto dos cítricos
Dos azedos
Dos quentes
Dos frios
Só sensação afinal
Boas ou ruins
Que não se passe por passar
Que se marque
Que te marque
Que me marque.

Wanderley Lucena


terça-feira, 14 de junho de 2011

MEU CANÁRIO




Pela primeira vez, eu chorei
Porque fui desprezado pelo meu amor
O meu barraco agora ficou desarrumado
O meu canário já não canta, com certeza se desgostou
Piu-piu, piu-piu, piu-piu
Canta, meu canarinho, para amenizar a minha dor
Piu-piu

                 Quando é noite de lua, eu saio pra rua para meditarO meu pinho faz tudo pra ver meu canário cantarNo soluçar do ventoNo sussurro das folhagensNo gemido dos coqueirosPede a ele pra criar coragemNem assim o meu canário cantaE da minha garganta, um triste gemido saiUi-ui, ai-aiUi-ui, ai-ai
Marisa Monte

segunda-feira, 13 de junho de 2011

EL LABIRINTO DEL FAUNO



Dirigido por Guillermo Del Toro (“Hellboy”), “O Labirinto do Fauno” é um dos filmes mais interessantes de 2006. Exibido no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme lembra bastante outro longa do diretor mexicano. Trata-se de “A Espinha do Diabo”, de 2001, que conta a história de um menino que é deixado em um orfanato durante a Guerra Civil Espanhola e lá recebe a visita de um fantasma assassinado no local e que deseja vingança. “O Labirinto do Fauno” também se passa durante a referida batalha e também envolve uma criança bastante solitária.
Ofelia (Ivana Baquero), de 10 anos, muda-se para uma região ao norte de Navarra com sua mãe, Carmen (Ariadna Gil), que acaba de se casar com um oficial fascista (Sergio López, brilhante) que luta para exterminar os guerrilheiros da localidade. Solitária, a menina logo descobre, em seus passeios pelo jardim da imensa mansão em que moram, um labirinto que faz com que todo um mundo de fantasias se abra, trazendo conseqüências para todos à sua volta.
Extremamente lírico, “El Labirinto del Fauno” (no original) conta uma história fantasiosa que se apresenta como fuga dos horrores de uma guerra. Mas não pense que por oferecer uma fantasia o filme é leve. Muito pelo contrário, é extremamente frio e conta com um vilão extraordinário. O oficial fascista vivido por Sergi López é daqueles vilões que dão gosto de assistir. Ele é mau por natureza, sem sequer um pingo de bondade.
Escolhido como representante mexicano para tentar uma indicação ao Oscar 2007 de Melhor Filme Estrangeiro, o longa foi extremamente bem recebido durante o Festival de Cannes 2006, apesar de ter saído sem nenhum prêmio. O filme conquistou a imprensa na Riviera Francesa e chamou de vez a atenção do mundo para o cinema mexicano. Além de Guillermo Del Toro, o México apresentou para o universo cinematográfico cineastas como Alejandro Gonzáles Iñárritu (“Babel”) e Alfonso Cuarón (“Filhos da Esperança”), que mesmo realizando filmes em grandes estúdios de Hollywood não deixam de imprimir sua marca autoral. Os três diretores mexicanos são muito amigos, tanto que Del Toro coloca o nome dos dois outros nos créditos de “Fauno” na parte de agradecimentos. Cuarón ainda aparece como o produtor do filme.
“O Labirinto do Fauno” é imperdível. Contando com excelentes atuações e referências à clássicos do cinema como “O Mágico de Oz”, o longa irá agradar tantos os mais fantasiosos quando aqueles que gostam de ficar com os pés no chão.
Premios e nomeações
Ganhou Oscar, nas categorias de:
Melhor Direção de Arte
Melhor Fotografia
Melhor Maquiagem
Foi ainda nomeado nas categorias de:
Melhor Filme Estrangeiro
Melhor Argumento Original
Melhor Banda Sonora
Recebeu uma nomeação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro
Ganhou o Independent Spirit Awards de Melhor Fotografia, além de ser nomeado na categoria de Melhor Filme
Ganhou três prémios no BAFTA, nas categorias de:
Melhor Filme Estrangeiro
Melhor Caracterização
Melhor Guarda-Roupa
Foi ainda nomeado nas categorias de:
Melhor Argumento Original
Melhor Fotografia
Melhor Direcção de Arte
Melhor Som
Melhores Efeitos Especiais
Ganhou sete prémios no Goya, nas seguintes categorias:
Melhor Revelação Feminina (Ivana Baquero)
Melhor Argumento Original
Melhor Caracterização
Melhor Som
Melhores Efeitos Especias
Melhor Fotografia
Melhor Edição
Foi ainda nomeado nas categorias de:
Melhor Filme
Melhor Realizador
Melhor Actor (Sergi López)
Melhor Actriz (Maribel Verdú)
Melhor Banda Sonora
Melhor Desenho de Produção
Há quem ache o filme estranho. Eu amei! Faz parte da minha coleção.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

