quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O CAFÉ DO JACU

Sai com ares de novo rico pela cidade e decidi comer um risoto em um restaurante bacaninha, da moda. Os pratos do estabelecimento levam a assinatura de uma chef famosa e, não sei se por causa disso, o risoto é mesmo uma delícia. A musica é agradável e a mesa é bem posta. Simples, mas, bem posta.

A mesa era baixa, quase na altura do chão mesmo. As poltronas em couro marrom, eram grandes e profundas, de pernas pequenas, nos fazendo ficar com os joelhos nos ombros, quase de cócoras, porém, imponentemente convidativas. O garçom era jovem e esguio e, muito simpático. A musica era boa aos ouvidos e da janela grande de vidro podíamos ver a movimentação na rua e quem entrava e saia do local já que estávamos no andar superior.

Um vinho espanhol bem que podia ser melhor, haja vista, o preço. Uma água com gás intervalava os goles e fui tomado de uma alegria sem sentido, dessas que se vão quando o teor alcoólico baixa. Passageira como toda alegria o é. Não que eu seja infeliz. Não é isso. Sou até bem feliz, mas a alegria não é eterna. A felicidade sim, pode até ser. Mesmo que você não esteja alegre você pode se perceber feliz. A felicidade é algo mais profundo e duradouro. É aquela sensação de está melhor que ontem. É reconhecer que a tristeza é momentânea, como a alegria também. Mas fica aquela certeza do auto-conhecer-se.

O risoto chegou em prato enfeitado sem exageros. Um ramo de verdura por sobre o arroz marrom, quase preto, por causa do funghi, creio eu. O cheiro subiu às narinas e o estômago pediu pressa. Cada colherada foi muito bem saboreada e o palato se inchava quando era lavado com o vinho tinto encorpado.

A conversa estava agradável, de bom nível, porém, falávamos de frugalidades. Acho que melhor do que as frugalidades, só mesmo falar dos outros. Mas não falávamos de ninguém. Mas concordo com quem disse que melhor que falar dos outros, só falar mal dos outros.

Percebi que a cabeça estava meio zonza, mas nada que me tirasse o sentido de direção. Mesmo assim, terminada a refeição e o vinho, decidi pedir ao simpático garçom, um café. Um cafezinho expresso é o meu vício assumido. Não sei se quero outro vício, mas agora que estou na meia idade, a idade do lobo, penso que preciso de emoções mais fortes. Experimentar mais. Ousar mais. Mas não quero me viciar. Não quero ser dominado por uma substancia. Mas não vou me precipitar. Vou aposentar antes.

O garçom me informou que o estabelecimento estava trabalhando com uma nova espécie de café e me perguntou se eu não gostaria de experimentar. Achei fantástica a idéia. Café é o meu fraco e experimentar um café de qualidade naquele momento era ideal para fechar bem aquela agradável noite. Me informou que se tratava da espécie jacu board. Eu heim? Jacu board? Isso mesmo! Jacu board era o nome do café. Pedi logo dois, um para mim e outro para meu amigo. O moço se ausentou para providenciar o tal café e fiquei especulando com meu amigo. Jacu é ave e eu conheço. É pouco menor que uma galinha, mas sabe voar. É comestível. Eu comi muito jacu quando menino. Calma que eu explico. Nasci na roça. Meu pai era caçador. Matava tatu, cotia, viado, nambu, caititu, paca, e muito mais. Naquela época nem se ouvia falar em ecologia. Jacu a gente comia assado, frito, cozido... pra deixar bem claro.

Eu já tinha ouvido falar de uma espécie de café que era comido por uma espécie de esquilo... Australiano? O bicho comia o grão do café e as fezes eram catadas e depois de processados, tinha-se um dos melhores cafés do planeta. Me lembrei vagamente dessas informações e, me lembrei que ouvira também que tratava-se de um café caríssimo. Imaginei que o processo seria o mesmo, porém, o animal a digerir o grão seria o jacu.
Ao retornar com os cafés, solicitei que o garçom me informasse o porquê de tal nome. Ele explicou exatamente o que eu já suspeitava. Era isso mesmo. Em Minas Gerais o jacu come o grão do café e ao digeri-lo, toda a acidez do grão é retirada pelo suco gástrico do papo do bicho. Quando defecados, os grãos são recolhidos e processados. Informou que se tratava de um dos melhores e mais apreciados cafés do país. A ficha começou a cair. Nada que seja tão especial custaria o preço de um expresso normal. Disse que o estabelecimento estava a vender o tal jacu board. Ao me informar o preço do pacote de meio quilo quase caí de costas.

O cafezinho que me descia garganta abaixo me parecia ter o mesmo gosto de um bom expresso, porém, nada além disso. Com sorriso amarelo perguntei qual o valor daquele cafezinho que tomávamos. Jesus! Não podia imaginar que uma xícara de cafezinho pudesse valer tanto quanto ouro. Mas já era tarde. Eu já estava com a xícara quase vazia. Mantive a pose e disfarcei o meu embaraço. Fui para casa satisfeito. Paguei, mesmo que no cartão de crédito, o café jacu board. Não é todo dia que se toma café de merda de jacu.

Wanderley Lucena

3 comentários:

  1. Gostei do que li, e ri a bessa!...
    Tanto da feia que vende iorgut quanto do café de merda que vendem lá em Minas.

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  2. parabens!! o teu blog ficou excelente!!!

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  3. Meu querido... nesta manhã de folga, depois de uma ressaca de enxaqueca e de esperar por quem não vem, não imaginava que ia rir e aprender tanto visitando seu blog.
    Sigamos...
    Gilmara

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