sexta-feira, 16 de abril de 2010

MORTE BENDITA

Hoje, mais uma vez, me peguei pensando em minha morte. Vejo tantas pessoas contraírem cânceres mortais e morrerem de repente. Acidentes fatais ocorrendo a todo instante. Fico ouvindo as pessoas que eram amigas do morto contando das suas lembranças com o ente que partiu. São tantas as estórias. Todas ressaltando as qualidades do morto quando em vida e os momentos felizes vividos com ele. Todos declarando a dor e perda irreparável. Parece que as pessoas boas morrem mais e geralmente com muito sofrimento ou em desastres. Os maus morrem de velhice mesmo, com algumas exceções.

Fiquei pensando naqueles que morrem e deixam cartas de despedidas. Pensei na mensagem a ser escrita no meu túmulo. Vi epitáfios, túmulos, cruzes, coroas de flores, cortejos fúnebres, mausoléus, gente vestida de preto, óculos escuros gigantes e choro, muito choro e dor.

Há os que desejam ser cremados e as cinzas jogadas nas águas de um rio ou lago. A mãe de um amigo pediu para ser cremada e jogada no Gangis. O viúvo guarda as cinzas numa urna até hoje. Nunca pode ir à India. Mas há os que nada desejam para além túmulo. Os que não querem morrer de jeito nenhum e a simples idéia da morte batendo á suas portas os deixa estarrecidos de pavor.

No meu velório, se pudesse, pediria que colocassem músicas alegres. Que se servisse uma bebida boa, biscoitos, café bom, geléias finas e tanta coisa mais. Que as pessoas dançassem. Deixaria um rol de convidados especiais. Deixaria um rol de “personas non gratas“, impedidas de desfrutar da festa. Pediria para ser cremado e que minhas cinzas fossem jogadas embaixo de uma árvore frutífera qualquer.

Mas acho que não morrerei tão cedo. E não é que eu seja uma pessoa ruim ou má. Acho mesmo que sou um cara bacana, de bom coração. Sinceramente... não quero mesmo morrer tão cedo. Quero mais é viver, gozar, rir, cantar, correr, sol, lua, mar, futebol, gente, beleza. Mas, é engraçado como a gente vai se acostumando com idéia da morte depois da meia idade, digo, depois dos 40. Não tenho medo dela, da morte. Tenho medo de sofrer. A velhice e os impedimentos que ela nos impõe. Eu fico me imaginando velhinho, sem parente, nem aderente. Sim, porque não tenho filhos e nem os terei. Ademais, eles não são garantia alguma. Vejo filhos jogarem os pais em asilos e nunca mais procurá-los. Vejo idosos abandonados, agredidos e até mortos por aqueles que deveriam cuidar deles. Fico me imaginando todo cagado numa cama, sem forças pra chegar ao banheiro. A ânsia de vômito e o desespero. Pedir pela morte e ela não atender.

Aqui do meu condomínio observo, há anos, uma senhora de idade bem avançada. Ela tem dificuldades para se locomover, suas mãos estão entrevadas e seus dedos deformados por algum tipo de reumatismo. Mora no quarto andar e o prédio não tem elevador. Vez por outra é vista com manchas roxas, negras, pelo rosto que ela tenta esconder com óculos escuros e chapéus. Parece que bateu com o rosto na parede ou algo assim. Ela me disse que era por causa de uma medicação que lhe dilatava os vasos sanguíneos. Eu sei que não é nada disso. Fiquei sabendo que, numa madrugada dessas, os vizinhos foram acordados com seus gritos. A porta teve de ser arrombada e a encontraram se debatendo no chão. Relataram que ela adquirira força fenomenal e não era possível segurá-la e que a mesma gritava coisas desconexas. O Corpo de Bombeiros foi chamado e a conduziram ao hospital. Ela é extremamente reservada e desconfiada. Não quer contato com ninguém, muito menos com parentes. Segundo ela mesma já informou, os tais só querem se aproveitar da sua aposentadoria.

A Cindi, minha cadelinha, me acompanhou por doze anos. Ficou velhinha e não agüentava mais subir as escadas. Respirava com dificuldades e não queria comer. Se comia vomitava em seguida. A levei à clínica e lá fiquei sabendo que o coração, os rins e o fígado iam mal. Que ela não ia mais ficar boa e que precisaria ficar internada. Que, se não morresse, voltaria para casa um pouco melhor e que, pouco tempo depois, iria ter de internar novamente e assim seria até o momento que morreria finalmente. Quanto sofrimento! Eu fiquei triste de saber que ela iria sofrer tanto e decidi sacrificá-la. Fiquei observando ela ali deitada, respirando com dificuldade enquanto a médica achava a sua veia. Deu-lhe uma anestesia e fez a bichinha dormir. Em seguida aplicou outra seringa, dessa vez mortal. Ela parou de respirar e tive de me conter pra não chorar a perda da minha companheira de anos. Eu a enterrei embaixo de uma árvore em um área ecológica da cidade. Mas fiquei pensando sobre a eutanásia. Uma pena que não seja permitida no país. Eu iria declarar em documento assinado e registrado que me fosse praticada quando não mais fosse capaz de me cuidar, de me locomover. Acho uma morte digna. Nada a ver com suicídio. Eu não me suicidaria por nada.

Eu só queria morrer com alguma dignidade. Talvez, sem sofrimento, dormindo. Seria ótimo dormir e não mais acordar. Seria esta uma morte bendita?