TOLERARE

Semana passada (acho que dia 01/06/11), conversava com um amigo pelo celular de dentro de um ônibus que seguia na direção da Esplanada dos Ministérios, quando uma invasão de decibéis provocou a interrupção do bate-papo. Telefone no bolso, desviei a atenção buscando compreender o que se passava. Pelo acúmulo de ônibus de turismo, trânsito engarrafado e vários carros de som aos brados, automaticamente imaginei tratar-se de mais uma dentre as várias passeatas características do modelo democrático e que tanto insistem em tornar-se parte da cotidiano e cenário do brasiliense.

Como o trânsito estava lento, e por não ter mais nada interessante que fazer no momento, agucei mais os sentidos para entender que tipo de manifestação estava testemunhando (vai que aquele fosse mais um momento histórico acontecendo no cenário onde tantos outros relevantes aconteceram! Seria uma oportunidade ímpar de ser uma testemunha ocular. Bem mais interessante que ouvir música pelo rádio do celular. Um ótimo bônus para quem estava a trabalho dentro de um ônibus!). 

Olhando meio de longe, observei milhares de cidadãos no exercício do seu direito: mulheres de todas as idades, raças e provavelmente classes sociais e homens de todas as idades, raças e classes sociais. Huummm... poderia ser então reinvindicações trabalhistas, algum segmento do governo, ou do sistema financeiro... Poderia ser um grupo de ruralistas marcando presença na semana de discussão do novo código florestal, tentando conquistar mais um pedaço de mata ciliar em detrimento das águas. Não haviam ambientalistas - eles sempre vêm com criativos mecanismos para chamar a atenção: inflam balões, tiram a roupa, pintam corpos, fazem o que estiver ao alcance para expor seus anseios e receios, felizmente. 

Para ter mais certeza, aproveitei a aproximação do local e consegui ler à distância algumas faixas: "família isso, família aquilo...". Pensei, que legal!, deve ser um movimento em prol do fortalecimento da lei Maria da Penha; deve ser uma manifestação contra o elevadíssimo índice de violência sexual praticado por pais contra filhos(as), no âmbito das 4 paredes daquilo que deveria ser um lar;  deve ser um movimento por um sistema habitacional mais inclusivo, no qual uma família que vive com um salário ou menos possa adquirir um teto digno para morar; devem estar buscando uma melhoria nos programas de transferência de renda, ou mais empregos para pais e mães, ou creches para filhos... 

Quando imaginei que finalmente tinha matado a charada, consegui ler outras faixas: "homossexuais isso, homossexuais aquilo...". Pensei: ôxi, seria uma demonstração de lucidez coletiva? Estariam aqueles milhares de brasileiros caminhando em uníssono rumo a defesa de uma família mais universal e verdadeiramente representativa? Mas, à medida que a proximidade ficou maior, outras tantas faixas e frases se tornaram mais legíveis, pois eram complexas e contendo muitas informações para serem lidas à distância: "versículo tal... carta tal... bíblia tal, deus tal..."

Óbvio, não há alices no seu país de maravilhas nem polianas que sobrevivam muito tempo. A realidade obscura e infeliz é que ali se agrupavam milhares de cidadãos brasileiros, detentores de direitos e deveres cívicos garantidos por uma constituição soberana, bradando raivosamente contra os direitos de outros cidadãos brasileiros, igualmente detentores de direitos e deveres cívicos garantidos por uma constituição soberana!!!! Irônico perceber dentre eles mulheres e negros, dentre outros tantos grupos representativos que ainda hoje sequer consolidaram a conquista dos seus próprios direitos básicos.

Indignado e revoltado, é o básico que poderia usar para me qualificar naquele momento, por perceber a grandeza da liberdade democrática sendo colocada à serviço da insensatez e limitação de alguns.  Mas a indignação não qualificava tudo. Minha revolta foi fortemente acentuada ao perceber naquele festival de ignorância a inclusão da palavra "deus" e seu significado para nossa cultura.

Primeiro, tentava entender o que que versículos e bíblias estavam fazendo em frente ao congresso de um país laico. A catedral ficava uns dois kilômetros antes. As igrejas evangélicas se agrupavam fartamente na avenida L-2 sul assim como outras tantas agremiações religiosas. Inevitável lembrar dos impropérios proferidos nas tribunas governamentais, escudados com a vinculação com um "deus", protagonizados por representantes de todo tipo de ilicitude que se pode ter notícia. Que asco!!! A fé (esperança), um dos principais patrimônios do ser humano, sendo colocado na lata de lixo da ambição desta meia-duzia apodrecida.

Segundo, admitindo precariamente a inclusão de alguma religiosidade nesta discussão de cunho absolutamente legal, o que a religião poderia ter contra a homossexualidade e a união de pessoas de mesmo genital? Mesmo detestando discutir religião e suas diferentes filosofias, sinto-me no direito de questionar até esta instancia desta sandice, pois nos meus mais de quarenta anos de razoável vivência religiosa, à frente de púlpitos de variadas designações, não consegui identificar nada mais cristão e verdadeiramente religioso que "amai-vos uns aos outros", "não julgueis", "vós sois espíritos", máximas que pairam muito acima das relações sexuais, estas sim da alçada individual e para qual o verdeiro Deus nos concedeu a liberdade de arbitrar e decidir.

Sentindo isso tudo, quase pensei: Senhor, perdoai-nos pois não sabemos o que fazemos. Claro, interrompi o pensamento imediatamente ao lembrar-me de que deus não existe à nossa imagem e semelhança(!). Quão estúpido seria pensar num Deus perfeito, mas ofendido!!! Quão estúpido seria pensar na existência de um Deus(a) criador(a) de todo um universo imperiscrutável à nossa compreensão e conhecimento, enrubescido de raiva ante a união de simples seres humanos de mesmo sexo, habitantes deste planetinha perdido no infinito cósmico! Acho que ele deve estar mais preocupado com outras coisas, como a aplicação da lei do Amor, esta sim universal e bem pouco conhecida e praticada entre nós.

Por fim, voltando ao cenário da tal manifestação de desrespeito e intolerância, vencido o desconforto causado pelo cheiro de fogueira inquisitória ou suor de cruzados estupradores, tentei visualizar algo de bom naquilo tudo. E, pasmem, consegui! Claro, óbvio, incrível, como ninguém percebeu!! Após milênios de estupros multilaterais, assassinatos multilaterais, queimadas multilaterais, enfim, estavam caminhando lado a lado os protagonistas dos maiores episódios de violência praticados no planeta (em nome de Deus)!! Ombro a ombro. Praticamente abraçados. Unidos enfim. E graças a quem? Aos homossexuais.

Como então duvidar: homossexualidade é coisa de Deus!

Com o perdão pela conclusão irônica (mas real) e agora menos indignado...

Abraços,

Valdemar Vasconcelos

DESAPEGO


Para mim, uma das piores sensações é a de que perdi meu tempo. A sensação de que dei atenção a algum medíocre. A decepção de perceber que aquela criatura não era quem eu pensava ser. E isso acontece com certa freqüência em minha vida, tenho certeza que na sua também.

Imagine você viajar com seu amigo e depois de uma semana, descobrir que a amizade desandou. Aquele indivíduo não é seu amigo. E você está apenas no meio da viagem. Quem de nós nunca passou por tal experiência? Mas o bom é ter a certeza de a cortina caiu.

Tento me livrar de pré-conceitos o tempo todo. Não elimino ninguém por causa de aparência ou aqueles que não se enquadram exatamente dentro do bom-senso, da plástica moderna ditada pela mídia ou qualquer outra forma.

Confesso que gosto de loucos, de decadentes, de darks. Mas gosto dos singelos, da leveza e da beleza. Mas odeio, odeio a mediocridade.  Odeio aproveitadores. Personalidades vazias e outros. E como é bom assumir o ódio, o desprezo... confesso, por esses indivíduos. E ainda, tem o pior tipo, o psicopata. O tipo descrito nos livros de psicologia. E olhe! Já fui vítima deles.

Eu pratico o desapego, princípio budista. Se perdi meu tempo, desapego. Simples assim.

Quanta contradição. Não é verdade? Acho que vivo momento de passagem, de contradição, de confusão. Gosto de decadentes, mas nem tanto. Gosto daqueles que se manifestam e se impõe contra o tipo estabelecido, contra o formal ditado pela moda, pela religião, por todas a ditaduras. Aquela loucura rebelde e elegante do James Deam.

De algum modo eu também me manifesto. Não sou nenhum punk, emo, dark, etc... sou um ser comum, quase igual na aparência a todo mundo. Mas dentro de mim há a ebolição da revolta. Um vulcão que não adormece nunca e que vezes por outra libera larvas e fumaça. Termino por ser também uma dessas figuras que tanto atraíram o Renato Russo a ponto de ele dormir com os tais na sarjeta. Exagero dele, eu acho. Mas Renato era maior que tantos, maior que eu, com certeza. É que eu gosto mesmo é dos meus lençois limpinhos e cheirosos. Gosto da tecnologia da TV a cabo e de comer na minha cozinha clean e de sentar no vaso sanitário branquinho e só meu.

Quanto apego!

Wanderley Lucena

FORA DA ORDEM




Não sei se é o fim dos tempos, mas chove em Brasília. Pleno junho e chove nesse deserto. Aqui as águas de março fecham mesmo o verão. Mas algo está mesmo fora da ordem. Quiçá, os deuses devam está em festa lá por cima e se esqueceram de fechar as torneiras. Estariam eles bêbados e bonachos. Esqueceram-se que já não é mais hora de nos abençoarem com as gotas da molhada chuva. Talvez estejam eles a fazer um bacanal e, felizes a gozar sobre a terra esturricada desta cidade que deveria ser lavada na cara.

Em trinta anos vivendo nesta que se tornou a minha cidade, não me recordo de ter visto chuva, e com abundancia, nos meses de junho. Certo é que, por sorte, me encontro sem carro esta semana. Fui obrigado a me locomover a pé pela cidade, nas redondezas de minha casa. Hoje sai andando e pude, mais uma vez, perceber a sensação da frescura do vento e a nuvens pesadas que anunciavam que os céus iam cair sobre as nossas cabeças. 

Enquanto caminhava por entre os blocos, por caminhos devidamente planejados, em calçadas postas de formas a que o pedestre não pise na grama, a observar as muitas árvores do cerrado ou mesmo as que ali foram plantadas por intervenção mão de alguns que ainda insistem em remar contra a maré, me senti mais vivo que nunca. A solidão daquela caminhada era, sem dúvida, uma oportunidade para que eu pudesse apreciar cada centímetro da paisagem à minha frente. Muitas floreiras, palmeiras, plantas nativas do cerrado.

Cheguei ao meu destino sem muito me molhar. Mas confesso que se a chuva me caísse de tal forma a molhar até o rego, minha emoção só aumentaria.Tem dias que estamos assim mesmo, emotivos, sensíveis. Acho que, no meu caso, tem uma terceira característica: agradecimento. Sim, uma postura agradecida ante a natureza e a Deus.

Tomara que a seca não nos castigue tanto neste ano. E já que a chuva não lava mesmo a cara dos políticos que são a razão primeira da existência desta cidade neste planalto seco, que os deuses continuem o seu bacanal e nos abençoem com as torneiras abertas.

Wanderley Lucena

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dom Quixote (A história do cavaleiro andante e de seu fiel escudeiro)

Sabe qual o segundo livro mais publicado e traduzido do mundo? É o que conta a história de amizade entre um cavaleiro e seu fiel escudeiro, que empreendem uma longa andança pela Espanha, no final do século 16. Estamos falando de Dom Quixote, obra escrita pelo espanhol Miguel de Cervantes. Em número de traduções e edições, esse livro perde apenas para a Bíblia.

Considerada por muitos a maior obra da literatura universal, Dom Quixote desperta, nas mais diferentes épocas da história da humanidade, paixão nos leitores, que se encantam com a trajetória de seus principais personagens. O Cavaleiro de Triste Figura, Dom Quixote, por exemplo, é ao mesmo tempo, um louco e um sonhador. Ávido leitor de livros de cavalaria – obras populares na Espanha no século 16, com histórias cheias de personagens que lutavam pelo amor, pela paz e pela justiça –, ele acaba enlouquecendo e sai pelo país em busca de aventura, como seus heróis.

Dom Quixote pensa que apenas homens como ele podem trazer paz e justiça à Espanha. Vive no mundo dos sonhos e trata monges como feiticeiros, luta com moinhos de ventos pensando que são gigantes e devota seu amor a uma camponesa que, a seus olhos, é uma nobre donzela...

Dom Quixote é um louco que acredita em seu sonho e vai à luta contra obstáculos imaginários em busca da celebridade e do amor. Também é considerado um ingênuo por tentar transformar a dura realidade em que vive em algo mais nobre. Por tudo isso, o personagem gerou até um adjetivo: quixotesco, dado a quem é impulsivo, sonhador, romântico, nobre, mas um pouco desligado da realidade.

A história de Dom Quixote, no entanto, é ainda a história de uma grande amizade: a do cavaleiro andante com o seu fiel, desastrado e também perspicaz escudeiro Sancho Pança. Uma amizade baseada na lealdade e considerada como uma das mais bem representadas em toda a literatura.
Sentiu vontade de conhecer melhor essa dupla? Então, saiba que escritores brasileiros como Monteiro Lobato e Ferreira Gullar traduziram a obra de Miguel de Cervantes para o português de uma maneira resumida, mas com tal talento que crianças e adolescentes podem lê-la sem dificuldade, se interessando até, quem sabe, pelo “livro grande”, a versão completa. Além disso, há uma tradução de Marina Colasanti de uma adaptação espanhola de Dom Quixote para crianças.
Membro da Academia Brasileira de Letras, Antonio Olintho diz que Dom Quixote é um livro brasileiro, já que na época em que foi publicado, Brasil, Portugal e Espanha estavam sob a união político-administrativa de suas coroas. Seu personagem principal com certeza teria gostado muito de se aventurar por nosso país. Então, por que não conhecê-lo?
Francisco Corral,
Instituto Cervantes do Rio de Janeiro
26/12/2005

terça-feira, 7 de junho de 2011

DESDE O BALCÃO


Preciso ver-te
Ver-te por ver-te
Sem necessidades
Sem motivos
Com ânsia
Com apetite
Chegues sem aviso
Que te achegues 
Que te envolvas
Mas que chegues
Sem demora
Que fiques
Não mais queiras ir-te
Apareças na esquina
Vens pela rua ladrilhada
Espero desde o balcão
Como sempre
Desde que te fostes
Sempre que te vás
Que voltes
Que fiques

Wanderley Lucena

domingo, 5 de junho de 2011

UBIGUIDADE




Estás em tudo que penso,

Estás em quanto imagino:

Estás no horizonte imenso,

Estás no grão pequenino.


Estás na ovelha que pasce,

Estás no rio que corre:

Estás em tudo que nasce,

Estás em tudo que morre.



Em tudo estás, nem repousas,

Ó ser tão mesmo e diverso!

(Eras no início das cousas,

Serás no fim do universo.)



Estás na alma e nos sentidos.

Estás no espírito, estás

Na letra, e, os tempos cumpridos,

No céu, no céu estarás.


Manuel Bandeira

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Voilà!


Fecho o ciclo 
Escancaro portas
Encerro as atividades produtivas e assalariadas
Vou sem destino
Me dedicarei ao que me proporcionar prazer
Sonhos, planos, objetivos
Sol, mar, vento na cara
Braços abertos, sorriso largo
Um cantinho só pra mim
Só pra você
O mundo
Nova estrada
Não sei para onde ela me levará
"C'est la vie", diria meu amigo francês
Sair sem hora pra voltar
Voltar por prazer
Ir por querer
A alma é infante
A caixa que a leva, nem tanto
Privilégio jubilar na meia idade
Os reflexos respondem e correspondem
Subir na jaboticabeira
E porque não? 
Fazer bobeira e besteira
Até o dia que der.
Voilà!

Wanderley Lucena

LOUCOS E SANTOS





"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. 
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. 
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso. 
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. 
Para isso, só sendo louco. 
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. 
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. 
Não quero só ombro e colo, quero também sua maior alegria. 
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. 
Meus amigos são todos assim: Metade bobeira, metade seriedade. 
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. 
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. 
Não quero amigos adultos nem chatos. 
Quero-os metade infância e outra metade velhice! 
Criança, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. 
Tenho amigos para saber quem eu sou. 
Pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que 'normalidade' é uma ilusão imbecil e estéril".

Oscar Wilde

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A COSTUREIRA E O CANGACEIRO - (Eu recomendo)



A escritora Frances de Pontes Peebles, 30 anos, foi criada em Miami, uma das capitais mais urbanizadas dos EUA, e se formou na Universidade do Texas. Sua genealogia, no entanto, remete a um local a milhares de quilômetros de distância: uma pequena cidade brasileira chamada Taquaritinga do Norte, no interior de Pernambuco. Lá nasceu sua avó, de quem Frances cresceu ouvindo as incríveis histórias a respeito de uma infância em uma terra habitada por figuras impressionantes como coronéis e cangaceiros. Foram essas lembranças familiares que formaram a escritora: o Brasil dessas memórias, acrescidos de uma irrepreensível pesquisa histórica e dos dotes de uma contadora de histórias inata, deu origem a seu romance de estréia. A costureira e o cangaceiro, escrito em inglês e traduzido para o português pela Editora Nova Fronteira, conta a história de duas irmãs que, na caatinga do final da década de 1920 e começo de 30, acabam sendo carregadas por rumos contrários. Aldous Huxley escreveu que “a memória de cada homem é sua literatura privada”; em A costureira e o cangaceiro, Frances transforma a memória de sua família em literatura a ser compartilhada com leitores do mundo inteiro.


As órfãs Emília e Luzia foram criadas pela tia, a melhor costureira da cidade, e logo aprenderam brilhantemente o ofício. Porém, apesar de terem recebido a mesma educação, não poderiam ter personalidades mais distintas. A delicada Emília desde cedo se mostrou sonhadora e ambiciosa. Seu maior desejo sempre foi se casar com um rapaz de boa família, para assim conseguir escapar para a capital e viver em um mundo como o das ilustrações que a maravilhavam ao folhear a revista Fon Fon. A caçula Luzia, por outro lado, era mais conectada ao solo de Taquaritinga. E um acidente durante a infância provocou uma deformação que a deixaria ainda mais brutalizada e isolada do convívio social: com um braço permanentemente dobrado, foi apelidada de Vitrola e ficou marcada como uma mulher sem futuro.
A distância entre as duas se torna física quando um bando de cangaceiros, liderados pelo infame Falcão – assim chamado por ter, como a ave de rapina, o hábito de arrancar os olhos de suas vítimas –, de passagem pela cidade, invade a casa das costureiras em busca de roupas novas e leva Luzia consigo. Assim, enquanto Emília se casa com o filho de um médico influente e vai morar em Recife, Luzia torna-se esposa de Falcão, formando o casal mais temido de toda a caatinga. Na cidade grande, porém, Emilia se deparará com preconceitos e decepções, ao passo que sua irmã encontrará um sentido para a vida em sua rotina itinerante como cangaceira. Mas, mesmo em lados tão opostos, suas vidas permanecerão eternamente conectadas.


O ponto de partida do romance é autobiográfico: o nome da avó de Frances – que realmente se casou com um homem de família abastada do Recife – era Emília e uma de suas seis irmãs se chamava Luzia. Além disso, todas eram costureiras. Mas, segundo a autora, o restante é pura ficção. “Sempre quis saber mais sobre as mulheres que acompanhavam os cangaceiros em seus bandos, mas não consegui encontrar muita coisa a respeito”, afirma a autora. “Apenas uma mulher, Maria Bonita, foi estudada a fundo. Essa falta de informação me fez pensar em minha avó e tinhas tias-avós, que viviam na zona rural na época do cangaço e eram o tipo de meninas que poderiam ter sido sequestradas e forçadas a ingressar em algum bando. Elas conseguiram escapar desse destino, mas o que aconteceria se não tivessem conseguido? Essa pergunta foi a fonte de inspiração para o meu romance.”
Utilizando a Revolução de 1930 e a Era Vargas como pano de fundo, Frances de Pontes Peebles narra – com leveza, suspense e inteligência – um verdadeiro épico. A costureira e o cangaceiro chegou a ser comparado a E o vento levou, de Margaret Mitchell: uma saga romântica e familiar ambientada em um país em transformação.


SOBRE A AUTORA
Frances de Pontes Peebles nasceu no Recife, Pernambuco. Formou-se em Letras pela Universidade de Texas em Austin e fez o seu mestrado no Writer's Workshop na Universidade de Iowa. Atualmente mora em Chicago, Illinois.
Fonte: Approach